Os cantos e o longo aplauso que, logo ao apito final, vieram do lado esquerdo da tribuna do Estádio Khalifa — mesmo lado em que a torcida do Flamengo se senta no Maracanã —, são o sintoma de quem entendeu exatamente o que se passara no campo.
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Quando o placar de 1 a 0 para o Liverpool parece dizer o oposto, vale a pena lembrar em que circunstâncias competem brasileiros e europeus no futebol de hoje. Entendê-las ajuda a ter a dimensão do quão grande foi o Flamengo em Doha.
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É inspirador também para o futebol brasileiro. De um lado, uma equipe quase toda de jogadores nacionais que não é a seleção brasileira; de outro, uma reunião de talentos de diversas seleções. No jogo, fartos momentos em que o time brasileiro foi melhor. Quando bem ordenados, dotados de ideias e, claro, com o investimento que o Flamengo foi capaz de fazer, o Brasil produz grandes times, sim. A ponto de o jogo não traduzir o abismo financeira que ainda há. São € 514 milhões de faturamento para o Liverpool em sua última temporada completa, contra os € 111 milhões do Flamengo no ano de 2018, que gerou o plano para 2019.
Pergunta sem resposta
É possível argumentar que outros brasileiros já venceram o Mundial. Mas nem todos os europeus derrotados viviam momentos tão avassaladores em seus torneios nacionais e continentais, vistos como quase imbatíveis, perto do auge da forma. E nenhum dos representantes sul-americanos jamais conduziu tanto tempo uma final de Mundial de maneira tão descomplexada, corajosa. Ainda que tenha vivido no limite.
O Liverpool pareceu menos intenso do que o habitual, menos Liverpool do que o habitual. Foi isso, ou o Flamengo o diminuiu? Esta pergunta ficará sem resposta, porque ninguém jamais conseguirá provar.
O Flamengo controlou o jogo por quase todos os 90 minutos, salvo no início dos dois tempos. Claramente havia um plano em que a bola era aliada: com ela, freava o ritmo e raramente permitia transições dos rivais.
Com Mané, Salah e Firmino, os ingleses pressionavam a saída rubro-negra com os dois zagueiros mais um Willian Arão irretocável. Sabendo disso, e sabendo ainda que os laterais adversários buscavam os laterais do Flamengo, Jorge Jesus pôs Éverton Ribeiro e Arrascaeta buscando o espaço às costas da pressão do Liverpool, a alguns metros da linha lateral. Eles davam opções de passe, acionavam Bruno Henrique na frente e geravam um jogo.
O temor do contra-ataque, porém, fazia o Flamengo ser menos incisivo. As cinco primeiras claras chances foram inglesas, mas com um detalhe: o time de Jürgen Klopp criou quase sempre com bolas longas às costas da defesa adiantada — algo de que Jesus não abriu mão para não comprometer a compactação. Era um risco calculado. E em parte do segundo tempo, Gabigol teve duas finalizações perigosas, e o Flamengo passou a incomodar.
Até que os 74 jogos no ano —19 a mais do que os ingleses — e o esforço para ser competitivo cobraram um preço. O Flamengo perdeu pernas e controle após as mexidas de Jesus.
Com Diego e Vitinho nas vagas de Éverton Ribeiro e Arrascaeta, a ideia fazia sentido: queria manter velocidade e controle, mas perdeu o segundo por um momento. E o Liverpool terminou os 90 minutos com mais domínio do campo.
A prorrogação virou prova de resistência. Mas o Flamengo nunca deixou de se expressar, tanto que tomou um gol num contragolpe, ao qual seria suscetível. Solto após uma perda de bola, Henderson achou Mané, que encontrou Firmino.
Tão bom foi o Flamengo que nunca o jogo pareceu resolvido. Vitinho fazia jogadas pelos lados e, numa delas, Lincoln teve a bola do empate. É frustrante chegar tão perto do topo e é natural que o primeiro sentimento rubro-negro, ao apito final, seja de tristeza. Mas é justo transformá-la em orgulho. E encontrar motivos para acreditar em mais conquistas em 2020.