Thiago Neves não deixa de ter razão. Arrascaeta tem sim traços importantes de timidez que ficam nítidos em 60 minutos diante do genial camisa 14 uruguaio. Mas muita coisa mudou de 2019 para cá.
Hoje, ele quer a 10 de Zico - que era do amigo Gabigol -, desenvolveu ferramentas para se soltar mais com os colegas de time e contou com ajuda da esposa e da psicologia para o esporte e para a vida.
No Abre Aspas do ge , o jogador apresenta consciência sincera sobre o brilho menos intenso na seleção uruguaia e por nunca ter saído para a Europa. Mas vive uma lua de mel no Brasil desde a grande passagem pelo Cruzeiro até chegar na loucura de vida que é o Flamengo . Aos 30, um terço da vida já se passou no Brasil. É um carioca de Nuevo Berlim, terra natal.
ge: Você já tem a noção do tamanho de tudo o que já realizou no futebol brasileiro?
— Às vezes, por conta das estatísticas e pelo que se lê na internet, a gente fica sabendo um pouquinho, mas acredito que a dimensão vai chegar quando passarem os anos, quando eu não for mais jogador e a minha marca ficar registrada no Brasil. Espero seguir conquistando e crescendo com o time, conquistando coisas importantes e taças no Flamengo . Esse é o meu pensamento. Daqui a uns anos, acho que a ficha vai cair e vou saber o que conquistei no Brasil.
Acha que o povo uruguaio tem ideia do que é o Arrascaeta no Brasil?
— Sinceramente, acredito que não. Talvez (aconteça isso) um pouquinho pelo idioma. Uruguai, Argentina e outros países ficam um pouco mais isolados e não têm dimensão do tamanho que é o futebol aqui. Certamente conhecem os times pela Libertadores, mas não o que é viver aqui dentro, o dia a dia, as torcidas, acredito que não tenham dimensão de tudo isso.
Você tem tratamento de muito carinho desde que chegou ao Flamengo . Como recebe isso?
— Desde que eu cheguei ao Rio de Janeiro, a torcida me abraçou. Tanto que quando eu não jogava era o torcedor que pedia para eu entrar em campo. Em momento algum duvidaram do meu potencial. Tenho uma gratidão eterna pelo torcedor. Dentro de campo, faço de tudo para ajudar os meus companheiros a ganhar títulos importantes, mas fora de campo sei que tenho uma responsabilidade grande. Sei que sou uma imagem para muitos meninos, muitas crianças e à medida que passou o tempo fui compreendendo muito mais isso, pude saber dessa responsabilidade fora de campo. Já fui criança e sei como é ver os ídolos de perto, por isso sempre faço um vídeo, tiro uma foto, sei o quanto é importante.
São dez anos de futebol brasileiro, seis no Flamengo e quatro de Cruzeiro. Brasil e Uruguai são países com culturas e características muito diferentes. Você absorveu muito da cultura brasileira?
— O começo, obviamente, foi difícil. Foi a primeira vez que saí do meu país. Estava acostumado a estar perto dos meus pais, meus amigos... Eram três horas de ônibus que eu tinha que percorrer para ver a todos. Então, ir para longe foi um desafio muito grande, mas assimilei muito rápido. Tenho meus objetivos, quando você corre atrás das coisas que quer e só foca nisso, o resto é consequência. Eu já me sinto um carioca, me identifico muito com as pessoas daqui, do dia a dia. Temos uma pessoa que trabalha conosco que veio de Belo Horizonte e a amamos, mas tenho também o carinho de vizinhos, das pessoas quando vou jantar, quando vou ao teatro, e o carinho que recebo é muito gratificante. Não só do torcedor do Flamengo , mas também de outros clubes.
Quais são as principais diferenças como sociedade entre os dois países que você sente?
— Eu sempre falo com meus amigos e minha esposa que aqui com o carioca você fala: "Vamos fazer um churrasco daqui a duas horas", e ele já está pronto para ir para sua casa. Estão sempre contentes, sempre felizes, independentemente dos problemas que podem existir. Estão sempre com um sorriso no rosto e percebo essa grande diferença para o povo do Uruguai, que muitas vezes não enxergamos o essencial da vida, que são as coisas simples.
Por falar em Uruguai, alguns torcedores usaram sua imagem com a camisa do Peñarol para te atacar após a eliminação na Libertadores. O que você diz a quem duvidou do seu profissionalismo?
— Eu sou torcedor (do Peñarol) e torço muito, mas independentemente do time que sou torcedor, eu defendo uma instituição, um clube, e vou dar sempre o melhor. Pode jogar bem, jogar mal, faz parte. Não fizemos bons jogos e isso é parte da vida, não vamos ganhar sempre.
— Para tudo há limites. É claro que fico um pouco chateado por tudo isso. Desde que cheguei aqui, já joguei com o joelho machucado mais de um mês, viajava da seleção direto para jogar, nunca coloquei um "mas" para não estar presente. Tentei dar todo melhor que eu podia dentro de campo para o Flamengo e tem torcedor que não entende tudo isso. Faz parte da vida, tenho o conceito claro de quem eu sou e isso não muda nada. Posso ficar um pouquinho chateado, mas faz parte.
É uma dessas diferenças culturais? Em outros países é muito natural você admitir o clube que torce, mas aqui talvez não exista ainda essa maturidade esportiva?
— Com certeza. Por exemplo, nas férias eu já coloquei a camisa do Peñarol para jogar pelada com meus amigos, e isso é natural para nós. Mas daí a ir contra o time que você está tem muita coisa. Seria falta de ética, de respeito aos companheiros e à instituição. Comigo isso não aconteceu, com meus companheiros tenho certeza que também não. Agora que ganhamos a Copa do Brasil somos novamente os craques. Acho que falta esse equilíbrio ao torcedor brasileiro. Temos que saber lidar com essas coisas.
Recentemente, você falou nas suas redes da importância de saúde mental e que começou a fazer terapia. Como foi esse processo?
— Quem me aconselhou foi minha esposa. Quando voltamos a estar juntos, ela tinha começado e achou que seria importante para mim. No começo, não sentia a grande diferença, mas acredito que seja importante para todas as pessoas. Você começa a enxergar as coisas simples com um olhar totalmente diferente no dia a dia. Eu antes perdia um jogo e queria ficar dentro de casa, no quarto, sem sair para nenhum lado. Como se a vida só fosse boa quando se ganha, mas a vida não é isso. Temos que saber que vencer, perder ou empatar faz parte. A terapia me mudou a tentar dar o meu melhor em cada treino, em cada momento. Pode ser que dê certo ou não. Vai ter momentos que são bons ou ruins, mas o mais importante e essencial é dar o melhor para enxergar as pessoas que estão perto de você. Eu era um cara muito fechado, às vezes tinha um amigo com problema e eu não era capaz de perguntar o que estava acontecendo com ele. Então, são coisas que hoje em dia eu mudei muito. Os momentos simples de estar com minha esposa, minha cachorrinha, minha família, antes era superficial e hoje desfruto muito.
— A terapia tem mudado muito minha personalidade também. Estando em um clube grande como o Flamengo , não é fácil e virar um dos líderes. Era um pouco difícil para um cara fechado que não falava muito com as pessoas, não falava com os companheiros para motivá-los. E eu falei com meu psicólogo que precisava mudar isso e saber expressar para fora das coisas que eu sinto. Hoje me sinto muito mais preparado.
E ela te aconselhou por sentir uma necessidade, sentir alguma angústia em você?
— Minha esposa está comigo em toda a minha carreira no Brasil, praticamente, e ela me conhece muito bem. Sabe do meu potencial, minha qualidade como pessoa humana e o que eu tinha que melhorar. E com a terapia encontrei o crescimento que estava buscando.
Ainda existe preconceito sobre isso no futebol ou você acha que está melhorando?
— Acredito que esteja melhor, mas muito longe do que tem que ser feito. Hoje em dia você vê que já há pessoas que tentam influenciar positivamente. Tem a Rebecca aqui no Flamengo , que tem uma voz forte, tem o Vinícius que é uma voz forte contra o racismo. Acho que jogadores e pessoas que têm esse potencial no dia a dia têm que mostrar mais do que se trata, tem que fazer porque contribui muito.
Essa questão da liderança foi algo que você entendeu que precisava assumir mais no Flamengo pelo tempo que já está no clube?
— Sim. Realmente, eu sempre sentia as coisas, mas não falava, não conseguia expressar, não tinha a força para levantar a mão e falar, e ser o exemplo. Eu sempre me omitia, não tinha essa força. Com a terapia, comecei a praticar tudo isso. Foi difícil, mas treinando todos os dias eu tentei melhorar, melhorar, até o momento que comecei a falar com os companheiros. Não só no ambiente de futebol, mas também com outras pessoas, com minha família, com meus pais.
Isso tudo acaba dando razão ao que o Thiago Neves falou lá atrás e acabou sendo tão criticado, virou até meme. Ele tinha razão quando falou que você era muito tímido?
— Sim. Ele não fez por maldade. Ele falou porque sinceramente me conhecia e era um dos caras com quem eu me dava melhor lá no Cruzeiro, ele mora no mesmo lugar que eu e vez ou outra mandamos mensagem. É um cara que me ajudou muito. Eu realmente hoje sou um cara totalmente diferente do que era antes.
A Camila é sua companheira desde muito jovem. A percepção à distância é de que ele tem uma influência muito grande na sua vida...
— Ela é meu suporte, é o meu braço direito. Sempre esteve comigo nos momentos mais lindos, nos mais difíceis, e é a pessoa que sempre estará ali para me direcionar quando estou em dúvidas. Não tem papas na língua quando tem que falar que eu estou errado em alguma coisa. Não tenho palavras para agradecer tudo que ela faz para que eu melhore. Com ela, tudo fica mais fácil. Eu cheguei a Montevidéu e comecei a sair com ela, e os pais dela me criaram como um filho. Eu estava longe dos meus pais em uma cidade grande, saí do interior, de uma cidade com 3 mil pessoas e encontrei uma família que me abraçou, me cuidou e hoje os enxergo como pais. Tenho meu cunhado, o Thiago, que enxergo como um filho, e cuido tanto dele quanto da Camila, do meu cachorro, dos meus pais... Somos uma família muito unida, felizes e agradecidos. Já estamos juntos há praticamente 11 anos.
Já está ansioso para ser pai?
— É um tema que temos falado, sim. Mas tudo vai acontecer no momento certo de Deus.
Como que você planeja esse passo adiante na vida de vocês?
— A gente sempre tenta melhorar nossa vida de casal. Queremos estar bem, melhorar o que temos que melhorar e estar preparado para cuidar de um filho. Tenho minhas responsabilidades, minhas viagens, minha esposa tem o trabalho, não está todos os dias em casa, e temos o nosso compromisso. Queremos ser pais, mas no momento certo para que essa criança venha e quero ser um pai presente, curtir tudo isso. É um tema que já falamos há um tempinho.
Você enxerga que o seu talento foi determinante para que você superasse as dificuldades de adaptação seja pela mudança, seja pela timidez?
— A verdade é que desde criança eu gostava muito de fazer gol. Não sou um atacante, um camisa 9, mas em toda temporada procuro fazer muitos gols, e essa ambição me dá em momentos cruciais a chance de fazer um gol, dar assistência a um companheiro, criar uma jogada... Agradeço a Deus pela qualidade que ele me deu para expressar meu futebol em campo. Eu sou muito feliz e grato por tudo o que tenho vivenciado no futebol brasileiro, pelo Uruguai...
— De vez em quando, estamos com os amigos e falamos: "Bota aí no youtube que vamos assistir uma jogada sua" (risos). É bonito! É bonito de se ver.
De que maneira que você trabalha para aprimorar o seu talento e seguir se destacando em uma posição cada vez mais carente no futebol mundial? Como você encara essa mudança do meia de criação?
— Acho que foi ficando assim pela intensidade do jogo. Eu tive que me adaptar também a isso. Trabalhei com treinadores que ficam mais com a bola para atacar os espaços ou com Bielsa, que é muito intenso.
— Ele (Bielsa) mesmo me disse: "Riquelme comigo não jogava e vocês têm total noção da qualidade que ele tinha". Eu pensei: "Se Riquelme não jogava com ele (risos), eu estou no forno". Mas começamos a ver vídeos aqui no Flamengo , na Seleção e ele falava que eu pegava a bola e seguia trotando. Ele me disse: "Não, tem que aumentar a velocidade".
— E me lembro de um gol contra o Palmeiras, no Maracanã, que é totalmente este trabalho que é feito com ele. A jogada começou na esquerda, eu ataquei o espaço na área e cheguei sozinho para cabecear. Quando o jogador assimila esses detalhes, cresce muito e isso faz toda diferença.
Por falar em Bielsa, recentemente o Suárez e outros jogadores falaram do quanto que é complicado trabalhar com ele. Como é esse ambiente, é um dia a dia que mudou muito com ele?
— Sempre tivemos treinadores na seleção que eram como um pai para nós, como foi Óscar Tabárez. Então, encontramos um treinador com uma personalidade totalmente diferente e foi um pouquinho chocante porque não estávamos acostumados com a forma como ele trabalhava, a personalidade. Mas fizemos reuniões para falar sobre isso e foi o melhor possível. Como Luis (Suárez) falou, aconteceram coisas que têm que ser melhoradas. Independentemente de quem estiver ali como jogador e como treinador. Nas últimas vezes, nos reunimos com ele, falamos de frente das coisas que não estavam como queríamos e escutamos ele.
— Temos que saber entender quem está do outro lado, que é uma pessoa criada em um país diferente, com uma cultura diferente, personalidade diferente, e entendemos melhor o lado dele (Bielsa). Graças a Deus, as coisas estão melhorando.
Aqui no Flamengo também tem muitos uruguaios.... Você falou há pouco sobre o quanto teve que se puxar para falar mais com os companheiros. É algo que você também estimula neles, já que alguns deles enfrentaram dificuldades?
— A gente está quase todo dia junto. O Nico (De La Cruz) tem uma personalidade forte, mas é mais calado na dele. Às vezes, quando vamos fazer a roda para jogar, ele fica perto de mim e fala no meu ouvido, não fala para todo mundo, mas é da personalidade dele. Acho que ano que vem, mais ambientado, vai ter mais força para falar com todos. Lesões fazem parte do futebol e falo isso para Viña, que está superando essa fase difícil com um sorriso no rosto, porque é muito tempo fora. Com Guillermo (Varela), sabemos da qualidade que tem e tem melhorado coisas que sabia que precisava. Ficamos felizes por ter começado a jogar bem na seleção e preparado aqui no Flamengo .
Também tem falado mais com os mais jovens?
— Já falei para alguns meninos. Falei com o Matheus Gonçalves, que tem uma qualidade absurda e que quer jogar numa posição como eu. Acredito que ele precisa entrar em campo pensando em fazer gol, assistência ou decidir o jogo, e não ficar só com um ou dois toques. Com a qualidade que tem, precisa ter isso na mente. Se não for assim, o treinador vai ter jogadores com gols e assistências, e ele não vai jogar. É preciso mudar isso e agora estamos o vendo um pouco mais focado no que tem que fazer, partindo para cima da baliza com o objetivo.
Voltando à Celeste, quando querem questionar o seu futebol usam sempre o fato de não ser titular absoluto pela seleção. Qual sua opinião sobre isso? Como você avalia sua história na seleção?
— Sempre tento dar o meu melhor. Mas, às vezes, minha característica não ajuda com a forma que a seleção jogava. Eu com Tabárez e Alonso percorria muita distância e ficava pouco com a bola. Minha qualidade é de ficar perto da bola e de fazer meus companheiros jogarem.
— Essa é a diferença do futebol brasileiro para a seleção. Por isso, eu não consigo fazer o que eu faço no jogo do Flamengo com a seleção. A intensidade que se joga, a forma que se joga... Uruguai sempre foi um time mais reativo do que criativo. E não sou só eu, outros jogadores dessa posição também tiveram dificuldade, com exceção de Forlán que representou muito bem jogando de 10. A maioria dos jogadores ali (na posição) sempre teve muito problema.
E de que maneira você tenta suprir essa situação sendo mais participativo defensivamente sem que isso interfira na presença ofensiva?
— Eu sou muito comprometido com o meu time. Sabemos que se não tomamos gol, estamos perto de ganhar o jogo. Esse é o meu pensamento sempre. Mas esse ano, com o Tite, estava correndo 11.5 km, 12 km a cada três ou quatro dias, porque éramos um time muito intenso, atacávamos muito espaço, e eu falava com o Lanyan (fisioterapeuta): "Se a cada três ou quatro dias eu correr tudo isso, eu vou morrer aqui, cara" (risos).
— Tinha jogo que eu chegava sem pernas. Mas isso faz parte da forma de jogar de cada treinador, da preparação dos jogadores. Eu sempre tento botar isso na minha cabeça, ajudar meu companheiro, fechar o meio, correr, como foi no jogo com o Corinthians, em que tivemos um expulso e tocamos pouco na bola. Temos que saber ser parte dos 11.
Essas características de modo geral também te impediram de ir para Europa? Qual sua leitura por chegar aos 30 anos e não ter realizado este sonho?
— Eu acredito que se fosse para ir para a Europa, teria que ser quando vim para o Flamengo . Estava em um grande momento ali e teria que crescer, mas acredito que não estava preparado para ir para um grande clube de lá. Até porque, não chegou proposta de um grande clube. Eu teria muito problema para me adaptar e percebia que muitos jogadores acabavam voltando rápido para a América.
— Minha característica não é de jogar no futebol europeu e, sim, no brasileiro. Houve a possibilidade de jogar no Flamengo , e eu queria muito vir para cá. Desde que cheguei, sou muito feliz com a maneira que jogamos, e agora, com o Filipinho, é melhor ainda. Ele me conhece muito, mas amizade é uma coisa, o trabalho é outro. Sabemos que temos um diamante bruto de treinador e estamos felizes por ele.
Qual tipo de característica de treinador te agrada mais? Os mais pacatos, como Tabárez, ou treinador que deixa o ambiente mais tenso, como Sampaoli, Bielsa... Ou Jorge Jesus, que mistura os dois?
— O velhinho maluco (risos). É um cara que a gente gostava muito, tenho um carinho muito grande. Me fez crescer muito. Mas é difícil falar sobre isso porque o grupo, quando chega um treinador, sempre quer o melhor e quer conquistar coisas importantes. Acredito que o treinador ideal tem que ter de tudo um pouco. Um pouco de carisma para ter os jogadores alegres, mas também a parte do respeito, a inteligência, o equilíbrio... Os jogadores têm que assimilar tudo isso e plantar o objetivo máximo de conquistar grandes coisas.
No filme ou no livro dos 30 anos do Arrascaeta, o que não pode faltar? Qual seria o título desta obra?
— Ficaria entre gratidão e superação. Essas são as palavras. Superação por tudo o que tive que superar no Uruguai até chegar aqui no Brasil. Foram muitas coisas que tivemos que correr atrás e deixar de lado. Gratidão por tudo o que eu tenho vivido no Uruguai, aqui, em Minas... Sou realizado, mas não quero parar por aqui. Isso é o que nos mobiliza para correr atrás.
Uma cena que chamou muito a atenção na sua história pelo Flamengo foi o choro após o título da Copa do Brasil de 2022. O que te faz chorar e te emociona no futebol e na vida?
— Foi um ano muito difícil, estava jogando com uma pubalgia que me limitava muito. Se não fossem jogos tão importantes, acredito que eu não jogaria. A verdade é que ia para o Maracanã e na hora de ir embora para casa tinha que colocar a perna no carro com a mão porque a dor era insuportável. Tentava levantar da cama e não conseguia porque a pubalgia era difícil, no aquecimento eu não conseguia chutar a bola. Foi um ano de muita superação e esforço. Aguentar tudo isso por um objetivo era algo que me motivava.
As lesões de castigaram demais nesses anos de Flamengo . Como tenta minimizar?
— Faço uma boa preparação. A cada ano que passa, sou mais profissional. Tem que ser assim, senão não vamos aguentar jogar o ano inteiro. É como falei com meu psicólogo, tenho que fazer o melhor nos treinamentos e aceitar o que acontecer. Quando a gente nega as coisas, é quando ficamos mais contraídos e as coisas acontecem com maior frustração. Tenho que dar o melhor nos treinos, na comida, na casa, fazer o que tiver que fazer.
Conversando com pessoas próximas a você, o que mais falam é da sua humildade, simplicidade. Como manter essa característica mesmo sendo idolatrado por tanta gente?
— Acredito que tudo isso venha da criação com meus pais desde novinho, desde criança. Sempre fui igual a todos e, quando tinha que fazer um gol, às vezes dava o passe para o meu amigo. Quando eu era menor e trabalhava, se meu amigo tinha problema, eu sempre tentava ajudar mesmo sem dinheiro. Isso vem da essência da minha família, dos meus pais, e reforço isso depois que conheci a Camila, que é como eu neste sentido de ajudar ao próximo.
Acredita que seja por isso que a simpatia por você vá além dos torcedores do Flamengo ?
— Sim, sim. Acima de tudo, sinto uma coisa muito forte, que é o respeito. Às vezes, tem um ou outro que faz uma brincadeira, mas sempre com respeito. Tenho amigos vascaínos, de outros times, cruzeirenses, e vejo as pessoas que falam com eles. Fico feliz que me enxerguem deste jeito.
A forma como você saiu do Cruzeiro - você faltou a treinos - é algo que te faz refletir? O que você pensa deste episódio?
— Eu estava decidido que queria ir embora porque nos anos que estive lá só brigávamos pela Copa do Brasil, um título ou outro, e não tínhamos time para brigar por coisas importantes. Isso foi um dos pontos que me tocou para tentar seguir crescendo. Quando cheguei lá para falar com eles e deu todo problema, eu fiquei muito chateado por ter ficado em uma situação difícil.
— Eu queria agradecer ao torcedor no estádio ou em algum outro lugar, porque eles foram muito importantes para mim desde que cheguei, com muito carinho. Então, falo sempre com o Dudu (amigo cruzeirense) que a única coisa que sinto que faltou com o torcedor foi uma despedida. Tenho uma gratidão muito grande por eles e torço muito pelo sucesso deste clube. Falo com o (Lucas) Romero, que está feliz lá, e enxergo que o Cruzeiro vai brigar por coisas importantes e espero que volte a ser o clube que foi em anos anteriores.
Com a saída do Gabigol, apenas você e Bruno Henrique estão no clube desde 2019 de maneira ininterrupta... Como você enxerga esse fim de ciclo? Seu contrato vai até 2026...
— É difícil falar de futuro. Eu já falei com o meu agente que a única coisa que me faltou na carreira foi jogar pelo clube que eu era torcedor, o Peñarol. Mas não se pode ter tudo na vida e um dia chamei o Landim para falar: "Presidente, se tiver a oportunidade, eu quero me aposentar aqui. Aí, é com vocês". Sou muito novo ainda, há muita coisa para acontecer, mas a cidade, a equipe tem uma conexão muito forte e toda vez que vou ao Maraca e fico na torcida eu digo: "Está louco, quero jogar muito lá dentro ainda!" Estou muito feliz aqui.
Você se posiciona cada vez mais nas redes sociais como uma figura pública não somente como jogador do futebol. O que você projeta para o futuro da sua vida?
— É difícil pensar, mas aos poucos tenho que planejar tudo. Com certeza não vou ser treinador, mas gostaria de fazer algo relacionado ao futebol. Tínhamos antes na cabeça que moraríamos no Uruguai e agora mudamos um pouco isso. Estamos comprando uma casa no Rio e teremos as oportunidades de voltar ao Uruguai nas férias com a família.
— É uma loucura! É uma loucura! É difícil de falar, mais fácil é sentir lá dentro. Quando você está no Flamengo , é totalmente diferente das sensações que eu já senti. Não tenho palavras para descrever, mas cada vez que escuto a torcida no Maraca, que assisto um jogo, a minha vontade é estar em campo para fazer essa Nação feliz. Quando ganha o Flamengo , quase todo mundo está feliz.
Para encerrar, uma fácil. Qual o melhor gringo da história do Flamengo : Petkovic ou Arrascaeta?
— Quando eu parar de jogar, eu falo (risos).
Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv