Da marca da cal até a linha do gol são 11 metros. Uma distância que pode ser transformada em felicidade ou sofrimento. Em parceria com o Espião Estatístico e uma junta de professores da Unicamp, USP e UEL, o Esporte Espetacular foi em busca dos melhores batedores de pênaltis do futebol brasileiro. Em um recorte desde 2019, achamos Fábio Santos (Corinthians), Edenílson (Internacional) e Raphael Veiga (Palmeiras) como os donos dos pés mais calibrados da elite do futebol brasileiro, com 100% de aproveitamento em suas cobranças.
- Todos eles possuem suas próprias estratégias, completamente distintas entre si. E todos eles consegue obter sucesso na cobrança de pênaltis - resumiu o professor doutor Felipe Arruda Moura, professor de Biomecânica da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
- O Fábio Santos tem as cobranças no alto. O Edenílson praticamente não olha para o goleiro: as cobranças dele são em velocidades menores, mas as bolas são todas no alto, nos dois ângulos. No caso do Raphael Veiga, ele cobra os pênaltis do meio para o lado esquerdo do goleiro. Do ponto de vista da qualidade e da eficácia, o Edenílson é o que está à frente da lista - detalhou o professor doutor Sergio Augusto Cunha, professor da Faculdade de Ciências dos Esportes da Unicamp - Campinas.
O Espião Estatístico analisou todos os cobradores da elite do futebol brasileiro das últimas três temporadas com pelo menos 10 cobranças de pênalti. Além do trio com 100% de aproveitamento, o atacante Gabigol, com 4º melhor aproveitamento, também foi estudado pela junta de professores. Veja o ranking de batedores de com melhor desempenho desde 2019:
Melhores batedores de pênalti desde 2019 na elite do futebol brasileiro
Jogador | Times onde bateram os pênaltis | Cobranças | Pênaltis perdidos | Gols | Aproveitamento |
Fábio Santos | Atlético-MG e Corinthians | 17 | 0 | 17 | 100,0 |
Edenílson | Internacional | 14 | 0 | 14 | 100,0 |
Raphael Veiga | Palmeiras | 11 | 0 | 11 | 100,0 |
Gabriel | Flamengo | 23 | 1 | 22 | 95,7 |
Juninho Valoura | América-MG, Ceará e Fortaleza | 13 | 1 | 12 | 92,3 |
Reinaldo | São Paulo | 12 | 1 | 11 | 91,7 |
Gustavo Scarpa | Palmeiras | 10 | 1 | 9 | 90,0 |
Diego Souza | Botafogo e Grêmio | 15 | 2 | 13 | 86,7 |
Nenê | Fluminense e São Paulo | 14 | 2 | 12 | 85,7 |
Thiago Galhardo | Ceará e Internacional | 18 | 3 | 15 | 83,3 |
Gilberto | Bahia | 22 | 4 | 18 | 81,8 |
Wellington Paulista | Fortaleza | 14 | 3 | 11 | 78,6 |
Carlos Sánchez | Santos | 10 | 3 | 7 | 70,0 |
Vina | Atlético-MG e Ceará | 13 | 4 | 9 | 69,2 |
Yago Pikachu | Fortaleza e Vasco | 12 | 4 | 8 | 66,7 |
Luciano | Fluminense, Grêmio e São Paulo | 12 | 5 | 7 | 58,3 |
Os estudos feitos pelos dois professores e mais o professor doutor Paulo Santiago, da USP Ribeirão Preto encontraram números bem distintos entre os cobradores. Analisamos o top 4 formado por Fábio Santos (Corinthians), Edenílson (Internacional), Raphael Veiga (Palmeiras) - todos com 100% de aproveitamento - e Gabriel Barbosa (Flamengo) - com 95,7% de chutes certos na marca da cal - nos quesitos "local e velocidade do chute", "ângulo de aproximação da bola" e "distância e velocidade da corrida".
Na questão ângulo de aproximação, Edenílson é quem tem uma corrida mais reta em direção à bola, com 17,4 graus. Fábio Santos e Raphael Veiga correm em um arco de 33,5 graus, enquanto Gabriel Barbosa faz essa aproximação com 25,6 graus.
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Estudo sobre angulação no momento da cobrança de pênalti de Edenílson, Fábio Santos, Gabigol e Veiga — Foto: Reprodução
- A corrida em linha reta dificulta a batida. O Edenílson é destro e para ele bater no canto esquerdo do goleiro, implica em uma rotação bem grande de quadril - explicou o professor Felipe.
Quando o assunto é distância e velocidade de aproximação do chute, Edenílson também continua chamando atenção, com uma distância média de 1,8m e uma velocidade máxima de 6,2km/h. Raphael Veiga se distancia 4,7 metros e chega a 6,8 km/h. Fábio Santos vai aos 6 metros e atinge velocidade de 9,1 km/h. Enquanto Gabigol se distancia por 9 metros e chega a 8 km/h.
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Estudo sobre distância e velocidade da cobrança de pênalti de Edenílson, Fábio Santos, Gabigol e Veiga — Foto: Reprodução
- O que acontece com o Gabigol é que muitas vezes antes de tocar na bola, ele está observando o goleiro, para ver a antecipação do adversário. Por isso ele não precisa de tanta velocidade. Ele tem um pênalti dito mais seguro - lembra professor Sérgio.
Desde que chegou ao Flamengo em 2019, Gabigol bateu 23 cobranças (21 no tempo normal e 2 em disputas alternadas): são 22 gols e 1 bola no travessão, com 95,7% de aproveitamento. O dado que chama atenção é que o atacante deslocou o goleiro em incríveis 20 cobranças.
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Gabigol, do Flamengo, converte pênalti contra o Fluminense pela final do Carioca 2021 — Foto: André Durão
Escutamos dois craques nas batidas de penalidades. Djalminha e Henrique Dourado são famosos por suas cobranças perfeitas. O ex-jogador do Palmeiras e La Coruña ficou marcou por uma cavadinha, enquanto Dourado tem um jeito todo característico na hora da cobrança.
- A cavadinha era o único pênalti que eu já ia determinado no que eu ia fazer, porque eu batia de uma maneira diferente. Eu aumentava a velocidade da minha corrida pra transparecer pro goleiro que eu ia bater forte, entendeu? Porque ai ele iria pular e aí eu cavava - lembra Djalminha.
- Vou dizer que eu tenho meu ritual né? Após o apito do árbitro eu sempre espero uns 5 a 10 segundos ali até o meu corpo acalmar mesmo. Respiro bem fundo, como a maioria de vocês já sabe. Respiro bem fundo e lembro do treinamento no dia a dia também. Treinar bastante a passada, porque já que você não olha pro goleiro, você tem que ter o timing certo da passada - disse Dourado.
Fomos em busca das explicações dos nossos craques. Escutamos os quatro batedores do top 4 do futebol brasileiro. Nenhum deles quis dar dicas para os adversários, mas cada um deles falou um pouco das suas manias.
- Vou ficar falando as minhas táticas? Não vou ficar falando muito, não. Os goleiros devem estar bolados comigo aí. Devem estar treinando todo dia pra pegar meus pênaltis. Não vou falar nada, não. Segue o baile, vamos pra próxima pergunta. Eu corro e chuto, só isso - desconversou Gabigol, atacante do Flamengo.
- Não tem muito segredo: o segredo é o trabalho. A gente saber que a cobrança de pênalti está mais na cabeça que no treinamento. Você tem que manter a concentração, a tranquilidade. Manter a calma e fazer uma boa execução - falou Fábio Santos, lateral esquerdo do Corinthians.
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Fábio Santos marca gol de pênalti com a camisa do Corinthians — Foto: Marcos Ribolli
- Acho que essa questão de contar os passos não é nem só por contar os passos ou superstição... Acho que é mais pra você enquadrar melhor o corpo na hora de chutar. Eu acho engraçado porque quando eu vou bater, eu sempre procuro colocar o bico da bola pra frente. Não sei porque... Acho que desde pequeno eu fiz isso e não é superstição também, mas eu faço. Acabo contando os passos e ali eu respiro, mentalizo - detalhou Raphael Veiga, meia do Palmeiras.
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Raphael Veiga tem aproveitamento perfeito na marca da cal pelo Palmeiras — Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras
- No começo da minha carreira eu perdi dois no mesmo jogo, em uma decisão em 2010: no primeiro eu perdi, mas o goleiro tinha se adiantado. O juiz mandou voltar, eu mudei o canto e o goleiro pegou. Aí eu fiquei com aquilo na minha cabeça: "Pô, não sei bater pênalti". Depois dali, eu sempre treinei. Me motiva saber que meu pênalti foi considerado o mais perfeito, mas eu acho que sempre podemos melhorar um pouco mais - comentou Edenílson, volante do Internacional.
Aqueles onze metros da marca do cal até a linha do gol são uma guerra psicológica entre o batedor e o goleiro. Muitos ficaram marcados pelos pênaltis perfeitos, outros pelos chutes perdidos, mas uma simples coisa é a que define um chute ser perfeito o não.
- Pênalti perfeito pra mim é aquele que entra - sentenciaram Henrique Dourado, Raphael Veiga e Djalminha.
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Acertou a batida? Aí é só correr para o abraço, igual ao Edenílson. — Foto: Ricardo Duarte / Internacional