Ex-Flamengo e Corinthians, Felipe curte calmaria e não pensa em parar aos 41 anos

A escalação de Felipe com jogadores que já dividiu o vestiário já dá uma ideia do quanto o goleiro tem história para contar.

— Fábio Costa; Léo Moura, William, Chicão e Roberto Carlos. Vampeta, Petkovic e Ronaldinho Gaúcho; Ronaldo, Adriano e Edilson. E o técnico é o Vanderlei Luxemburgo. E deixei fora Vagner Love, Thiago Neves, Renato Abreu, Amaral... — diz o jogador, aos 41 anos, e longe de pensar em parar.

Logo de início, no Vitória, viveu um triste episódio de racismo que o fez mudar os rumos da carreira. Depois, emplacou passagens por Corinthians e Flamengo marcadas por títulos, jogos inesquecíveis, mas também muita turbulência. Atualmente, vive um "rolê aleatório" no Differdange, de Luxemburgo.

Felipe não deixa a idade atrapalhar a sua vontade de se manter firme como jogador de futebol. O veterano cita Fábio, em alta aos 44 anos no Fluminense, quando o assunto é aposentadoria.

— Eu sei que estou mais perto do final. Enquanto eu tiver esse ânimo de levantar e essa motivação de treinar vou continuar. Todos os goleiros tem como referência hoje o Fábio. Aqui na Europa, eles não se preocupam tanto com a idade. Se você estiver rendendo, você vai estar jogando — disse em entrevista exclusiva ao ge .

E a idade realmente não atrapalhou o goleiro, que fez uma temporada de 33 jogos pelo Differdange e jogou fase prévia de Liga dos Campeões. Campeão nacional, ele chegou a ficar 1.561 minutos sem sofrer gols.

Goleiro Felipe está no Differdange, de Luxemburgo — Foto: Divulgação/Ideallize Comunicação

— Foi uma temporada mágica aqui para mim, nunca imaginei ficar tanto tempo sem tomar gol. Dos 30 jogos, foram seis gols sofridos. Pude ajudar pegando pênalti, alguns jogos pude ser decisivo - celebra.

Com contrato até junho de 2026, ele vai jogar, pelo menos, até os 42 anos. Mas o veterano admite que começa a pensar em caminhos para o pós-carreira. Todos, claro, no futebol.

— Não passa na minha cabeça ser treinador de goleiros, acho que eu tenho mais cabeça para treinador. Mas, daqui a pouco, pode aparecer a oportunidade de ser treinador de goleiros por aqui. Aos poucos, a gente vai pensando. [...] Já sou bastante conhecido aqui, fui eleito o melhor goleiro do ano. Então, daqui a pouco eu consiga abrir uma escola de goleiro ou entro na comissão técnica. É algo que eu já tenho que pensar, não tenho mais 30 anos — lembrou o atleta.

"Daqui a pouco o corpo já não vai aguentar mais, eu vou ter que pensar em outras coisas e dificilmente eu não fico no meio do futebol".

Mas antes de chegar a Luxemburgo, Felipe passou por poucas e boas no futebol brasileiro. Revelado pelo Vitória, o goleiro defendeu clubes como São Caetano, Bragantino e Portuguesa antes de fazer história no Corinthians, em 2007. Foram quatro temporadas, com 193 partidas, um rebaixamento para a Série B, mas também as conquistas da Segundona de 2008 e do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil de 2009.

"Foram quatro anos de muito mais alegria do que tristeza lá no Corinthians".

Uma dessas felicidades foi jogar ao lado de Ronaldo Fenômeno, algo que parecia coisa de videogame, segundo o próprio goleiro.

Ronaldo e Felipe à época do Corinthians — Foto: Daniel Augusto Jr /Ag. Corinthians

O atacante tetra e pentacampeão com a Seleção chegou ao Parque São Jorge em 2009 e mudou a rotina de todos.

— Ninguém acreditava que ele iria jogar lá. Ainda tinha aquele negócio de manter a forma no Flamengo. E ele chegou acima do peso, mas era o Ronaldo. Ele não tem apelido de "Fenômeno" à toa. Quando ele começou a jogar, a gente via que ele era diferenciado. A gente lembrava de ver jogar, no videogame, da Copa de 2002. Eu nem sonhava que poderia acontecer isso — inicia Felipe.

— E no ano seguinte veio o Roberto [Carlos]. Ganhar títulos com esses caras... Pude aproveitar não só a parte esportiva, mas de fã também, estar com ele no dia a dia, ir para as resenhas. Uma coisa que não tem como esquecer — completou o goleiro.

Mas nem tudo foram flores enquanto ele esteve no Corinthians. Em 2010, o goleiro entrou em atrito com o então presidente Andrés Sanchez e interrompeu sua história no clube paulista.

— Tinha uma relação boa com o Andrés, éramos amigos. A gente tomava café junto, ele me ligava. Ali foi mais por parte da idade. Eu era jovem. Com a cabeça de hoje não faria aquilo. Teve erro das duas partes. Eu poderia até estar certo, mas quando bati boca com presidente em rede nacional perdi a minha razão — lembrou Felipe.

Um arrependimento e uma mágoa na carreira do jogador.

— Nós voltamos a nos falar. Não é a mesma coisa como antes. Alguns torcedores entenderam a minha parte, outros entenderam a parte do clube. Fico triste de sair da forma que foi. Tinha uma história bonita lá de ter caído com o time e ficado. É uma forma que me arrependo. Mas são coisas que acontecem no futebol. É uma mágoa que eu tenho ainda.

"Tem muito torcedor do Corinthians que é magoado comigo. Se eu tivesse mais cabeça fria e experiência a gente poderia ter feito algo diferente", lamentou Felipe.

Outro assunto polêmico dos tempos de Corinthians é o gol de pênalti que Felipe sofreu de Léo Moura na derrota para o Flamengo, pelo 37ª rodada do Brasileiro de 2009 conquistado pelos cariocas. No lance, o goleiro ficou no meio do gol e viu a bola morrer no canto. Uma atitude que ele repetiu dois anos depois, desta vez defendendo o Flamengo no 5 x 4 histórico sobre o Santos .

— Nenhum goleiro gosta de sofrer gol. No ano seguinte peguei pênalti do Elano no meio do gol. Com o do Léo Moura foi gol, falam que deixei. Goleiro não gosta de tomar gol. Não era o Léo Moura que batia pênalti. Era Adriano ou Pet, e nenhum dos dois estavam em campo. Aí a imprensa diz que o Corinthians tentou atrapalhar o São Paulo. Mas na mesma rodada o São Paulo tomou quatro. [...] Para tirar o fracasso é mais fácil culpar os outros. É algo que me incomoda porque conheço minha índole. Quem me conhece sabe que eu nunca iria fazer isso — lamentou Felipe.

"Sou flamenguista vendo TV em casa. Quem me pagava era o Corinthians. Todo jogador tem clube. Mas se jogar contra o seu clube eu quero que o outro clube se dane".

Depois de deixar o Corinthians, Felipe foi para o Braga, de Portugal, mas fez apenas 19 jogos até retornar ao futebol brasileiro, desta vez para defender o clube do coração, o Flamengo. O goleiro jogou quatro temporadas no Fla, tendo como conquistas os títulos cariocas de 2011 e 2014, além da Copa do Brasil 2013, taça mais difícil da carreira segundo ele.

— Ninguém dava a gente como favorito. A gente pegou o Cruzeiro, bicampeão brasileiro naquele ano. Nosso melhor jogador era o Elias, um volante. O Hernane estava iluminado. Foi um título especial —lembrou o goleiro.

Em 2011, na segunda temporada pelo clube carioca, Felipe lembra que a chegada de Ronaldinho Gaúcho mudou o cenário na Gávea. O goleiro, porém, acredita que o clube não estava preparado para receber uma estrela daquele tamanho.

Goleiro Felipe, ex-Flamengo e Corinthians — Foto: Ivan Raupp

— Foi uma pena ele estar no Flamengo da forma que o Flamengo estava. Se tem a estrutura que tem hoje, o departamento de marketing de hoje... Ele sempre foi uma pessoa bacana, ajudou todo mundo. Um cara que todo mundo gostava. Não tinha centro de treinamento. Era no Ninho. Eram aqueles containers que depois teve aquela tragédia [do Ninho, marcada por 10 vítimas fatais em 2019]. A gente ficava ali. Não era um campo de qualidade. Hoje com vários campos. Pela história que ele tem, merecia jogar mais no Flamengo.

"As histórias, as resenhas e as festas pós-jogos. O cara que chegou para viver o Rio e quem estava perto dele vivia também", disse Felipe.

Mas a saída do Flamengo também não foi das melhores. Em 2014, o goleiro foi afastado, segundo ele, por causa do técnico Vanderlei Luxemburgo, o mesmo treinador que o levou ao clube carioca, três anos antes.

— Soube que pessoas do Corinthians ligaram para a Patrícia Amorim [então presidente do Flamengo] para tentar vetar a minha ida, mas o Vanderlei bancou. Ele me ligou quando eu estava em Portugal no Braga. E também por eu sair do Flamengo. A briga que teve entre ele e o Ronaldo [Gaúcho], em 2012, era uma coisa explícita. E, anos depois, quando ele voltou, os poucos remanescentes daquele elenco ele foi tirando pouco a pouco. Me tirou, depois o Léo [Moura]. Não sei se ele pensou que a gente fez algo para a saída dele. Mas logo que ele assumiu eu já comecei a treinar separado.

"Mas não tenho nada contra. Foi o melhor treinador com quem trabalhei, o que mais aprendi".

Felipe e Ronaldinho Gaúcho pelo Flamengo — Foto: Wander Roberto

Felipe com a camisa do Vitória, na Fonte Nova — Foto: Arquivo pessoal

Felipe convive com grandes jogadores desde o início na carreira. Formado nas categorias de base do Vitória, onde chegou a morar, ele jogou com craques como Fábio Costa, David Luiz, Hulk, Dudu Cearense, Leandro Domingues, entre tantos outros.

Não por acaso, Felipe participou da época mais vitoriosa das categorias de base do Vitória.

— A gente viajava e ganhava títulos fora. Quando saía do Vitória e dizia que a base sua tinha sido feita lá, os caras diziam: "Pô, esse cara é bom, então". Até 2005 por aí, quantos jogarem bons saíram do Vitória? Na minha época, o Hulk era lateral-esquerdo na nossa base. David Luiz, Leandro Domingues, Leandro Bonfim, Adailton, Dudu Cearense, Nadson, Obina... Era um celeiro de talentos.

No profissional, apesar de ter sido campeão baiano, Felipe não teve grandes momentos e amargou um rebaixamento para a Série C, em 2005, que deixou marcas, principalmente, pelo que aconteceu minutos depois.

— Quando acabou o jogo (empate por 3 a 3 com a Portuguesa que decretou o rebaixamento), o Paulo [Carneiro, presidente do Vitória] estava tão transtornado que, qualquer atleta que passasse por ele por aí, ele iria fazer alguma coisa. E eu dei azar de ser o primeiro a passar. [...] Caso de racismo no futebol e na Bahia, onde tem mais negros no Brasil. E partindo de um presidente que todo mundo conhecia — recorda o goleiro.

"Foi muito pesado, meu pior momento como atleta. Um dos primeiros casos de racismo do futebol, partindo do presidente, que é negro também".

No boletim de ocorrência registrado à época, o goleiro informou que foi acusado por Paulo Carneiro de ter recebido dinheiro para facilitar a partida contra o Portuguesa. Com o episódio, o goleiro rescindiu contrato com o Leão e foi defender o Bragantino.

— Eu ganhei na Justiça a minha liberação. Logo em seguida eu estava no Bragantino e comecei a seguir a minha carreira. Anos depois a gente voltou a se falar, ele voltou para o Vitória, fiz vídeo para a última eleição dele. Mas foi um momento complicado que passei com a minha família — lamenta.

Desde então, Felipe deixou Salvador e não defendeu mais nenhum clube do estado. Um episódio triste logo no início da carreira, mas que o goleiro conseguiu superar e fazer dele uma pequena lembrança entre tantos momentos vitoriosos.

E é na Europa que, atualmente, curte sua nova fase na carreira, sem prazos e sem grandes preocupações. A única certeza é o retorno ao Brasil com boas histórias para contar.

Fonte: Globo Esporte
publicidade
publicidade