Uma pista forrada de arroz branco, seco, fazendo com que nosso ônibus deslisasse a cada curva da subida da Interoceânica Sur, estrada que leva a Cusco. Obviamente que não foi real. Foi coisa da minha cabeça. Eram alucinações. Culpa da altitude que passou de 4.700 m acima do mar e da combinação sono e náuseas.
Saímos de Quince Mil perto das 20h locais para encarar o trecho mais pesado da subida. Seguindo a recomendação dos peruanos, tomei o chá de muña. Ele ameniza os efeitos da altitude, mas causa muito sono. Quando estava iniciando esse texto, apaguei sem perceber.
A primeira hora foi agradável. Dormi bem. Depois, não. Senti como se minha barriga estivesse sendo inflada com ar — e os peruanos confirmaram que isso ocorre; mesmo efeito com garrafas d’água ou pacotes de salgadinhos, por exemplo.
Também senti dor de estômago e muito enjoo. Mas, como estava com um sono incontrolável, acabava apagando à força. E aí vieram as alucinações.
Uma delas foi a tal pista de arroz. Outras foram com uma viagem que nunca tinha fim. Cada vez que chegávamos ao destino, avisavam que teríamos de prosseguir para outro ponto. Sempre de ônibus. Sempre com a mesma turma. Em outro, a subida da cordilheira era interminável. Levava um ano para acabar.
Por volta das 22h, o ônibus parou e fomos convidados pela equipe que nos conduz até Lima a ver o trecho que está a exatos 4.725 m acima do nível do mar, na cidade de Abra Pirhuayani. Ao descer do ônibus, senti tontura. Tanto que o frio nem me incomodou (estava em torno de 5 graus celsius). Um dos funcionários até apontou trechos em que era possível avistar neve, apesar de escuro. Confesso que mal vi.
Gravei os vídeos para a matéria da ESPN e entrei novamente no ônibus. Antes, o repórter Diego Salgado, que trabalha para o Uol e também está na viagem, pediu para que eu tirasse uma foto dele diante da placa indicando a altitude local. Fiz e pedi o mesmo.
Depois, ao voltar ao ônibus, apaguei e tive novas alucinações.
Foi assim até às 3h da madrugada. Paramos para abastecer no centro de Cusco. Desci e pedi ao Pedrito algumas folhas de coca para mascar. Foi o que salvou o resto da noite...
Belas vistas e mística
Antes de iniciarmos o trecho mais difícil, que foi percorrido durante a noite, sob chuva e sem chance de ver a paisagem.
Antes da parada no povoado de Quince Mil —que, segundo um morador local, tem esse nome porque todos os dias chove aproximadamente 15 mil litros de água!— foi possível apreciar a bela passagem que a estrada recorta, que super recente.
Foi concluída pela Odebrecht em 2011. A estrada é boa, sem buracos, mas não tem acostamento, nem faixas duplicadas. Corta alguns pequenos povoados, que segundo Susi Miranda, funcionária da Ormeño, ficaram incomodados e sentiram-se invadidos. Eles são reclusos.
Sobre isso, Susi contou uma lenda local interessante. Segundo ela, após a inauguração, ocorreram muitas mortes por acidentes naturais (desmoronamentos) ou humanos (falta de prudência que levaram a colisões fatais, por exemplo).
Os locais diziam que isso ocorria porque ao construir a estrada os responsáveis da Odebrecht não pediram autorização para Pachamama, a Mãe Terra, fazendo uma oferenda para ela. E as montanhas estavam expulsando os invasores.
Somente após os responsáveis cederem e fazerem uma oferenda para Pachamama é que os desastres diminuíram.
“O que se oferece? Folhas de Coca, milho, cachaça, cigarros. E a montanha absorve tudo isso em sinal de aprovação”, disse Susi.