Flamengo: especialistas alertam para riscos no retorno precoce de recuperados da Covid-19

Se, há uma semana, o Flamengo acumulava baixas por Covid-19 e tentava adiar seu compromisso pelo Brasileiro, hoje a realidade é outra. Contra o Athletico, às 16h deste domingo, no Maracanã, alguns dos que estavam infectados devem ser, inclusive, titulares. Caso dos laterais Filipe Luís e Isla e do atacante Bruno Henrique — os dois últimos, por sinal, já vão para sua segunda partida seguida. A baixa é o auxiliar Jordi Guerrero, que testou positivo no sábado. Quem deve dirigir o Fla é Jordi Gris, outro assistente, já que Domènec Torrent segue fora, também por causa do vírus.

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A velocidade com que o futebol recoloca recém-recuperados em campo chama a atenção da comunidade médica. Mas não necessariamente de forma positiva. Os atletas foram relacionados para a partida porque o protocolo da CBF indica que, dez dias depois de ter sido diagnosticado com Covid-19, os assintomáticos não são capazes de transmitir o vírus. A regra é baseada em diretrizes da Organização Mundial da Saúde e do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. Portanto, não há irregularidade. Contudo, já retornar em uma partida — e não de forma gradual, passando primeiro por um período de treinos — implica em riscos, não apenas em decorrência dos dez dias sem treinos.

O fisiologista Cláudio Pavanelli, ex-Flamengo e que hoje atua no esporte universitário americano, lembra que o sistema mais afetado pela Covid-19 é o respiratório. E a recuperação muscular passa justamente pela oxigenação do corpo.

— Não é uma questão localizada. É sistêmica, onde todas as engrenagens podem ser comprometidas. Se o sistema pulmonar estiver afetado, como levo oxigênio para o músculo que for afetado durante uma atividade de alta intensidade? Vai afetar a oferta de energia e a recomposição muscular — explica o fisiologista, que não descarta também uma queda de desempenho:

— O movimento, seja em alta ou baixa intensidade, exige respiração. Então é claro que isso pode interferir em performance.

Como se trata de um risco, e não de uma relação certa de causa e consequência, um jogador pode retornar da quarentena com grande exibição. Foi o caso de Bruno Henrique. Na última quarta, ele entrou contra o Independiente Del Valle antes do intervalo e marcou duas vezes na goleada por 4 a 0 pela Libertadores. Saiu de campo eleito pela Conmebol o craque da partida.

— O pós-Covid tem que ser tratado com uma decisão compartilhada. Ela passa pelo especialista, pelo clube, pelo próprio jogador, pela familia e até pelos patrocinadores. E a data volta precisa ser discutida sem dogmas. Cada caso tem o seu tempo adequado  — defende Cláudio Gil, diretor de pesquisa e educação da Clínica de Medicina do Exercício (CLINIMEX).

Mas nem sempre o atleta faz uma volta perfeita. Fred, do Fluminense, disputou seu primeiro jogo depois da quarentena na última segunda, contra o Coritiba. Não fez boa partida e pediu para ser substituído após 60 minutos em campo. Ao ser perguntado pela imprensa se havia cansado, retrucou que “Covid é fogo”.

Mais do que a possibilidade de lesão ou a perda de performance, o que deixa a comunidade médica em alerta é o risco de miocardite, uma inflamação do tecido muscular do coração. Ela leva a um quadro de arritmia, e as consequências para o atleta podem ir desde um mal-estar em campo à morte súbita durante o jogo.

Essa preocupação levou médicos das sociedades brasileiras de Cardiologia e de Medicina do Exercício e do Esporte a elaborarem um documento com um conjunto de diretrizes voltadas para os cuidados com os atletas de alto rendimento. Trata-se de uma série de avaliações que devem ser feitas para verificar se a Covid-19 não deixou sequelas. O protocolo será apresentado no próximo Congresso Brasileiro e Sul-Americano de Medicina do Esporte, de 30 de outubro e 1º de novembro.

— A miocardite é mais frequentemente relacionada à prática de exercícios após um quadro viral. Isso sempre aconteceu com outros tipos de vírus, como o do sarampo, por exemplo. Mas temos visto com uma frequência que nos parece mais alta com a Covid-19 — afirma o cardiologista e médico do esporte José Kawazoe, do Hospital Santa Teresa, de Petrópolis.

Fonte: O Globo
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