Fluminense bateu a Inter de Milão e a resenha mais chata desta Copa

O Mundial de Clubes da Fifa virou, entre tantas coisas, uma grande montanha-russa emocional para o torcedor brasileiro. Já teve abraço coletivo de rivais torcendo uns pelos outros — sim, isso aconteceu —, torcida do Palmeiras gritando “vamos Fogão” e flamenguista abrindo exceção para apoiar o Fluminense (mas só por três dias, com data de validade e tudo). Teve golaço, zebra, calafrios e surpresas. Mas teve também, claro, a parte que mais nos representou: o debate eterno sobre qual vitória vale mais.

E no meio de tanta discussão, apareceu o Fluminense das oitavas de final. Contra uma das equipes mais fortes da temporada na Europa, a Inter de Milão, o time carioca venceu com autoridade e jogou com inteligência. A vitória por 2 a 0, merecida do primeiro ao último minuto, virou mais do que um simples resultado: foi a resposta em campo a todo o ruído fora dele. Porque, se até aqui o Mundial parecia um concurso de estilo, o Fluminense mostrou que é possível fazer tudo certo — fechar quando precisa, atacar com personalidade, e sair com a vitória sem dar espaço para poréns.

Poréns que, pasmem, começaram quando o Botafogo venceu o PSG. Um feito histórico, sem asterisco. Campeão da Champions, arsenal de craques em campo, três pontos garantidos com raça, suor e um plano que funcionou. Mas bastou o dia seguinte pra surgir uma nova batalha — não nos gramados, mas nas redes, nos grupos de WhatsApp e nas mesas de bar: o “ranking das vitórias mais puras”. Começaram a comparar com o Flamengo, que havia despachado o Chelsea com toques refinados e um amasso digno de repertório europeu. A provocação? O Botafogo jogou “retranqueiro”. E o amasso rubro-negro foi mais “legítimo”.

Botafogo é o oitavo time a vencer o PSG na temporada — Foto: Vitor Silva/Botafogo.
Botafogo é o oitavo time a vencer o PSG na temporada — Foto: Vitor Silva/Botafogo.

Virou moda achar que existe uma maneira mais nobre de ganhar do que outra. Uma espécie de gourmetização da vitória. Como se o valor da façanha tivesse que passar por uma curadoria estética liderada por Pep Guardiola. A obsessão pela forma agora tenta rebaixar o conteúdo. E isso, cá entre nós, é perder tempo demais com manual de instrução quando a gente devia estar celebrando a máquina funcionando.

Flamengo venceu Chelsea-ING por 3 a 1 pela segunda rodada da Copa do Mundo de Clubes — Foto: David Ramos / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP
Flamengo venceu Chelsea-ING por 3 a 1 pela segunda rodada da Copa do Mundo de Clubes — Foto: David Ramos / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Chegou ao ponto de até o Flamengo, que atropelou o Chelsea com intensidade e alegria, ser alvo de crítica. Porque o Chelsea de 2025 não seria “bom o suficiente”. Ué? A obrigação agora é o europeu jogar bem pra o brasileiro poder ganhar com dignidade? A preocupação parecia maior em salvar a imagem da Europa do que em exaltar o feito do time brasileiro.

Passou o Bayern x Flamengo. E a discussão seguiu acalorada. Uns viram um jogo competitivo, com entrega e coragem. Outros acharam que o Flamengo foi engolido e que nada se salva. E a pergunta que fica é: por que tem que ser tudo oito ou oitenta? Não dá pra reconhecer que o Bayern foi melhor e ainda assim valorizar o que o Flamengo construiu até ali? Dá, sim. E também dá pra apontar onde o time falhou, mesmo ele mantendo sua identidade e encarando o jogo com ousadia. Se não é galhofa, zoeira e provocação de segunda-feira, análise não precisa ser torcida organizada. Pode ter nuance, pode ter meio-termo. Pode ter bom senso, inclusive.

Se antes achávamos que sairíamos todos muito derrotados deste Mundial, parecia, até a classificação tricolor, que o brasileiro não se satisfez em vencer seus duelos, em construir seus feitos. Só vale se ganhar com aplausos, com nota 10 do júri técnico e ainda encerrar o debate com a verdade absoluta. É o sujeito que não quer só os três pontos, mas quer também dizer “eu avisei”, “o meu jeito é melhor”, “o meu time venceu mais bonito”. No fundo, queremos vencer até o VAR do argumento. Vencer o placar e o pós-jogo. Vencer a narrativa. Vencer o dicionário.

E então surgiu o Fluminense. E encerrou — ao menos por uma noite — essa discussão cansativa.

Contra a Inter de Milão, vice-campeã da Itália e da Europa, favorita, poderosa, o tricolor fez 2 a 0. Sem “mas”, sem “embora”, sem "porém". E com, óbvio, mais bola na rede do adversário do que na sua. Fez o jogo perfeito: soube fechar quando era preciso, resistiu quando o adversário tentou impor força, e soube atacar com o que tem de melhor — coragem, bola no chão, passes rápidos, talento coletivo. O Flu não se acovardou, mas também não foi kamikaze. Foi maduro, consciente e, no fim, brilhante. E por isso se classificou para as quartas de final. Com mérito e com beleza.

É a vitória que quebra o algoritmo do debate. Porque foi “bonita” e “estratégica”. Porque não permite que alguém diga que só venceu porque se trancou ou que só encantou porque o rival era fraco. Ou que só perder por conta dos erros individuais, ou do abismo econômico. Não. O rival era forte. Os acertos foram tricolores. O abismo, de certa forma, foi atravessado.

Talvez agora a gente possa, enfim, parar de tentar empacotar vitórias em rótulos. Parar de disputar qual estilo merece mais palmas. Futebol não é só debate de tese. É jogo. É bola na rede. É alegria, é loucura, é lágrima. E às vezes, é retranca. Em outras, é toque de primeira. E às vezes é só sorte. Tá tudo certo.

Vitória boa é aquela que faz o coração disparar — não a que precisa de debate para valer. E por mais que a gente saiba que o sommelier de glória, o analista de fracasso, sempre volta na próxima rodada, hoje, por enquanto, ele só aplaudiu. E isso, por si só, já é outra vitória. Que venham as quartas.

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Fonte: O Globo
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