A saída de Odair Hellmann pegou o Fluminense de surpresa. Embora não tenha sido a primeira proposta recebida, desta vez ele decidiu aceitar. Vai para o Al-Wasl, dos Emirados Árabes, que ofereceu contrato de US$ 2,1 milhões (R$ 10,7 milhões) por 18 meses. O presidente Mário Bittencourt agiu rápido e entregou o comando técnico até o fim do Brasileiro para o interino Marcão . A equipe faz boa campanha na Série A: é a quinta colocada e briga por vaga na Libertadores. O desafio é evitar que a mudança afete os resultados, como ocorreu em outros times. Afinal, os tricolores não foram os únicos a passarem por esta situação. O campeonato de 2020 tem registrado um movimento acima do habitual de treinadores que trocaram de clube.
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Além de Odair, outros três técnicos já romperam o contrato para assumir outra equipe. Vágner Mancini trocou o Atlético-GO pelo Corinthians. Eduardo Coudet rescindiu com o Internacional para comandar o Celta de Vigo, da Espanha. Já Rogério Ceni deixou o Fortaleza para dirigir o Flamengo. Só estes quatro já representariam um aumento em relação à edição anterior, quando três técnicos tomaram essa iniciativa. Mas a contagem vai além.
Durante os Estaduais, Enderson Moreira saiu do Ceará para treinar o Cruzeiro. E, entre a conquista do Carioca e a estreia do Brasileiro, o Flamengo viu Jorge Jesus aceitar uma proposta do Benfica, de Portugal. Se considerarmos a Série B, há ainda os casos de Marcelo Chamusca e Marcelo Cabo, que priorizaram a oportunidade de voltar à elite e trocaram, respectivamente, o Cuiabá e o CSA para assumirem Fortaleza e Atlético-GO.
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O pudor em romper contratos, que há muito tempo já não existia entre os dirigentes, se diluiu também entre os treinadores. Uma reação à falta de instabilidade do mercado.
— É preciso entender que esse movimento é reativo, não é uma ação. Porque, na verdade, é o próprio clube que, para ter a liberdade de poder trocar de técnico na hora que não houver mais interesse no trabalho dele, põe uma multa rescisória pequena. Muitas vezes, equivalente a um mês de salário só. Isso gera insegurança no treinador e instabilidade no contrato — analisa o agente Eduardo Uram:
— Estamos falando de profissionais que faziam um bom trabalho. Mas em algum momento eles estiveram a ponto de serem trocados. Conseguiram reverter a situação, mas não queriam vivê-la de novo. E o que você mais tem são exemplos de clubes que trocaram de técnico por mais de uma vez neste ano.
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Dos 20 participantes da Série A, apenas Grêmio e São Paulo não mexeram no comando da equipe em 2020. Em 24 roddadas do Brasileiro, 19 trocas já foram realizadas. De todas as demissões, a mais simbólica foi a de Ramón Díaz, que deixou o Botafogo sem sequer ter estreado.
— Não existe bonzinho e nem vilão nesta relação — atesta o técnico Argel Fucks, hoje sem clube. — O profissional procura estabilidade. E hoje, no futebol brasileiro, o treinador não pode nem alugar um apartamento. Porque a média de duração nos clubes é de três meses.
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Argel foi alvo de críticas ao trocar o CSA pelo Ceará na reta final do Brasileiro do ano passado. As duas equipes lutavam contra o rebaixamento. No fim, o clube cearense escapou da degola e o alagoano foi rebaixado. O técnico foi acusado de traição pelo presidente Rafael Tenório.
— Foi uma proposta irrecusável financeiramente. No CSA, nunca houve contrato. Era um acordo verbal. Ao fim do Brasileiro, se o time caísse eu podia ser mandado embora. No Ceará, me ofereceram um contrato válido até dezembro de 2020 com multa rescisória. Era uma garantia. Quando você estipula ou não uma multa, isso vale para os dois lados — explicou Argel.
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A saída de Odair do Fluminense foi mais amistosa. Em nota oficial, o clube agradeceu pelo trabalho do técnico (56% de aproveitamento em 50 jogos) e desejou sucesso na próxima empreitada. O treinador devolveu a cordialidade e falou em gratidão.
“Após 50 jogos completados em meio a uma temporada absolutamente atípica no futebol mundial, deixo o Fluminense com o sentimento de gratidão e a sensação de ter cumprido com o meu dever”, disse Odair
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Apesar da preocupação em relação ao futuro da equipe no Brasileiro, não se pode dizer que a torcida ficou triste com o adeus. O estilo de jogo, que priorizava a marcação, e as eliminações na Copa do Brasil e na Sul-Americana pesavam em sua avaliação. A cada sequência de resultados negativos, havia pressão para sua demissão.
—Tudo é parte de um processo de amadurecimento. Com essas eventuais saídas, os clubes precisam entender que devem ter mais convicção ao contratar treinadores. No momento em que fizerem isso, não vão querer perdê-los e farão contratos mais estáveis — conclui Uram.