Leandro Assumpção ganhou fama após protagonizar um dos lances mais inusitados de 2019. Ele deu uma bicicleta ao mesmo tempo que o meio-campista tailandês Kritsada Hemvipat e marcou um golaço na derrota por 3 a 2 do Nakhon Ratchasima para o Buriram United. O jogo válido pela 25ª Rodada da Liga Tailandesa foi realizado no começo de outubro.

"Ele estava atrás de mim. Quando eu dei a bicicleta, achei que estava sozinho, mas quando vi ele correndo, não fiquei sem ação pra levantar. Tem vídeos que mostram claramente que o gol foi meu. Já algumas fotos dão a impressão que foi um gol duplo. É um lance muito difícil e explicar, o mais estranho que eu já vivi dentro de campo", disse o jogador.

O lance repercutiu mundialmente, em jornais como The Guardian (Inglaterra) e Gazzetta dello Sport (Itália). A maior dúvida ficou sobre o autor do gol, que foi creditado a Ratchasima.

"O gol foi para o jogador tailandês pelo fato dele ter ido comemorar (risos). Talvez se eu tivesse me levantado rapidamente e corrido para vibrar, o gol fosse atribuído a mim, até pelo fato de ser atacante."

Uma reviravolta e tanto na vida do brasileiro.

Em agosto de 2007, ele realizava o maior sonho da carreira. Contratado pelo Flamengo , o jogador tinha chance de jogar ao lado de Renato Augusto, Léo Moura e outros nomes consagrados do futebol.

Menos de quatro anos depois, a realidade de Leandro era completamente diferente.

O atacante enfrentava horas de ônibus para jogar por times de várzea de Minas Gerais e receber R$ 250. Com o dinheiro, ele comprava roupas para depois revender nas ruas no Rio de Janeiro.

Foram vários meses seguindo esta rotina até que um inesperado telefonema vindo da Tailândia mudou a trajetória de Leandro.

Conheça a história do jogador de 34 anos do Nakhon Ratchasima-TAI.

Veja abaixo o depoimento de Leandro Assumpção:

Eu sou nascido no Rio de Janeiro e comecei no futsal desde pequeno com a minha mãe, que foi minha primeira treinadora. Ela foi jogadora de futebol do Botafogo, Bangu e Radar. Daí, já viu né? Era sargentona e casca grossa (risos).

Ela e meu pai me davam muito apoio e iam comigo aos treinos, às vezes deixando de fazer alguma coisa deles. Até hoje, depois de velho, ela ainda me dá umas broncas depois dos jogos (risos). Tenho que escutar, mas é legal essa relação que temos e esse amor pelo futebol.

Aos 12 anos eu fui para o futebol de campo do Olaria e cheguei até o profissional. Depois, fui emprestado ao Madureira. Me destaquei no Campeonato Carioca de 2007, já que fomos vice-campeões, e fui contratado pelo Flamengo por seis meses.

Eu me lembro que numa sexta-feira eu estava subindo a comunidade carente em Madureira chamada Morro do Fubá que eu morei por 19 anos. Eu tinha voltado do treino do Madureira e vi na televisão o vestiário do Flamengo e os jogadores. Na segunda-feira, eu fui para a Gávea e via todos aqueles craques. Aquilo me marcou muito. As coisas aconteceram muito rapidamente e marcou demais a minha vida.

Logo que cheguei ao Fla eu fui ao hotel Windsor da Barra da Tijuca porque íamos treinar na praia. Me chamaram para tomar café da manhã e tinha um mundo de comida. Nunca tinha visto aquilo. Fiquei tão impressionado que comecei a comer tudo o que tinha por lá (risos). Até esqueci que o treino seria físico. Quando me dei conta, não sabia o que fazer. No final da atividade eu estava passando muito mal e fiquei até com enjoo (risos).

Estava perto dos ‘feras’ como Léo Moura, Bruno, Renato Augusto, Roger, Obina, Juan, Íbson e Fábio Luciano. Fui muito bem tratado por todos eles, que eram muito simples e tranquilos. Os caras eram famosos, mas eram bem legais. O Andrade era auxiliar-técnico e sempre vinha conversar comigo. É um clube que todos querem estar e vestir a camisa.

Por não ter carro, eu demorava de duas horas e meia a três horas para chegar aos treinos de ônibus. Teve um dia que acordei umas cinco horas, mas o trânsito estava tão grande que cheguei muito atrasado. Todo mundo atrasou, mas fui o último a entrar em campo. O Isaías Tinoco, que era diretor naquela época, me falou: ‘Não pode fazer isso. Da próxima vez dá um jeito e chega mais cedo’.

No dia seguinte, eu fiquei com medo de atrasar de novo. Acordei às quatro da manhã e cheguei às sete na Gávea. O treino seria só às oito e meia. Entrei e fiquei deitado no vestiário até a hora de começar as atividades (risos). Aprendi a lição e nunca mais perdi a hora.

Infelizmente nos seis meses que fiquei no Flamengo eu não joguei. É algo que até hoje tento entender. O treinador era o Joel Santana, que não me deu oportunidade. Todo mundo via o meu esforço, mas não sei o que se passou que não joguei.

No final do ano meu contrato não foi renovado e fui embora. Era bem jovem e isso me deixou muito triste na época porque era meu sonho. Quando um jogador sai de um time pequeno para um grande você pensa: ‘É a chance da minha vida’. Mas não foi o que esperava. Levei um banho de água fria.

Depois, passei por Olaria, Bangu, Madureira e Cabofriense. Assim que acabou o Campeonato Carioca de 2011 eu fiquei desempregado. Como não chegava nenhuma proposta e as contas não paravam, eu fui por meio de um amigo chamado Arílson jogar futebol amador em Minas Gerais todo domingo. Eu ganhava uns R$ 250 por domingo e comprava umas bermudas na cidade, que tinha várias fábricas de roupa. Depois, revendia no Rio de Janeiro com a minha mulher, que virou camelô junto com a minha sogra. Foram dois meses complicados.

Quando estava desanimado e sem muitas perspectivas de retomar minha carreira, eu recebi o telefonema de um treinador brasileiro chamado Teco, que estava na Tailândia. Eu não estava mais com vontade de jogar no Brasil por causa dos atrasos de salários, desemprego e condições dos times menores. Eu nem sabia que existia futebol profissional na Tailândia, mas não pensei duas vezes.

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Vim sem medo de ser feliz. No começo sofri um pouco com a comida, que é muito diferente, e com o estilo de jogo do país que é muito físico. Aqui é preciso ter muita força, dinâmica e velocidade. Eu apendi demais nesse período.

Eu procuro fazer o meu melhor. Receber elogios e ser um ídolo do futebol tailandês é uma consequência de resultados, dedicação e entrega. Tudo vem de forma natural. Tem jogadores de muito nome por aqui e deixo essa de ser ídolo para os torcedores. Se eles enxergam dessa forma, fico feliz.

Hoje a Tailândia é a minha segunda casa. A vida é muito boa e tenho tranquilidade para criar minha família. Aqui todos me respeitam e me tratam bem. Só tenho que agradecer.

Em todos esses anos, eu tive paciência, estou colhendo os frutos agora. Nunca vou saber como poderia ter sido caso eu tivesse jogado e ficado no Flamengo. Mas graças a Deus estou muito feliz. Não sei o que será no futuro, mas construí uma história no futebol.

* Reportagem original publicada em 4 de outubro de 2019