MP-RJ denuncia Bandeira de Mello e mais 10 por "incêndio culposo" no Ninho
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou à Justiça 11 pessoas pelo crime de incêndio culposo qualificado pelos resultados morte e lesão grave, todas elas apontadas como responsáveis pela tragédia que vitimou 10 garotos no Ninho do Urubu. Na lista está Eduardo Bandeira de Mello, ex-presidente do
Flamengo
.
Além do ex-mandatário, Antonio Marcio Garotti (ex-diretor financeiro do Fla), Carlos Renato Mamede Noval (atual diretor de transição do Fla), Marcelo Maia de Sá (ex-diretor de obras do Fla), Luiz Felipe Almeida Pondé (ex-engenheiro do Fla), Claudia Pereira Rodrigues (diretora da NHJ, fabricante dos contêineres), Weslley Gimenes (engenheiro da NHJ), Danilo da Silva Duarte (engenheiro da
NHJ
) Fabio Hilário da Silva (engenheiro da
NHJ
), Edson Colman da Silva (técnico de refrigeração) e Marcus Vinicius Medeiros (monitor) são os demais nomes.
Na ação ajuizada, o MP descreve irregularidades cometidas e aponta desobediência a sanções administrativas impostas pelas autoridades e descumprimento de normas técnicas regulamentares.
O órgão verificou irregularidades como "ocultação das reais condições ante a fiscalização do Corpo de Bombeiros, contratação e instalação de contêiner em discordância com regras técnicas de engenharia e arquitetura para servirem de dormitório de adolescentes, inobservância do dever de manutenção adequada das estruturas elétricas que forneciam energia ao aludido contêiner, inexistência de plano de socorro e evacuação em caso de incêndio e, dentre outras, falta de atenção em atender manifestações feitas pelo MPRJ e o MPT a fim de preservar a integridade física dos adolescentes".
Imagem: Folhapress
O MP rechaçou também a existência de fatores externos como as causas pela tragédia, culpando exclusivamente os responsáveis pelo clube. Na noite da tragédia, uma tempestade caiu sobre o local do CT, o que foi apontado por muitos como a causa para um eventual curto circuito nos aparelhos de ar condicionado do alojamento provisório.
"Há que se salientar que as condutas dos denunciados ao longo do tempo foram a causa única e eficiente para a ocorrência do incêndio de grandes proporções que resultou direta e consequentemente na morte dos dez adolescentes e ferimentos graves em outros três, todos atletas da categoria de base do
futebol
da referida Agremiação Esportiva, não tendo concorrido para o evento nenhuma condição de caso fortuito ou força maior a afastar a responsabilidade penal na hipótese. Por meio da ação dos denunciados foram disponibilizadas estruturas de contêineres - adequadas apenas para atividades diurnas - para que fosse realizado o repouso noturno de seus jovens atletas, sendo certo que tais contêineres eram inadequados para pernoite, deixando assim de observar as normas técnicas devidas, incrementando o risco do resultado por imperícia. Assim é que o Clube de Regatas do Flamengo dotou o Centro de Treinamento de investimentos vultosos em infraestrutura entre 2012 e 2019, mas continuou mantendo os jovens atletas da base em contêineres", informou o promotor Décio Luiz Alonso Gomes, do Grupo de Atuação Especializada do Desporto e Defesa do Torcedor (
GAEDEST
), em sua denúncia, que foi obtida com exclusividade pelo
UOL Esporte
.
Ao fim do processo, os denunciados estão sujeitos a penas de detenção, de 1 ano e 4 meses a 4 anos, com aumento de pena de um sexto até a metade. Não há, no entanto, previsão do cumprimento em regime fechado, cabendo, no máximo, o semi aberto. O Ministério Público ainda irá colher o depoimento de 53 pessoas, dentre elas o presidente Rodolfo Landim, o vice Rodrigo Dunshee, o CEO Reinaldo Belotti, o ex-vice de Patrimônio Alexandre Wrobel, além de sobreviventes do incêndio.
Por meio de nota, o Flamengo informou que "está acompanhando o processo judicial envolvendo a eventual responsabilização criminal pelo incêndio do Ninho do Urubu e tomou conhecimento do oferecimento da denúncia pelo MP". O clube acrescentou que "está à disposição da Justiça, como sempre esteve, e acredita que será feita justiça".
Fla sabia dos riscos
Imagem: Folhapress
Em 9 de setembro de 2020, reportagem do
UOL Esporte
revelou que o Fla tinha conhecimento dos riscos de incêndio no Ninho
. Correspondências internas trocadas entre os então responsáveis pelo dia a dia do CT mostraram aos dirigentes do Flamengo as "não conformidades" das instalações e "suas gravidades", demonstrando que os seguidos autos de infração da Prefeitura não eram os únicos problemas para o funcionamento do lugar como dormitório.
Os problemas na parte elétrica foram verificados semanas antes. A partir disso, foi chamado um técnico de segurança do trabalho do clube para a realização de uma inspeção no local. Tal visita ocorreu no dia 10, com novo relatório técnico feito no dia seguinte e enviado a responsáveis rubro-negros.
O documento de 27 de março de 2019, assinado pela Anexa Energia, foi elaborado após vistorias realizadas nos dias 19 e 26 daquele mês. A empresa foi contratada pelo Flamengo para produzir um parecer após a tragédia que tirou a vida de dez jovens atletas do clube e analisar o restante das instalações do Ninho do Urubu. Utilizado pelo time profissional à época e festejado com um dos espaços mais modernos do continente, o prédio apresentava diversos riscos.