Já não falta a Copa do Brasil ao período mais glorioso do Flamengo desde a era Zico

Não é exatamente um ciclo que se fecha. Primeiro porque há uma final de Libertadores por jogar em nove dias, e depois porque pouca coisa indica que esta era de conquistas do Flamengo, iniciada em 2019, vá se encerrar por aqui. O caso é que este período ganhador, o mais farto desde o início dos anos 80, tem agora a taça que faltava – ao menos levando em conta que o Mundial é, hoje, de difícil alcance para não europeus. A Copa do Brasil consolida ainda mais nomes como Filipe Luís, Éverton Ribeiro, Gabigol e Arrascaeta, presentes nas conquistas das últimas quatro temporadas, como personagens da história do Flamengo. Por vezes, é preciso tempo para ter a dimensão exata do que determinados jogadores representam. Os títulos e o futebol deles parecem dispensar um período de assimilação de seus feitos.

Flamengo campeão da Copa do Brasil — Foto: Andre Durão
1 de 1 Flamengo campeão da Copa do Brasil — Foto: Andre Durão

Flamengo campeão da Copa do Brasil — Foto: Andre Durão

Grande parte dos prognósticos indicava que o rubro-negro tinha mais chances de vencer a Copa do Brasil. Mas raras eram as previsões de que aquele Maracanã abarrotado viveria tamanha montanha russa de emoções. Passar da euforia inicial ao êxtase no pênalti de Rodinei exigiu atravessar 90 minutos que, por vezes, pareceram intermináveis. O Maracanã estranhou aquele Flamengo que não era dominante, que não controlava a bola. Houve doses de apreensão, momentos em que o estádio silenciou como se sentisse algo próximo de uma impotência, outros em que tentou sair ao resgate de um time que viveu apuros no jogo. Até Gabigol converter seu pênalti e comemorar de uma forma quase ensandecida, claramente para despertar o gigante. O longo grito de gol e até de alívio após o chute de Rodinei encerrou a noite.

Por falar no Maracanã, este virou mesmo um cenário de beleza e caos. É lindo o que acontece lá dentro numa decisão como esta. Mas é inaceitável que o preço para vivenciar tamanho espetáculo seja uma experiência violenta, apavorante. Seja para entrar ou para sair, é preciso resistir entre agressões, bombas de gás, sprays de pimenta, tiros de borracha. No anunciado plano contra invasões, é difícil dizer o que não funcionou desta vez. O fato é que, até hoje, tudo o que se tentou deu errado. Havia setores superlotados dentro e batalhas campais no entorno. Para muita gente, o que inclui muitas crianças, a noite será mais lembrada pelo pânico do que pela glória.

O fato é que, em campo, o Flamengo ganhou uma decisão cujo desfecho podia interferir na outra final que lhe resta. Se olharmos a decisão da Copa do Brasil como um fim em si mesmo, o rubro-negro saiu do Maracanã com o que foi buscar: a taça. Se olharmos para o contexto da temporada, pensando na Libertadores que está por ser decidida, é curioso como o jogo termina entre a glória da conquista e as dúvidas sobre o desempenho. Ainda que seja preciso ponderar: a exceção do gol quase feito que Róger Guedes perdeu, foram do Flamengo as melhores oportunidades, além de dois gols anulados por questão de centímetros. Ou seja, o resultado é justo. E, diga-se, dentre todos os confrontos da temporada entre os rivais, o time de Dorival Júnior se viu diante da melhor versão do Corinthians.

O gol de Pedro, logo aos seis minutos, pode ser visto apenas sob a ótica do talento. O que não deixa de ser apropriado, tamanha a beleza da combinação entre Arrascaeta, Éverton Ribeiro e o centroavante. Mas tinha a ver também com o posicionamento de Arrascaeta, buscando o lado esquerdo, bem aberto. Com a aproximação de Filipe Luís, atraíam Fágner e Gil, abrindo espaços na linha de cinco defensores, cartada de Vítor Pereira para o jogo. Foi no espaço que Pedro penetrou.

A partir daí, haveria um primeiro tempo em que nenhum dos lados parecia inteiramente confortável. Ao adotar a defesa de cinco homens, com Fábio Santos de zagueiro e Lucas Piton de ala, o Corinthians liberava Róger Guedes e Yuri Alberto da recomposição. A consequência foi perder peças à frente da área e os meias do Flamengo tinham certa liberdade quando o time chegava ao campo ofensivo. Era como se o Corinthians, por vezes, sofresse do mesmo problema do Flamengo: um meio-campo com dificuldade de preencher a largura do campo.

Por outro lado, Vítor pretendia abrir o campo, ter alas quase pisando as linhas laterais para explorar justamente a dificuldade do meio-campo rubro-negro de defender os lados. Este é um efeito colateral do losango, desenho mais claramente visível a partir do momento em que a equipe foi defender sua vantagem.

O Corinthians encontrava as inversões de bola, aos poucos ia acumulando mais posse, mas agredia pouco. Insinuava por onde incomodaria o Flamengo, mas não chegava a ameaçar. Por outro lado, cedia espaços que o talento rubro-negro transformava em chances. Por 30 minutos, o time da casa foi claramente melhor. Teve uma chance com Arrascaeta e o gol anulado de Gabigol.

Mas o esforço de Thiago Maia, Vidal e Éverton Ribeiro para cobrir tantos espaços foi cobrando uma conta. O Flamengo não desarmava com tanta rapidez e tinha imensa dificuldade de sair jogando por mérito da pressão corintiana. E este Flamengo, aliás, fica imensamente desconfortável defendendo em seu próprio campo.

A situação se agravaria na segunda etapa, quando Vítor Pereira tirou Piton e colocou Adson. O Corinthians voltou ao 4-3-3 e arriscou, fazendo seus laterais combinarem com os pontas. Cedia espaços, mas expunha definitivamente a dificuldade defensiva do Flamengo. O que sustentava o rubro-negro era a ótima atuação de Filipe Luís e dos zagueiros, em especial David Luiz.

Como recorria frequentemente a bolas longas, sem vantagem, o Flamengo jogava um segundo tempo em que teria só 28% de posse. Suplantado no duelo tático, tinha talento suficiente para aproveitar os espaços cedidos por um Corinthians que precisava do gol. Arrascaeta quase marcou em passe de Gabigol, que perderia outra ótima chance. Em seguida, viria o outro gol anulado.

Mas os homens de frente, os mais talentosos, cada vez se viam mais obrigados a ajudar a defender e o Flamengo fisicamente sentia o esforço. Dorival tomou decisões surpreendentes: manteve o losango e se apegou a ele de tal forma que tentou adaptar Matheuzinho pelo lado esquerdo, na vaga de um esgotado Vidal. Não funcionava. Dorival ainda pareceu ter esperado demais para oferecer ao time o escape de velocidade de que precisava: Éverton Cebolinha só entrou aos 77 minutos, quando o Flamengo mudou seu desenho: recorreu ao 4-4-2 para tentar sair de trás com Matheuzinho na direita e Cebolinha na esquerda. Como futebol é traiçoeiro, levou o gol de empate quatro minutos depois. O Corinthians tinha controle, volume, mas nem tantas chances claras até Giuliano condenar a decisão à marca do pênalti.

A partir daí, o Flamengo era tão tenso quanto o Maracanã. Para completar o cenário, a sensação de que uma grande frustração estava a caminho, Filipe Luís foi o primeiro a errar a cobrança. Pois Fágner errou, Gabigol reacendeu a torcida, Vital errou por muito o gol de Santos e Rodinei encerrou a decisão. A taça que faltava, já não falta mais. Um dos períodos mais gloriosos da história rubro-negra segue seu curso.

Fonte: Globo Esporte
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