Como a gestão transformou o Flamengo em um caso de sucesso

Organizar livros, na minha vida, acabou virando uma espécie de hobby. Tenho editado livros acerca de temas nos quais sou especialista, como a questão previdenciária, a temática fiscal ou os desafios macroeconômicos, lato sensu. Vez por outra, porém, com um colega de algum ramo específico, procuro, modestamente, ajudar alguma boa causa.

Foi assim que, no passado, tendo especialistas no assunto como co-organizadores, em parcerias onde eu entro com minha expertise de editor de livros e outro colega com seu conhecimento específico, ajudei a publicar livros sobre os desafios da saúde, da educação e do Rio de Janeiro, questões cuja importância é óbvia.

Nesse sentido e fieis ao espírito de Bill Shankly, treinador que transformou o Liverpool e que disse que “futebol não é uma questão de vida ou morte: é muito mais importante do que isso”, com meus amigos e colegas Pedro Iootty e Rodrigo Madeira acabamos de publicar um livro sobre o turning point do Flamengo na década passada: “Paixão e sucesso – A gestão que transformou um clube” (Editora Lux), com 13 capítulos sobre aquela experiência.

O futebol, tradicionalmente, no Brasil, esteve organizado de forma precária, associado a esquemas de gestão non sanctos , em que dirigentes se perpetuavam no comando, em bases amadoras, por “amor ao clube” e sem maiores exigências em termos de prestação de contas.

Recentemente, no rasto de algumas experiências internacionais bem-sucedidas, surgiram duas modalidades alternativas. A primeira, que pode ser chamada de “mecenato”, em que um milionário ou grupo associado a um dirigente rico começa a colocar dinheiro no clube, injetando métodos de modernização empresarial, tentando conciliar a paixão com a lógica econômica e fazendo uma espécie de investimento.

A segunda é a Sociedade Anônima de Futebol (SAF), que tem proliferado Brasil afora, com exemplos que têm se multiplicado, com graus variados de resultados.

O caso do Flamengo, inaugurado nos dois mandatos de Eduardo Bandeira, é interessante porque configura um exemplo específico.

Nele, a partir do potencial de receita propiciado por um contingente que se mede em termos de dezenas de milhões de torcedores espalhados por todo o país e com um grupo de executivos extremamente qualificados, com o denominador comum da honestidade e da reputação profissional, em poucos anos transformou-se um longo histórico de problemas financeiros (salários atrasados, venda de jogadores na “bacia das almas” para cobrir “buracos” de recursos, patrocínios escassos etc.) em um case de sucesso.

Agora, o clube paga sempre em dia, tornou-se uma máquina de gerar recursos e dispõe de um dos melhores elencos esportivos do país.

Num dos dois excelentes capítulos de César Grafietti e do jornalista Rodrigo Capelo que forma parte do livro, mostra-se que, em termos reais, nos seis anos entre 2012 e 2018, a receita do clube aumentou 70%, muito acima do natural aumento dos custos, de 45%, no processo de geração de caixa para formar um time com possibilidades de voltar a vencer campeonatos.

Com isso, o Ebitda do Flamengo, iniciais de earnings before interests, taxes and amortization (lucro antes dos juros, impostos e amortização), multiplicou-se por quase três naquele período.

Assim, no conjunto dos 12 maiores times de RJ, SP, MG e RS, o Flamengo, que em 2012 tinha a terceira pior relação Dívida/Receita desse conjunto de clubes, em 2018 passou a ter o menor coeficiente entre essas variáveis, indicando uma verdadeira revolução financeira, que abriu o caminho para as conquistas esportivas que se seguiram.

Neste mesmo espaço, defendi muitas vezes no passado a ideia de que, na política fiscal do país, a austeridade de hoje permite o gasto sadio de amanhã, num país que, sanado, poderia ter um longo ciclo de progresso. O caso do Flamengo mostra que no futebol, assim como num país, quando há comando, credibilidade e estratégia, como diria Obama, “nós podemos!” ( "Yes, we can" ).

Fonte: O Globo