Em meio ao sangrento conflito entre Israel e Hamas, um clube Palestino chega ao Maracanã, templo do futebol mundial, para enfrentar o poderoso Flamengo na noite desta quarta-feira (10), às 21h30 (horário de Brasília). A simples presença deste time na CONMEBOL Libertadores neste momento histórico traz a questão do Oriente Médio para o coração da maior competição de futebol do continente. O debate é inevitável, por mais que o clube não esteja fazendo qualquer tipo de campanha. Ele é representante de um povo que tem sofrido ao longo dos séculos e que talvez esteja vivendo hoje seu maior drama.

No jogo da equipe chilena na fase pré-grupos, contra o Nacional-PAR , por exemplo, manifestantes locais que pediam o “fim do genocídio” em Gaza foram convidados a se retirar do estádio Defensores del Chaco, em Assunção. O tema está na mídia mundial há meses.

Mas como um time Palestino veio parar na Libertadores? A história começa no século XIX, quando a Palestina fazia parte do antigo Império Otomano, que participou da guerra da Crimeia. Na ocasião, foi estabelecido o serviço militar obrigatório para todos os cristãos, que também eram colocados na linha de frente das batalhas. Vítimas de preconceito e perseguição, esta minoria religiosa decidiu emigrar e encontrou na América do Sul, especialmente no Chile, condições para recomeçar sua vida.

Os cristãos são apenas 6% da população palestina, que em sua grande maioria é muçulmana. É curioso notar que dentro da colônia de meio milhão de palestinos que hoje vivem no Chile haja mais cristãos do que nos territórios originais no Oriente Médio. Com a base estabelecida por aqui, vários outros árabes se juntaram à colônia ao longo da história, especialmente depois da Segunda Guerra mundial e da criação do Estado de Israel.

Vivendo dentro de um país de maioria católica, os palestinos, inicialmente chamados de “turcos”, cresceram e ganharam grande espaço na economia e na política. A indústria têxtil do país sul-americano é 60% controlada por eles e cerca de 10% do senado chileno é composto por representantes da colônia. O Chile tem a maior colônia de palestinos fora do Oriente Médio e se transformou em um aliado político internacional, como os Estados Unidos são de Israel.

O clube de futebol é a maior expressão comunitária da colônia. Ele nasceu há pouco mais de cem anos e inicialmente todos os seus jogadores eram nascidos no país árabe ou seus descendentes. Com o tempo, o time abriu suas portas para outras nacionalidades e construiu sua trajetória no futebol local. Nunca foi um grande, mas de vez em quando faz uma boa campanha. Possui dois títulos da primeira divisão (1955 e 1978) e três da Copa do Chile (1975, 1977 e 2018), além de seis vice-campeonatos destas competições (somados). São 70 anos na primeira divisão e a sexta maior soma de pontos da história do país.

O maior time do Palestino foi o da segunda metade da década de 1970, que contava, entre outros, com Elias Figueroa. Campeão chileno em 1978, ficou 44 partidas invicto. E depois chegou ao triangular semifinal da Libertadores de 1979.

O clube é considerado um dos maiores representantes da Palestina no mundo. Existe um laço forte com o Oriente Médio, onde seus jogos são transmitidos pela televisão e juntam dezenas de torcedores nos bares de Ramallah ou mesmo Gaza (antes da guerra). O patrocinador máster é o Banco da Palestina, que tem atividades no Chile – único país em que a instituição opera fora do Oriente Médio.

Há uma década, o uniforme foi motivo de enorme polêmica pois o número 1 foi desenhado reproduzindo o mapa da Palestina antes da criação do Estado de Israel. Houve reclamação formal da embaixada israelense, e o time chegou a ser multado, além de ter o desenho proibido em sua camisa.

O presidente atual do Palestino é o bem-sucedido empresário Jorge Uauy, que se afastou de seus negócios para comandar o clube em 2017. Influente no cenário político da Associação Nacional de Futebol (a federação de futebol chilena), ele chegou a lançar candidatura para presidir a entidade, mas acabou derrotado em uma manobra política de última hora.

O time dirigido pelo argentino Pablo ‘Vitamina’ Sánchez foi bem reforçado depois do quarto lugar no último Campeonato Chileno para fazer bonito nesta Libertadores. E chegou forte na competição, mas sofreu um duro revés na estreia da fase de grupos ao ser goleado em casa pelo Bolívar por 4 a 0. A tendência é que contra o Flamengo perca de novo, mas ainda assim terá vencido ao alcançar a maior visibilidade esportiva que este clube já teve. E, consequentemente, sua bandeira.