Tite, Flamengo e o encontro inevitável

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A esta altura das trajetórias do treinador e do clube, a chegada de Tite ao Flamengo é daqueles encontros que, de tão naturais, chegam a parecer inevitáveis. Como se um precisasse do outro. Ou, dizendo de outra forma, como se o técnico e sua nova equipe fossem claramente as melhores escolhas um para o outro.

Do preparo à experiência de duas Copas do Mundo, o que deu a ele uma convivência de seis anos com alguns dos principais jogadores do planeta, Tite se consolidou como o melhor treinador brasileiro. Em tese, tal status deveria lhe oferecer o direito de escolher onde trabalhar. De certa forma, ele o fez. Mas não da forma planejada.

Tite exibe a camisa do Flamengo dentro da academia do Ninho do Urubu — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

Primeiro, porque esperou por uma oferta que o seduzisse, vinda da Europa ou de uma seleção nacional. Não aconteceu. E depois, porque o futebol brasileiro tem uma peculiaridade. Mesmo após disputarmos 22 mundiais e termos vencido pouco menos de 25% deles, seguimos medindo sucesso e fracasso da seleção nestes torneios a partir da quase infantil separação entre Copas vencidas e perdidas. De pouco vale ponderar os seis anos de um trabalho de alto nível, o caráter indomável dos mata-matas de copas, ou constatar que, em 2018 e 2022, o Brasil caiu em duas quartas de final em que foi dominante. Sendo assim, saiu dos mundiais um Tite rotulado por ter "perdido duas Copas". O que impunha um especial cuidado na escolha do passo seguinte de sua carreira.

No Brasil, não haveria outro clube que lhe entregasse estrutura física, recursos técnicos e econômicos para um trabalho de elite.

Por sua vez, o Flamengo se via contra a parede na substituição de Jorge Sampaoli. As ambições proporcionais à quantidade de dinheiro investida no futebol, somadas a um projeto esportivo com pouco norte, resultaram na percepção de que nenhum nome do mercado brasileiro estava à altura do rubro-negro. Ao mesmo tempo, as mais recentes opções estrangeiras sucumbiram entre erros dos treinadores e o contexto de um clube que parecia fazer cada treinador parecer pior do que, de fato, era.

À peculiar conjuntura rubro-negra vale acrescentar o status de um elenco cuja espinha dorsal tem conquistas no clube, e parte dela tem experiência em ligas de elite. Não parece um vestiário fácil de convencer, não pelo sentido da insurreição, mas pela necessidade de enxergar no comando um certo nível de preparo.

Ao menos na teoria, o Flamengo encontra em Tite um raro que satisfaz tais condições. Descontada a forma insana como o país julga personagens após Copas do Mundo não ganhas, quem de fato milita no futebol reconhece no treinador um nível de respeitabilidade, uma soma de experiências e bons trabalhos que o credenciam. O drama rubro-negro é que nada disso oferece garantias.

Primeiro, porque o clube tem um dever de casa a fazer. Não basta oferecer altos salários e contratações caras a um treinador. É preciso estabilidade e menos interferências na relação entre Gávea e Ninho do Urubu. Depois, será preciso compreender que nada estará fora da normalidade caso o campo não exiba resultados práticos do trabalho de Tite no que resta de 2023. Será preciso moldar expectativas e respeitar processos. E, ainda assim, o futebol jamais garante que a bola entre.

Por fim, restará a expectativa sobre que Tite chega ao Flamengo, com que ideias tentará transformar um elenco tão elogiado num time vencedor. Tomando por base a seleção brasileira que comandou, houve uma aparente guinada em novembro de 2017: de um time seguro e muito organizado, mas com um bom nível de mobilidade ofensiva, Tite partiu para um jogo mais posicional na Rússia e no ciclo até o Catar. No último Mundial, talvez tenha flertado com um nível um tanto maior de rigidez.

Há uma corrente respeitável a defender que tal modelo não é adaptável a este Flamengo. Há bons argumentos, escorados nos insucessos de Paulo Sousa, Vítor Periera, Domènec e Sampaoli. No entanto, é difícil crer que, na era do jogo globalizado, em que aspectos posicionais são tão difundidos no trabalho de treinadores mundo afora, que um elenco do porte do grupo rubro-negro não possa funcionar em um sistema ou outro. Parece mais factível acreditar que uma complexa mistura entre o confuso contexto de clube, alguns choques culturais e trabalhos não tão bons, fizeram os antecessores sucumbirem.

Talvez a chave para que Tite seja bem-sucedido ou não em sua passagem pelo Flamengo não esteja apenas no modelo, no sistema. Mas na capacidade de convencer, de liderar um elenco que tem a oferecer muito mais do que se viu neste 2023.

Fonte: Globo Esporte