Depois de um mês nos Estados Unidos competindo em alto nível físico, tático e mental na inédita Copa do Mundo de Clubes — com direito a vitórias históricas, campanhas de respeito e um time brasileiro como único não europeu nas semifinais —, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Palmeiras experimentam a volta à realidade do futebol brasileiro. O alvinegro e o rubro-negro já entram em campo hoje, contra Vasco e São Paulo, respectivamente, enquanto tricolor e alviverde jogam durante a semana.
Enquanto os demais concorrentes no Brasileirão passaram o período descansando e treinando, o quarteto do Mundial terá o desafio de manter o ritmo elevado, apesar do diferente nível de estímulo e motivação.
Segundo o psicólogo do esporte João Ricardo Cozac, o nível de empenho e concentração dos jogadores em uma competição desse tamanho gera uma carga emocional intensa, que pode incluir desde o desgaste psíquico pela pressão constante até dificuldades de reconexão com o ambiente competitivo doméstico.
— É comum observar alterações no foco atencional, queda momentânea de concentração, variações de humor e até sintomas de desconexão com os objetivos do clube. Também há uma possível dificuldade em retomar a rotina e a mentalidade competitiva local, já que o cérebro do atleta esteve, por semanas, condicionado a metas e estímulos muito específicos, de um cenário grandioso e internacional — aponta Cozac.
Além da mudança de contexto — cultural, tático, midiático e emocional — afetar a adaptação mental, Cozac explica que o atleta tende a ficar desmotivado após uma espécie de “ressaca emocional” que acompanha o fim de grandes eventos. Depois de passar pelo pico da ativação psicológica, ele pode ter uma queda abrupta no nível de estímulo, principalmente quando o retorno envolve contextos de menor exposição ou com menor nível de desafio percebido.
Quem também considera a mobilização como um dos principais desafios na volta ao cenário nacional é o preparador físico Caio Gilli, que atuou recentemente por clubes como Vitória e Água Santa.
— Imagine, após todo o desgaste no Mundial, enfrentar um Sport, na Ilha do Retiro, às 16h, em Recife, com o campo pesado e calor. É difícil o jogador lidar com isso. Você entrega menos fisicamente e competitivamente. Essa desmobilização é associada a uma queda geral, porque a maioria dos atletas aguenta correr nesse nível, mas o querer fazer, já extenuado no fim da partida, é o que eu acho que vai pesar — ressalta o preparador.
Por outro lado, o desempenho de sucesso no Mundial pode aumentar a confiança do jogador e da equipe. O psicólogo destaca que o tratamento profissional desse “catalisador” na volta ao futebol brasileiro pode, justamente, transformar um “possível esgotamento em uma mola propulsora de desenvolvimento pessoal e esportivo”.
Apesar de existir esse efeito contrário após as equipes se testarem em alto nível, Gilli acredita que a volta deve ser meticulosamente pensada para mitigar o impacto da maratona de jogos até o fim do ano.
— Pouco mais de uma semana não é suficiente para os times se recuperarem. Vai ser preciso algum cuidado individualizado. O Thiago Silva, por exemplo, já tem 40 anos. Ele se preparou para jogar todo o torneio, mas agora vai ser usado em todas as partidas no restante da temporada? Não. Vai ser de acordo com a importância de cada jogo — diz o preparador.
Individual acima do tático
Diferentemente dos lados mental e físico, o tático não deve ter tanta influência no pós-Mundial para os times brasileiros para Rodrigo Coutinho, analista de desempenho e comentarista do Grupo Globo. Para ele, as equipes desenvolveram mais a confiança individual dos jogadores do que propriamente uma vantagem tática.
— Taticamente falando, tirando o funcionamento defensivo do Botafogo contra o PSG, que não é tão usual no Brasil, e a marcação com três zagueiros do Fluminense — o que não é muita novidade, porque o Renato (Gaúcho) já tinha feito isso outras vezes (em outros times), o ganho é muito mais de percepção do jogador sobre seu potencial técnico, o que, claro, pode ter um efeito muito positivo no restante da temporada — analisa Coutinho.