Título, invencibilidade, confusões, "Era" Zico & Sócrates... As histórias do Flamengo pelo Oriente Médio

Jayme de Almeida é abraçado por Fleitas Solich na volta do Flamengo de sua primeira vez no Oriente Médio — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Jayme de Almeida é abraçado por Fleitas Solich na volta do Flamengo de sua primeira vez no Oriente Médio — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

O Flamengo estreia no Mundial de Clubes nesta terça-feira, contra o Al Hilal, da Arábia Saudita, defendendo uma marca: quando entrar em campo às 14h30 (de Brasília) no Estádio Internacional Khalifa, no Catar, o Rubro-Negro colocará à prova a sua invencibilidade no Oriente Médio.

Ao longo de seus 124 anos de vida, o Rubro-Negro disputou oito partidas na região árabe, na época das famosas excursões. Se agora terá um jogo oficial, antes eram partidas amistosas que a Globo e nem ninguém mostra, já que não há imagens de televisão, tampouco fotos nos jornais.

Mas as histórias – aaah, as histórias –, essas sempre existem e nunca morrem. Na volta do clube ao Oriente Médio depois de 33 anos, o GloboEsporte.com vasculhou os jornais da época atrás de curiosidades desses jogos na terra dos xeiques, desertos, petróleo, camelos...

Campeão em Israel

  • 24/06/1958 - Flamengo 3 x 0 Hapoel Petah Tikva (ISR)
  • 26/06/1958 - Flamengo 7 x 0 Hapoel Tel Aviv (ISR)
  • 30/06/1958 - Flamengo 2 x 0 Fostiras (GRE)
Jogos do Fla em Israel foram durante o primeiro título mundial do Brasil — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Jogos do Fla em Israel foram durante o primeiro título mundial do Brasil — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

A estreia do Flamengo na região árabe completou 60 anos na temporada passada. Durante a Copa do Mundo de 1958, o clube fez uma excursão de 10 jogos entre Europa e Oriente Médio, e no meio dessas partidas tinha um torneio quadrangular em Tel Aviv, em Israel.

O Rubro-Negro foi o único brasileiro na disputa, que contou ainda com o Fostiras, da Grécia, e dois clubes israelenses: o Hapoel Tel Aviv e o Hapoel Petah Tikva. O Flamengo deu show, fez 12 gols, não sofreu nenhum e terminou como campeão invicto do torneio amistoso.

Os jogos foram na mesma época da semifinal e final da Copa do Mundo da Suécia, quando o Brasil conquistou o seu primeiro título mundial. Após a goleada por 5 a 2 sobre a seleção anfitriã na decisão, os jogadores rubro-negros comemoraram com festa no hotel e foram felicitados pelos israelenses.

O time na época era dirigido pelo paraguaio Fleitas Solich, que fez história no clube ao ser tricampeão carioca (1953-1954-1955) e campeão do Rio-São Paulo de 1961. Mas na excursão quem viajou como técnico foi seu auxiliar, Jayme de Almeida, que até recebeu convite para ser treinador na Grécia.

Confusões no Líbano

  • 03/06/1964 - Flamengo 5 x 1 Seleção do Líbano (LIB)
Jornal O Globo dá destaque para vitória do Fla sobre a seleção do Líbano — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Jornal O Globo dá destaque para vitória do Fla sobre a seleção do Líbano — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

O regresso do Flamengo à região foi em 1964, em longa excursão por Europa, África e Oriente Médio antes do Campeonato Carioca. Foi um jogo só em Beirute, capital do Líbano, com goleada sobre a seleção nacional diante de 15 mil pessoas. Entre elas, 100 soldados brasileiros das tropas da ONU (Organização das Nações Unidas) no Canal de Suez, palco de conflitos na época.

Foi uma única partida no país na ocasião, mas poderiam ter sido duas. O clube chegou a marcar com o Sport-Varren Kickers, que era o quarto colocado do Campeonato da Alemanha Ocidental, mas a federação alemã vetou o amistoso em cima da hora porque o time só tinha sido liberado para um jogo.

A viagem para o Líbano já começou com confusão. O Rubro-Negro saiu da Monróvia, na Libéria, mas teve seu voo atrasado. O motivo? Esqueceram de um jogador. O meio-campo Nelson havia ficado dormindo no hotel, distante no aeroporto, e demorou cerca de duas horas para chegar.

Foi nesse trajeto que o presidente rubro-negro, Fadel Fadel, juntou-se à delegação levando cartas das famílias para os jogadores, que passariam dois meses viajando. O dirigente também carregou na mala jornais cariocas, mas só as páginas esportivas, para reprovação do técnico Flávio Costa, que se interessava por política e queria notícias do Brasil durante a Ditadura Militar.

Um relato curioso foi registrado pelo "Jornal do Brasil", que enviou um correspondente nessa viagem. O meia Jarbas comprou um rádio de pilha e ficou preocupado por causa do idioma que ouviu ao ligar o aparelho: "Se soubesse disso, comprava um rádio no Rio, porque, apesar de mais caro, pelo menos falaria em português", disse o jogador em declaração reproduzida pelo jornal.

Dificuldades em Arábia Saudita e Kuwait

  • 01/03/1974 - Flamengo 2 x 2 Seleção da Arábia Saudita (ARA)
  • 03/03/1974 - Flamengo 3 x 2 Seleção do Kuwait (KUW)
Notícias dos jogos em 1974 traziam poucas informações — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Notícias dos jogos em 1974 traziam poucas informações — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Dez anos depois, o Flamengo voltou ao Oriente Médio em nova excursão pelos mesmos continentes da década anterior. Porém, desta vez com poucos registros. Os jornais na época não mandaram nenhum correspondente na viagem, o que dificultou na busca por informações – um periódico chegou a publicar o resultado de um jogo com crédito para uma rádio saudita.

Quem passava as informações era César Chaves, presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo e chefe da delegação naquela excursão. Quando ele conseguia contato com outros dirigentes, informava os resultados. Uma das poucas notícias do empate em Riad, capital da Arábia Saudita, era que o sultão Bin Adbul Aziz acompanhou a partida do estádio.

A única vitória do Flamengo nessa excursão foi sobre a Seleção do Kuwait. O lucro foi de 35 mil dólares, que na cotação da época renderam cerca de 210 mil cruzeiros. Outra curiosidade é que o meia Paulo Cesar Caju foi convocado para a Seleção durante a viagem, o que fez atrasar a sua apresentação.

Fora do Oriente Médio, o Rubro-Negro fez outros três jogos, com dois empates e uma derrota. Na volta ao Brasil, o técnico Joubert disse ao Jornal do Brasil: "Foram cinco jogos em 12 dias, sem treino, com viagens cansativas, temperaturas diferentes, arbitragens incríveis e muita violência dos adversários. O time ganhou só uma vez, mas mereceu pelo menos três vitórias".

Causos no Bahrein e Iraque

  • 27/01/1986 - Flamengo 3 x 1 West Raffa Club (BRE)
  • 05/02/1986 - Flamengo 2 x 0 Seleção do Iraque (IRQ)
Estreia da dupla Zico & Sócrates foi destaque nos jornais da época — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Estreia da dupla Zico & Sócrates foi destaque nos jornais da época — Foto: Reprodução / Jornal O Globo

Antes do Mundial de Clubes, a última vez que o Flamengo esteve no Oriente Médio foi há 33 anos, em excursão que marcou a estreia da dupla galática Zico & Sócrates no Rubro-Negro. O ídolo do Corinthians já havia feito parceria de sucesso com o Galinho na Seleção em 1982 e voltava ao Brasil após uma temporada frustrante na Europa pela Fiorentina, da Itália.

Sócrates vinha de fratura na tíbia, Zico tinha operado o joelho, por isso eles só jogaram juntos por 65 minutos na estreia da dupla no Bahrein. Mas foi o suficiente para encantar os príncipes do país, que assistiram ao jogo do estádio e organizaram um farto banquete para os jogadores após a partida – a comida, porém, não agradou a todos; o Jornal do Brasil relatou reclamações de "tempero enjoativo".

Essa excursão também teve dois jogos cancelados: um contra a seleção do Yêmen do Sul, por causa do golpe militar que aconteceu no país; e outro diante do Al-Nasr, dos Emirados Árabes, porque a Seleção de Dubai, dirigida na época por Carlos Alberto Parreira, não liberou seus jogadores.

Sócrates e Zico na concentração da seleção brasileira em 1986 — Foto: AP

Sócrates e Zico na concentração da seleção brasileira em 1986 — Foto: AP

Com "tempo sobrando" pelos cancelamentos, os jogadores passeavam e faziam compras. Só que Zico teve uma dor de cabeça: viu a propaganda "Zico Jeans" em uma loja que explorava a sua imagem. Ao Jornal do Brasil, ele criticou: "É lamentável que isso aconteça. Fico triste com esse tipo de procedimento. A meu ver, desonesto. Infelizmente, a gente não pode fazer nada. Se o dono da loja tivesse pelo menos um pingo de respeito, deveria fechar a butique durante o período em que o Flamengo está na cidade"

No último jogo no Oriente Médio até esta terça-feira, o Flamengo foi ao Iraque enfrentar a seleção do país, que era treinada naquela época por Edu Antunes Coimbra, irmão de Zico, e havia se classificado pela primeira vez para a Copa do Mundo – jogou a edição daquela ano no México e terminou com a penúltima pior campanha. Diante de mais de 60 mil pessoas, o Rubro-Negro se despediu com vitória.

Para voltar ao Brasil, Zico teve que se separar da delegação, que faria escala na Itália. Por conta problemas com o Fisco italiano quando defendeu a Udinese, o ídolo rubro-negro pegou outro voo, com escala em Frankfurt, na Alemanha. O Flamengo esperava 130 mil dólares (cerca de 2 bilhões de cruzeiros na cotação da época) na excursão, mas devido aos cancelamentos ficou com menos da metade.

Fonte: Globo Esporte
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