Há 30 anos, Flamengo contratava o melhor jogador do mundo: "Eu não faria diferente", diz Romário

No dia 14 de janeiro de 1995, um evento marcou a história do futebol brasileiro. Naquela data, Romário desembarcou no Rio de Janeiro para ser apresentado como jogador do Flamengo, dias antes de ser eleito pela Fifa o melhor jogador do mundo em 1994, ano em que ajudou a Seleção a conquistar a Copa do Mundo.

O desembarque do craque causou comoção pelas ruas da cidade, com desfile em carro aberto, caracterizado com a marca de um dos parceiros do Flamengo na contratação, e torcedores espalhados à espera de um aceno de Romário. A decisão do jogador de deixar o Barcelona no auge de carreira tinha um propósito.

- Vou te falar a verdade, depois de 30 anos, olhando para trás, eu não faria diferente. Eu troquei a minha possibilidade de ganhar mais dinheiro para ser mais feliz. E consegui - afirmou Romário, em entrevista à TV Globo.

Chegada de Romário ao Flamengo em 1995 — Foto: AFP

A ideia da volta de Romário ao Brasil nasceu logo depois da Copa do Mundo de 1994, quando ele estava de férias no Rio de Janeiro e demorou mais tempo do que o Barcelona esperava para voltar aos treinamentos na Espanha. O Baixinho percebeu a idolatria do torcedor brasileiro e começou a pensar na possibilidade de jogar novamente em sua cidade natal.

Em conversa com o jornalista Gilmar Ferreira, que participa da mesa do "Redação sportv" e escreveu um livro lançado apenas na Holanda sobre Romário justamente nessa época, o jogador confessou esse desejo. Dois meses antes da eleição do Flamengo, Gilmar confidenciou o fato a Kleber Leite, então um dos candidatos no pleito.

Edição de "O Globo" do dia 31 de janeiro de 1995: "Romário é eleito o melhor do mundo" — Foto: Acervo O Globo

- O Romário me ligou, falou que queria voltar ao Brasil e que tinha um plano. Esse plano se dava de forma muito bem construída e engenhosa na cabeça dele. Ele tinha um milhão (de dólares) do patrocinador esportivo dele, um milhão de uma empresa de refrigerante que o patrocinava, um milhão do governo do Rio de Janeiro, do qual seria o maior garoto-propaganda, na cabeça dele, e o clube que o contratasse precisaria colocar mais 1,5 milhão. Em 1994, um dólar valia um real. Eu falei: "Não tem problema, mas o único clube que vai ter condição de te contratar é o São Paulo". Ele disse: "Mas não tenho parente em São Paulo, quero voltar para o Rio de Janeiro" - contou Gilmar.

De Kleber Leite, o jornalista ouviu a promessa de que, se o dirigente vencesse a eleição, Romário seria contratado pelo Flamengo. Mas Kleber e o Baixinho não se falaram até que o jogador desembarcou para dias de folga no recesso de fim de ano.

No dia 22 de dezembro, Romário chegou ao Rio de Janeiro e participou da despedida de Luisinho Tombo. No dia seguinte, encontrou Gilmar na praia da Barra da Tijuca e seguiu para o escritório de Kleber na Zona Sul do Rio. Ainda com areia nas pernas, de short e descalço, ele sentou para conversar com o dirigente e deixou tudo acertado.

Até então, apenas quatro pessoas ligadas ao Flamengo sabiam da negociação. Além de Kleber, os outros eram Michel Asseff, Plinio Serpa Pinto e Mauricio Menezes, todos da diretoria. Já empossado presidente no começo de janeiro de 1995, Kleber embarcou para Barcelona na expectativa de convencer Joan Gaspart, vice-presidente do clube espanhol e homem forte do futebol na época, a aceitar a vontade de Romário e a proposta do Flamengo.

Kleber sentou em uma sala à espera do dirigente. Gaspart desdenhou inicialmente da tentativa de contratação, até que o presidente do Flamengo fez a pergunta: "Se eu quiser contratar o Romário, tenho que pagar quanto?". Atônito, o espanhol respondeu: "4,5 milhões de dólares". Kleber rebateu imediatamente: "Amanhã, o dinheiro estará na conta do Barcelona".

Kleber Leite disse, em 1995, que contratação de Romário saldaria dívidas do Flamengo — Foto: Reprodução/O Globo

Cinco parceiros foram necessários na negociação: Umbro, então fornecedora de material esportivo do Flamengo, Banco Real, BarraShopping, Brahma e a prefeitura do Rio, na época comandada por Cesar Maia, torcedor do Botafogo. Kleber concluiu a operação e acertou a contratação do jogador.

- Houve um movimento muito grande dentro de uma estrutura de marketing entre empresas. Foi desenhada uma coisa que fez com que o Baixinho achasse essa ideia interessante. Não fosse a firmeza dele, teria sido humanamente impossível se chegar a um lugar comum. É um jogo em que você entra, tem uma dificuldade muito grande, suas possibilidades não são grandes, e você acaba conseguindo vencer. O Romário foi o veículo de uma revolução no Flamengo - afirmou Kleber.

O desfile em carro aberto teve momentos marcantes. A cena do humorista Bussunda - que morreu na Alemanha durante a Copa do Mundo de 2006 - com o filho no colo acenando para Romário é inesquecível para Kleber e Michel Asseff. Esposa do jogador na época, já em processo de separação, Monica Santoro confessou ter sido contra, mas percebeu no fim que ele precisava viver aquele momento.

- Desde que fui morar na Holanda, a minha ideia era criar os filhos na Europa o quanto desse. Mas foi muito curto, principalmente em Barcelona. Tinha a perspectiva de uma vida mais tranquila fora do Brasil. Acho que ele viveu ali (no Flamengo) como um grande ídolo, recebeu mais de perto esse retorno de toda a carreira dele. Acho que ele estava mais nervoso pela situação da separação, com mais polêmica por outros lados, de mais confusão, mas acredito que foi muito feliz, principalmente vestindo a camisa do Flamengo. Com certeza, realizou um sonho dele - comentou Monica.

Romário vai completar 59 anos no dia 29 de janeiro. Hoje, ele se divide entre o trabalho como senador e o cargo de presidente do America, clube de coração de seu pai, Edevair. As lembranças do dia da carreata seguem vivas. Com a camisa do Flamengo, ele conquistou o título invicto do Campeonato Carioca de 1996, o Carioca de 1999 e a Copa Mercosul de 1999, além da Copa dos Campeões Mundiais em 1997. Sua despedida aconteceu em 1999, depois de uma polêmica em Caxias do Sul, quando acabou sendo demitido pouco antes da final da Copa Mercosul.

- Eu vim atrás de ser feliz. Sabia da minha responsabilidade de vestir a camisa do Flamengo. Quando se fala do Flamengo, não tem como não falar do Zico, hoje do Gabigol, do Arrascaeta, lá atrás de Zico, Nunes, Leandro, Júnior, essa galera que deu uma cara ao Flamengo diferente, mas também sei da minha importância de ter vestido essa camisa, da honra que tive. Fui muito feliz no Flamengo. Com certeza, isso não tenho como negar. Eu tenho essa história para contar - afirmou Romário.

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Fonte: Globo Esporte