Na seca de títulos do Flamengo, Diego cai em armadilha criada por sua própria virtude

Em clubes onde impera a ansiedade por títulos, onde se busca a linha de chegada antes de se definir o caminho, é natural eleger um vilão a cada frustração. No lugar de discutir ideias, é mais cômodo personalizar, dar nome e sobrenome a cada tropeço.

ANÁLISE: Desafio do Flamengo após queda é perceber que evoluiu

Desde que chegou ao Flamengo, Diego fez muito mais partidas boas do que ruins. Já conduziu o time a campanhas de alto nível e a outras em que contribuiu menos. E, é justo reconhecer, viu sua trajetória ter a marca de erros em lances emblemáticos, como os pênaltis perdidos na final da Copa do Brasil contra o Cruzeiro ou diante do Athletico, nas quartas.

VEJA: Diego treina e bate pênaltis como contra o Athletico? Checamos!

Mas o personagem Diego e sua relação com o Flamengo permitem uma abordagem mais ampla. Afinal, refletem o quanto o poder absoluto do resultado condiciona avaliações, mesmo quando se segue cartilhas tidas como infalíveis. Na teoria, Diego seguiu o manual de instruções que o senso comum estabeleceu para a construção de um jogador querido pelo público. E, certamente, ele o é para boa parte dos rubro-negros. Mas o contexto de que fez parte o transformou em símbolo de uma era em que o Flamengo vem falhando em sua busca quase patológica por romper seu jejum de conquistas de primeira linha.

Diego na partida contra o Athletico Foto: MARCELO THEOBALD / Agência O Globo
Diego na partida contra o Athletico Foto: MARCELO THEOBALD / Agência O Globo

Dizem o senso comum e os velhos clichês que torcedores apreciam jogadores que "chamem o jogo", "deem a cara após derrotas", "dialoguem com a arquibancada", "defendam o clube". Pois Diego fez tudo isso desde 2016, quando um aeroporto lotado o recebeu. Talvez ali tenham se plantado as sementes da complexidade de seu personagem.

MANSUR: Pausa da Copa América cria expectativas irreais e frustrações

Sua chegada virou o evento de celebração da definitiva afirmação do Flamengo como clube capaz de atrair jogadores de alto nível. Mas a nova realidade trazia também expectativas de que o dinheiro iria assegurar taças. Ao assumir a linha de frente como porta-voz do time e do clube a cada título que escapava, o meia de discurso sempre politicamente correto terminou por ter sua imagem vinculada à sucessão de expectativas frustradas. E mais, num período em que o Flamengo exibe apetite voraz do mercado, Diego é o único jogador de peso a ter atravessado toda a nova era do clube. No fim, a crueldade da cultura de resultados transformou uma grande virtude, a de não se esconder em campo e fora dele, numa traiçoeira armadilha.

LEIA MAIS: Diego não tem sido decisivo no Fla mesmo jogando bem

O futebol em que jogadores mudam de clube freneticamente desenvolveu no público uma curiosa intolerância a conviver longamente com jogadores que não lhe entreguem taças. Por mais que mantenham um bom nível técnico e uma boa conduta.

Diego acabara de ter excelente atuação contra o Athletico antes de ser um dos três rubro-negros a falhar nos pênaltis. Mas foi justamente ele o alvo de uma agressão: um copo de cerveja jogado por um torcedor.

É possível ter diversas avaliações do futebol de Diego: argumentar que ele prende a bola ou até que a expectativa que sua chegada gerou tenha sido exagerada. O que chama atenção é como sua passagem pelo clube reflete um comportamento atual. Nível de jogo e postura à parte, o desgaste parece inevitável nos dias atuais. Há quem olhe para Diego e enxergue o rosto de uma fase árida em troféus. Mesmo que a culpa não seja dele.

Os limites da ousadia

Para o torcedor brasileiro, a ousadia do vizinho é mais poética. A do seu time, é bem-vinda até a primeira derrota.

Foi intenso o coro de que o Flamengo de Jesus “atacou sem necessidade” o Athletico. É a reação habitual sempre que times arrojados perdem. Aponta-se o dedo para a ideia no lugar de avaliar contexto e execução. O Flamengo não caiu da Copa do Brasil por atacar, mas por erros naturais de adaptação a um modelo que só existe há três jogos. Um sistema que impõe alta exigência física num calendário duro como o brasileiro.

Enquanto Jorge Jesus decifra seu elenco e o ambiente competitivo do país, o Flamengo vive seu paradoxo. Quer títulos para ontem, mas contratou um ótimo técnico que, no entanto, tenta implementar hábitos contraculturais numa fase do calendário em que erros custam mais do que vitórias, custam campeonatos. A melhora do time é nítida, mas há uma corrida contra o tempo pela frente.

Fonte: O Globo
publicidade
publicidade