Os primeiros confrontos entre brasileiros e europeus na Copa de Clubes levantaram um sem número de indagações. Uma delas é o peso real do calendário — e do momento da temporada — no futebol jogado no torneio nos Estados Unidos. Sob a ótica nacional, as vitórias e os empates sugeriram uma distância menor que a imaginada entre os dois continentes; do lado estrangeiro, o cansaço e o clima foram apontados como preponderantes para os resultados. Flamengo e Fluminense poderão tirar a prova dos nove diante de Bayern de Munique-ALE e Inter de Milão-ITA, respectivamente, neste domingo e segunda-feira.
Mas o que vale, afinal? No mais alto nível de um esporte multifatorial, uma única resposta seria simplista demais para um cenário tão complexo, em que fatores mentais, ambientais e estruturais desempenham papéis relevantes. É fato que o organismo sofre perdas ao longo do ano. Os atletas profissionais são monitorados desde o primeiro dia da volta das férias até a última partida da temporada. O cortisol, conhecido como hormônio do estresse, pode até triplicar entre um momento e outro, por exemplo.
— Ele se acumula com jogos e viagens seguidas. Em excesso, promove destruição de tecidos, perda de massa muscular, aumento de gordura, prejuízo no sono... Também impacta o sistema imunológico. O corpo entra em desequilíbrio. Ele acelera a morte celular, sem tempo para reconstrução. Por isso, quando poupamos atletas, é por sinais claros de que, se jogarem, vão ter algum problema, alguma lesão — explica Altamiro Bottino, hoje coordenador científico do Cuiabá e com passagens pelo Botafogo.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/H/1/VnNd2YRqWNk8CFQkfnCA/whatsapp-image-2025-06-28-at-13.49.34.jpeg)
Concentração nos grandes jogos
Ao contrário do que acontece em outros esportes, no futebol não é possível trabalhar um jogador ou todo o grupo para chegar ao ápice num jogo ou torneio específico. Enquanto atletas das demais modalidades treinam em busca da excelência em termos de performance, os futebolistas buscam atingir o “ótimo” ao longo da temporada, que conta com várias partidas decisivas e finais pelo caminho. As evoluções na preparação física e no controle de carga, seja nos gigantes da Europa ou nos grandes clubes brasileiros, são fatores fundamentais para evitar quedas acentuadas no desempenho.
— Existe diferença entre o meio e o fim da temporada, sobretudo mental. Principalmente no Brasil, onde você tem muita exigência nos jogos decisivos, quando a cobrança e a competitividade aumentam. Passar por isso e, depois, ter outra competição dificulta — reflete Diego Ribas, ex-capitão do Flamengo. — Mas isso não te limita se você estiver preparado. Jogamos assim contra o Liverpool (em 2019), estávamos preparados.
É exatamente a opinião de profissionais dos times brasileiros ouvidos pela reportagem. Não há queda física generalizada entre os jogadores europeus, mas desgaste mental. Para os atletas brasileiros, competições como o Mundial de Clubes representam grandes oportunidades. Por isso, a entrega emocional é maior.
— Concentração. Foco. Muitas vezes, isso acontece no Brasil em clássicos. O jogador relaxa quando acha que o jogo não é tão difícil. A concentração é outra num jogo contra um europeu — admite Renato Gaúcho, técnico do Fluminense.
Peso das viagens
Outros fatores equilibram a balança entre o cansaço europeu e o possível vigor brasileiro de meio de temporada. No recorte de 2025, por exemplo, o Chelsea fez 28 jogos antes de viajar para o Mundial, média de uma partida a cada cinco dias. Por outro lado, o Flamengo foi a campo 35 vezes (um jogo a cada quatro dias). Mais do que o tempo nas quatro linhas, os deslocamentos, sobretudo aéreos, têm peso importante no desgaste dos atletas. Os ingleses percorreram, este ano, 9,9 mil quilômetros; já os rubro-negros, 38 mil quilômetros. Na comparação entre PSG e Botafogo, que têm número de jogos semelhantes, o alvinegro percorreu quase o dobro da distância: 18 mil a 33 mil quilômetros.
— Além disso, na Europa, o clima é mais uniforme. No Brasil, um time joga em Porto Alegre e depois sobe para o Norte, o Nordeste. São horas em aeroportos, voos cancelados, mudanças climáticas extremas... Isso exige muito mais do corpo do atleta — completa Bottino.
E também torna os jogadores brasileiros mais resilientes. O calor e a umidade elevadas dos EUA impactam mais os europeus, que não estão acostumados a esses níveis de estresse térmico. Até a qualidade dos gramados e o ritmo mais lento dos campos menos irrigados exigem certa adaptação.
Apesar das reclamações das ligas europeias de mais um torneio, a Fifa argumenta que o alto número de jogos não é causado pela Copa de Clubes, cuja próxima edição está prevista para 2029 (embora não conste no calendário internacional da entidade para o período).
Em nota, a Fifa argumenta que “são, no máximo, sete jogos a cada quatro anos para dois clubes no mundo todo” e que “nada foi adicionado ao calendário”, já que “o torneio substitui o espaço anteriormente ocupado pela Copa das Confederações”.
A entidade destaca ainda que tem promovido iniciativas, pensadas em conjunto com órgãos como o FIFPro (sindicato global dos jogadores), para o bem-estar dos atletas, como o Fundo da Fifa para Jogadores de Futebol; substituições adicionais em competições de alto nível; substituições permanentes por concussão; maior proteção para jogadoras; e alterações relacionadas ao calendário internacional.
Inscreva-se na Newsletter: Que Jogo É Esse