Há exatos 15 dias, o Flamengo perdeu Jorge Jesus oficialmente e começou uma “corrida” para contratar um novo treinador. O próprio presidente do clube, Rodolfo Landim, admite que não estava preparado para a saída. Mas isso não mudou todo o cuidado que o clube teve na hora de eleger o substituto. Em conversa exclusiva com o repórter Pedro Torre, o mandatário rubro-negro explicou todos os passos dados até a escolha de Domènec Torrent, anunciado oficialmente nesta sexta-feira.

Veja a entrevista completa

Perda de Jesus e pré-lista de nomes

Vamos deixar bem claro: (a saída do Jesus) não era uma coisa que a gente esperava, tá? Apesar de todas as informações, a gente vinha conversando com ele e não havia sinalização nenhuma dele (de que sairia). Por isso a gente não vinha se programando para trocar de técnico.

Mas tudo bem! No momento que aconteceu, a gente chamou o departamento de scout. Obviamente a gente tem uma avaliação contínua de todas as posições e isso também funciona para os técnicos. A gente tinha uma lista. A coisa mais importante que a gente queria era manter o mesmo tipo de padrão de jogo do Flamengo. Isso era a principal condição. E aí passamos por uma avaliação, conduzida pelo departamento de scout com a supervisão de todo o comitê de futebol.

Em cima disso, houve uma seleção de alguns nomes, uma priorização desses nomes e aí a gente foi a campo conversar com essas pessoas, procurar entender o eventual interesse que elas também tivessem de treinar o Flamengo. Alguns contatos preliminares foram feitos ainda por vídeo, mas era importante um contato mais próximo, olho no olho. Designamos o Marcos Braz e o Bruno Spindel para isso. E a gente ficou muito feliz que conseguimos selecionar um técnico dentro daquela pequena lista que a gente tinha estabelecido.

Por que um estrangeiro de novo?

Falando francamente: a gente enxerga um técnico como um profissional do futebol.Procuramos identificar a forma de jogar. E a gente entendeu que entre as opções que existiam, as melhores estavam lá fora. Não significa que a gente tinha eliminado a possibilidade de ter um técnico brasileiro só por ser brasileiro e porque o Flamengo queria uma grife internacional. De forma nenhuma! Foi pura e simplesmente por avaliar trabalho de outros técnicos que tinham mais ou menos a mesma proposta de jogo que o Flamengo estava procurando. Infelizmente a gente não encontrou isso aqui no Brasil. Até o fato de ser brasileiro poderia ser algo positivo. Porque uma das preocupações que a gente teve o tempo todo foi com a comunicação. Precisava esse técnico falasse o português ou espanhol, fosse uma língua que pudesse ser entendida.

O Dome fala espanhol e já fala um portunhol bastante português. Já conviveu com vários jogadores brasileiros. Comecei a conversar com ele, eu falando em espanhol e ele em português! Ele fala quase que fluente. Essa era uma preocupação, de fato. Até para ser um técnico que pudesse se comunicar facilmente com os jogadores. Ele mesmo já falou que independente de saber falar mais ou menos, tem como padrão estudar a língua profundamente. Uma das coisas que ele vai querer fazer aqui é estudar o português. O que acho que é uma preocupação interessante, né? Que envolve inclusive a adaptação cultural ao local em que ele vai trabalhar.

A conversa com Domènec Torrent

A gente pôde notar um grande conhecimento dele (Domenèc) do que tinha acontecido aqui no Brasil e na América do Sul, em termos de futebol, nesse último ano. Então ele tem realmente um conhecimento bastante grande da participação do Flamengo no futebol sul-americano. Acho que ele estava muito empolgado com a eventual entrada nessa equipe do Flamengo, ele se demonstrou muito feliz.

A gente teve uma conversa por videoconferência, deixando muito clara as expectativas que a gente tinha e dos desafios que teremos pela frente. Vamos ter uma carga de trabalho muito grande, jogando quarta e domingo até o final de fevereiro. Inclusive falei para ele. Ele me disse que iria morar em uma cidade maravilhosa e eu disse: ‘Dome, você não vai ter chance nenhuma de ir à praia. Vai sair da sua casa para o CT para treinar, apesar da Cidade Maravilhosa, você terá que trabalhar muito, vai ser um ano enorme de trabalho!’. Ele está convicto disso. E foi interessante. Ele disse: ‘Já sei que o lema de vocês é ganar, ganar, ganar. Vencer, vencer, vencer’. E eu falei que era exatamente isso que a gente estava pretendendo, por isso que a gente vem tentando qualificar o plantel. Esse é o objetivo, a gente vai querer disputar todas as competições que vai ter pela frente.

Eu fiquei muito bem impressionado. Não com o conhecimento técnico dele porque isso a gente já tinha estudado profundamente, mas pela disposição dele de abraçar esse novo desafio de vir para o Brasil, buscar um outro local de trabalho, completamente diferente de lugares por quais ele já passou. Ele mostrou muita vontade de abraçar esse desafio. E isso é muito importante para nós. É o primeiro grande aspecto de algo que vai dar certo, quando as pessoas estão de fatos dispostas e comprometidas com esse desafio.

O estilo de jogo

A gente procurou analisar o padrão de jogo que ele vinha implantando onde ele estava trabalhando. E na verdade a experiência que ele já vinha tendo com o Guardiola e tudo isso. Obviamente uma série de informações foram obtidas com o próprio Rafinha e depois com o Bruno e o Marcos, ele ajudava o Guardiola a dar os treinamentos. A forma de pensar o futebol.

É claro que cada treinador tem sua especificidade e tudo isso. Mas a forma de propor o jogo, de encurtar espaço, jogar com posse de bola, muito intensamente, trabalhar para recuperar quando o adversário pega a bola... Todos esses princípios que a gente tinha no Jesus estavam dentro da proposta de jogo de todos os treinadores pré-selecionados. Agora existem algumas especificidades que o próprio departamento técnico identificou. Claro que cada técnico vai colocar seu tempero, digamos assim. Mas o padrão de jogo é algo que ele vai certamente continuar implantando dentro do clube. E isso não nos preocupa. Cada técnico tem seus aspectos específicos e ele vem aí mais do que qualificado para treinar nossa equipe. Continuamos tendo um grande técnico. Deixamos de ter um grande técnico, mas continuamos com um grande técnico.

Domènec vai ter reforços?

Ele ainda não teve todo o tempo do mundo para analisar o grupo, mas ele vem analisando o grupo.

Em relação a esse aspecto do reforço, continuo na mesma posição que eu tive quando fiz aquela entrevista. Acho que para esse ano, diante de toda essa situação que a gente passou, a gente conversou com os jogadores, eles inclusive ajudaram o Flamengo. Durante dois meses a gente passou por uma redução salarial. Então isso não tem muito sentido para mim. O Flamengo estar, por um lado, buscando uma ajuda de seus jogadores e funcionários e aí você pega esse recurso e faz investimento. Pra mim não tem sentido, não tem lógica isso.

Então, pelo contrário, o que a gente tinha dúvidas é se a gente não ia precisar eventualmente até vender algum jogador para manter. Graças a Deus, em cima dos outros orçamentos, a gente consegue manter nosso plantel principal, isso não é problema. A gente conseguiu equacionar nossa situação econômica e financeira até o final do ano em cima dessa avaliação orçamentária que a gente fez. Mas ela não passa por contratações adicionais e é com esse elenco que está aí que a gente espera conquistar mais campeonatos. Volto a te dizer, a gente está bem feliz com o nosso plantel. A gente acha que conseguiu, do ano passado para esse ano, até melhorá-lo, na nossa percepção.

A multa rescisória

O que eu posso dizer para a torcida do Flamengo é que eu tenho certeza que isso não ocorrerá. Esse ano e meio que a gente está firmando de contrato com ele, a multa é muito, mas muito maior do que a multa que foi estabelecida no contrato com o Jesus.

O torcedor do Flamengo pode ficar tranquilo que se for por problema econômico, dificilmente o Domènec vai tomar a decisão de sair. A multa nesse contrato é muito, muito, muito grande. Acho difícil que qualquer clube do mundo pague essa multa para tirar ele do Flamengo antes de um ano e meio.

A gente tem que reconhecer que ele é um grande técnico e sempre pode aparecer alguém, algum clube para poder pagar essa multa, mas posso lhe garantir que é uma multa na ordem de grandeza o que seria mais de um ano de salário do técnico mais bem pago do mundo. Então não é uma preocupação que a torcida deve ter, na minha percepção.