Conversa recente com uma pessoa que conhece profundamente os técnicos portugueses, mas não será identificada porque não se tratava de uma entrevista:
- O [Rúben] Amorim, técnico do Sporting , é bom mesmo como dizem?
- Sim, muito bom. Ainda insiste um pouco num mesmo sistema de jogo, prefere não variar muito. Mas, como líder de pessoas, que é o mais importante, é inigualável .
Amorim, como se sabe, tem sido apontado há algum tempo como “o próximo” entre os técnicos europeus de destaque, pelo que conquistou em Portugal e pelos elogios à forma de se comunicar com seu grupo de trabalho. O futebol não oferece garantias a ninguém, muito menos a um treinador de apenas 38 anos que deseja se colocar na elite da elite, mas a maneira festiva como pessoas bem informadas se referem a ele e suas perspectivas profissionais impõe perguntar se estariam todos errados.
A frase que pede mais atenção no diálogo acima é a última, pela ênfase no que se considera o pilar fundamental do trabalho de dirigir equipes. No Brasil, desde que as portas foram definitivamente abertas aos profissionais que não se formaram nesta terra, o apreço escancarado - por motivos claros de proximidade de estilo e/ou de idioma - por portugueses e argentinos acrescentou uma etiqueta na lista de identidades usadas em larga escala para classificar técnicos: existem os “estrangeiros” (que são todos iguais, independentemente das origens, das influências e das personalidades), os “boleiros” (em geral ex-jogadores, bons de conversa e deficientes em carga tática) e os “estudiosos” (podem ter jogado ou não, estão unidos pela pouca idade e pelo tatiquês).
O principal equívoco desta rotulação - feita aqui com bom humor, mas com um inegável fundo de verdade - é ignorar a diversidade que nos caracteriza como espécie. E é estarrecedor perceber que, entre as opções disponíveis, a categoria menos valorizada por esse olhar preguiçoso e míope seja a que investe “apenas” no lado humano do trabalho com jogadores . Só dela se costuma cobrar repertório ou soluções criativas, como se seus representantes não fossem capazes de nada além de boas piadas e fluência no que se chama de “a língua do jogador”, seja lá o que isso for.
Ninguém possui só uma característica em seu perfil profissional. Ninguém constrói uma carreira com apenas uma habilidade. E ninguém sobrevive na mais exigente e solitária profissão em todos os esportes com um desempenho insuficiente em qualquer capacidade específica. Acreditar nesta possibilidade equivale a crer que um treinador reconhecido por seus dotes táticos não precisa de nenhuma outra competência para ter sucesso, hipótese amplamente reprovada pelas curtas estadias de três “estrangeiros” no futebol brasileiro nesta temporada.
Vítor Pereira, Jorge Sampaoli e Bruno Lage deixaram uma imagem bem pior do que tinham quando chegaram não apenas por causa dos resultados rasteiros . As notas que receberam na matéria da socialização foram muito baixas. Só eles podem responder por que escolheram se relacionar com os futebolistas da forma que fizeram, e, talvez, a experiência brasileira lhes tenha presenteado um tema para reflexão; é parte do pacote de adaptação a um novo ambiente compreendê-lo no aspecto cultural e promover os ajustes necessários. O que não exclui a possibilidade deste ambiente - o vestiário do futebol no Brasil, no caso - ser tão poderoso quanto imaturo. Este, porém, não é o tipo de cenário que muda em pouco tempo.
Não se trata de ser paternalista ao extremo, pois não foi assim que Jorge Jesus fez o Flamengo encantar. Também não é assim que Abel Ferreira e Dorival Júnior operam. Ou mesmo Fernando Diniz, cujo atributo mais comentado talvez seja a maneira peculiar como lida com pessoas. As abordagens certamente não são iguais, porque cada treinador é um ser distinto, mas indicam que a insistência numa relação fria e hierarquizada termina por alimentar a “cultura” brasileira de triturar técnicos .