Pela natureza de sua profissão, segundo especialistas ouvidos pelo ESPN.com.br , atletas podem até sofrer mais do que as outras pessoas durante um período de isolamento e quarentena como o que vivemos agora, devido ao novo coronavírus (veja explicação ao longo do texto).
Mas dos 20 clubes da Série A consultados pelo ESPN.com.br , apenas oito ( São Paulo , Red Bull Bragantino, Fortaleza , Botafogo , Flamengo , Vasco , Fluminense e Atlético-GO) declararam estar oferecendo suporte profissional sistemático com dicas e estratégias, além de acompanhamento periódico, para os atletas lidarem com questões emocionais e mentais decorrentes da paralisação.
(Veja as dicas ao longo do texto.)
Doze clubes ( Palmeiras , Santos , Corinthians , Bahia , Internacional , Atlético-MG , Grêmio , Flamengo , Goiás , Ceará , Red Bull Bragantino, Sport e Coritiba) não possuem psicólogos em suas comissões técnicas trabalhando diretamente com observação e análise do elenco profissional - embora todos tenham profissionais de psicologia em suas categorias de base e ofereçam atendimento aos jogadores do "time de cima" mediante solicitação.
O Athletico-PR afirma ter um psicólogo que trabalha com a comissão técnica profissional, mas de maneira não exclusiva. O clube não respondeu como e se houve atuação desse profissional para e durante o período de quarentena.
Atualmente, a seleção brasileira masculina também não tem um psicólogo na comissão técnica. O técnico Tite já declarou publicamente que gosta de lidar diretamente com o "emocional" de seus atletas.
Preconceito
"Enfrentamos sempre muito preconceito", conta Bruno Vieira, psicólogo do esporte de alta performance, especializado pelo Barcelona Innovation Hub, universidade do clube catalão, ao explicar o porquê da ausência de um trabalho estruturado de psicologia com os jogadores em tantos clubes.
E o preconceito, além das comissões técnicas e dirigentes, vem também dos jogadores.
"Eu insisto com os atletas que é preciso demistificar essa ideia de que só vai a psicólogo quem tem problemas", diz.
Vieira explica que enquanto aqui há resistência para adoção de psicologia no futebol, os grandes clubes europeus até formam seus profissionais da área. E os atletas dos maiores clubes têm acompanhamento e avaliações psicológicas constantes.
"Lá, o psicólogo participa do plano de jogo, opina sobre a preperaçao mental, do mesmo jeito que o preparador físico fala da sua especialidade", conta Vieira.
Não existe, segundo ele, qualquer justificativa do ponto de vista da psicologia para que, num mesmo clube, a base tenha acompanhamento sistemático, e o time profissional não.
"As pressões e responsabilidades se intensificam no profissionalismo. E, por vezes, esses atletas do topo têm os mesmos 18,19 anos de um jogador da base. Ou 21, 22, 23. Qual a diferença?", indaga.
Para Vieira, o descaso com a parte psicológica dos jogadores profissionais cobra um preço. "Se fizermos uma análise fria mesmo, fica claro que o atleta sul-americano costuma apresentar maior instabilidade emocional que o europeu, em média", acrescenta.
"É mais comum aqui do que na Europa vermos jogadores com diversos casamentos desfeitos, filhos de relações diferentes e envolvimento com drogas, que denotam questões emocionais a serem trabalhadas, por exemplo", diz ele.
Para dar dimensão do preconceito, Vieira, que trabalha para um clube brasileiro com o time profissional e o sub-20, com cerca de 50 atletas, não pode revelar para qual agremiação presta serviço. Ele também atende quatro jogadores individualmente, cujas identidades não pode revelar - por norma ética da profissão.
Dicas
Dois pontos foram unânimes para todos os profissionais ouvidos pela ESPN no sentido de diminuir os danos causados pela quarentena: criar uma nova rotina, inclusive de treinos físicos, e não ficar imerso em notícias sobre o andamento da crise.
Liana Benício, uma das psicólogas do Fortaleza, explica que cada jogador tem uma característica.
Mas que de fato, a mudança repentina de rotina e a retirada da prática esportiva diária da vida do jogador pode mesmo causar depressão e ansiedade nos mais propensos, devido à baixa de serotonina, o neurotransmissor despejado pelo corpo na corrente sanguínea durante atividades prazerosas e exercícios físicos.
"Mas é relativo. Há os jogadores que são mais recolhidos e que podem até se beneficiar dessa parte do isolamento", explica ela.
Não há o que se fazer quanto à parte física, contudo. Porque a carga de desgaste físico cairá de qualquer forma e haverá um desequilíbrio químico no corpo do atleta. A diferença será como cada indivíduo reagirá a essa condição de desequilíbrio.
O Fluminese elaborou uma espécie de guia visual sobre como cuidar da saúde mental no atual período de paralisação do futebol no País. As dicas vão de atitudes simples, como despertar com calma e fazer refeições sem aparelhos eletrônicos por perto, a exercícios de Mindfulnes - uma técnica de meditação.
A psicóloga do clube, Emily Gonçalves, está em constante contato com os atletas, que podem procurá-la sempre que desejarem.

No São Paulo, a psicóloga Anahy Couto está à disposição dos atletas. O elenco tem um grupo de aplicativo em que a profissional fala esporadicamente com todos os jogadores. Mas ela também está disponível para atendimentos individuais.
No Red Bull Bragantino, o trabalho de acompanhamento emocional é realizado pelo coach e educador físico Gustavo Evangelista, também graduado pelo Barcelona.
O profissional faz parte da comissão técnica da equipe desde o início do ano passado, ainda antes da fusão com a equipe de Bragança Paulista.
No que diz respeito exclusivamente à época do coronavírus, Evangelista diz que a ansiedade é mesmo o principal inimigo, já que o jogador não está tendo as "descargas hormonais" necessárias.
"Além disso, o jogador 'se realiza' muito com o ambiente do futebol, a competição, os elogios, a disputa. É onde ele está acostumado. E, de repente, de uma hora para outra, isso lhe é sacado. É claro que faz falta", diz ele.
O psicólogo Bruno Vieira, por exemplo, recomenda aos seus clientes que ocupem a mente.
"Se o cara gosta de cozinhar, a gente preenche o tempo dele com isso. Ou ele pode fazer um curso em vídeo, por exemplo", diz. "Isso substitui em parte a descarga dos jogos, que ele não está tendo, porque ele se sente produtivo, importante. A mente dele tem de estar sempre 'cheia'", explica.
Outro ponto ressaltado por Vieira diz respeito ao treinamento físico. "Eu recomendo que o atleta treine em casa o dobro do tempo que treina no campo. Esse aumento também pode ajudar a preencher um pouco esse espaço que fica vago", completa.