Os critérios de distribuição das receitas de audiência dos jogos pagos pela TV Globo aos clubes da Libra estão no centro de um intenso litígio entre o Flamengo e a associação de clubes. O rubro-negro alega que o estatuto do grupo carece de clareza em relação aos percentuais, enquanto a entidade refuta a ideia de que o acordo, assinado por todos os clubes membros, seja omisso sobre o tema. Documentos obtidos revelam as divergências entre as partes envolvidas.
Decisão judicial e bloqueio de repasses
Há menos de duas semanas, o Flamengo conquistou uma liminar na Justiça do Rio que bloqueou o repasse da parcela de setembro, no valor de R$77 milhões, que a Globo deveria pagar aos clubes da Libra. Essa quantia refere-se à fatia de 30% dos direitos de TV do Brasileirão, oriundos da audiência. A decisão foi proferida pela desembargadora Lúcia Helena do Passo, da 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, determinando que os valores sejam depositados em juízo. O caso será resolvido por arbitragem na Câmara de Mediação e Arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Em resposta, a Libra também entrou com uma ação para derrubar a liminar.
Acordo milionário e divisão das receitas
Em março do ano passado, os clubes da Libra anunciaram um acordo com a TV Globo no valor superior a R$1 bilhão — com a saída do Corinthians, o montante gira em torno de R$1,17 bilhão — por ano até 2029. O estatuto da entidade foi aprovado por todos no final de 2024. No Anexo I, está detalhado o cálculo da divisão dos valores: 40% da receita total (R$468 milhões) é repassada de forma igualitária aos nove clubes da liga, 30% (R$351 milhões) são distribuídos conforme a classificação no Brasileiro (o campeão, por exemplo, recebe 9,5%) e os outros 30% (R$351 milhões) são baseados na audiência.
Divergências nos cálculos de audiência
O cálculo da audiência considera o número de espectadores de cada time em jogos como mandantes e visitantes em todas as plataformas da Globo. A soma é dividida por dois e, em seguida, novamente dividida pelo total de espectadores de todos os jogos da Série A. Cada plataforma tem um peso diferente: TV aberta, 60%; Pay-per-view, 35%; e Sportv, 5%. A Libra realiza essa conta bimestralmente e a envia à TV Globo para os repasses — até o bloqueio, três repasses foram feitos seguindo essa metodologia. Na matemática da Libra, o Flamengo ficou com 20,41% do montante, o que representa quase R$16 milhões da parcela bloqueada. No total, o clube deve receber pouco mais de R$70 milhões referentes à audiência, além de cerca de R$50 milhões divididos igualmente e, caso mantenha a posição atual na tabela da Série A, mais R$31,9 milhões. Isso pode resultar em um total que ultrapassa os R$155 milhões.
Reivindicações do Flamengo e propostas de alteração
O Flamengo argumenta que a fórmula utilizada para determinar a divisão não foi aprovada por unanimidade, o que tornaria os repasses ilegais. O clube carioca judicializou a questão, baseando-se na interpretação de uma possível falta de transparência nos percentuais de distribuição. Para o Flamengo, o percentual justo seria de cerca de 30%, o que equivaleria a mais de R$100 milhões anuais. Apesar de ter assinado o estatuto na gestão anterior de Rodolfo Landim e na primeira Assembleia Geral da Libra, em fevereiro deste ano, sob a liderança de Bap, o dirigente, por meio de um representante, solicitou que a entidade elaborasse cenários distintos de distribuição e propôs alterações no documento durante a reunião de maio.
Propostas e assembleias
Na reunião, a Matos Projects, empresa responsável pela execução do contrato com a TV Globo, apresentou a metodologia utilizada para mensurar a audiência conforme o critério estabelecido no estatuto. O Flamengo sugeriu que o cálculo fosse baseado no número de cadastros de rubro-negros no Pay-per-view, incluindo o percentual da TV aberta. O clube considerou que isso era apenas uma interpretação diferente, mas, como a palavra "cadastro" não constava na redação do Anexo I, houve discordância entre os clubes e a empresa contratada. Assim, a proposta do Flamengo deveria ser votada por todos os associados e aprovada de forma unânime, conforme prevê o documento. O clube carioca pediu um tempo para convencer os demais de seus argumentos, e a assembleia só foi retomada em agosto, devido à Copa do Mundo de Clubes.
Trégua oferecida e recusada
No final de agosto, apenas Flamengo e Volta Redonda (que não faz parte dos times da Série A) votaram a favor da mudança do texto do Anexo I do estatuto. O Flamengo ainda propôs outro cenário de mensuração da audiência para 2026, que seria um meio-termo: os 35% referentes à audiência do Pay-per-view passariam a ser medidos pelo número de cadastrados por clube. Para apaziguar os ânimos, o diretor jurídico da Libra, André Sica, que soube que o Flamengo havia notificado a TV Globo para suspender os repasses, ofereceu uma trégua ao rubro-negro. Conforme a ata da assembleia, Sica propôs que o Flamengo se comprometesse a não tomar medidas prejudiciais ao bloco, em troca de uma discussão sobre eventuais mudanças nos critérios de distribuição de receitas, a ser deliberada e votada ainda em outubro deste ano. Contudo, essa mudança só valeria a partir de 2026.
Reunião do Conselho Deliberativo
Ciente da proposta, o Flamengo afirmou que consultaria o Conselho Diretor e retornaria com uma posição até o dia 1º de setembro, mas antes disso, entrou com um pedido de liminar. O clube perdeu em primeira instância, mas, às vésperas do pagamento da parcela de setembro, obteve vitória na segunda instância e conseguiu o bloqueio dos repasses. O Flamengo optou por não se pronunciar sobre o assunto.
Possível saída da Libra
A diretoria rubro-negra convocou o Conselho Deliberativo para uma reunião hoje, às 18h, com o intuito de discutir as divergências com a entidade sobre a divisão das receitas obtidas com a audiência dos jogos. A partir do que for apresentado no encontro, os conselheiros não descartam questionar a atual gestão ou a administração anterior do clube. Segundo informações, o presidente Luiz Eduardo Baptista, o Bap, pretende comunicar aos conselheiros que não abrirá mão dos valores que acredita serem de direito e até considera o rompimento com a Libra, passando a negociar seus direitos de TV de forma independente.