Fla-Flu e os europeus: pobre do colunista que analisa o futebol por causa do resultado

Pobre do colunista que analisa o futebol por causa do resultado. Ele diz uma coisa hoje, só para ser desdito amanhã, pelo placar da outra partida. No domingo, o futebol brasileiro estava cuspido e acabado, porque o Flamengo foi goleado pelo Bayern de Munique. O melhor da América do Sul, o mais rico, da melhor gestão, evidenciou a diferença que há entre nós e eles. Na segunda-feira, o Fluminense vence a Inter de Milão. Sorte que minha coluna mudou de dia.

Começo o texto por aí, não por acaso, para lembrar que teses não se criam a partir de um jogo ou dois. Qual é o princípio? Lembrado, aliás, por Renato Gaúcho na provocação após a vitória sobre os italianos. Que o dinheiro é importante para determinar o vitorioso de um confronto, mas não é tudo. E ele está certo. A Inter tem mais orçamento que o Fluminense e contrata jogadores melhores, mas na hora do “vamos ver” são 11 contra 11, substituições e torcida.

A questão que parece escapar toda vez é que não se testa a relevância da grana depois de um único jogo — senão tudo fica parecendo meio aleatório —, mas de vários. Faça assim: abra a tabela da Copa do Mundo de Clubes e note quem ainda está na competição. Dois brasileiros, quatro europeus, um árabe, a confirmar se mais dois europeus ou um europeu e um mexicano. Por que tantos brasileiros e europeus passaram da fase de grupos? Por que há maioria europeia agora? Pois o domínio esportivo sucede o domínio financeiro. E assim será a cada quatro anos.

A continuação do mesmo princípio é assim: o dinheiro faz diferença até a bola rolar. Ele torna a probabilidade de vitória maior ou menor, ao influenciar quais jogadores estão em campo para cada lado. Daí para frente, vai depender da tática, da técnica, do físico, do psicológico, e de tantas variáveis fora da intervenção humana, desde as climáticas até a própria sorte. O Fluminense venceu porque pegou esse monte de fatores e fez melhor. O Flamengo, não.

Neuer fez uma defesa importante contra o Flamengo — Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP
Neuer fez uma defesa importante contra o Flamengo — Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

Minha franca surpresa está na redescoberta de que o Flamengo não está à altura do Bayern. De que Harry Kane não é um jogador de Série B com grife; de que Arrascaeta não está qualificado para jogar no primeiro escalão do futebol europeu — caso contrário, estaria lá há muitos anos. Isso só para citar exemplos da partida rubro-negra do domingo. Nomes poderiam ser trocados por atletas de Fluminense, Palmeiras, Botafogo ou de qualquer outro clube brasileiro.

Falta talvez o entendimento de que o mercado global do futebol é extremamente eficiente, como um todo, quando se trata da procura e da retenção de talentos. Aquele seu amigo da pelada que joga muita bola não teria sido profissional se tivesse um agente melhor. Ele só não é tão bom assim. O craque do seu time nacional não seria titular do Real Madrid ou do Bayern, se não fosse tal desculpa. Caso contrário, ele teria aceitado ganhar cinco vezes mais e estaria lá

Quando isso acontece várias e várias vezes, por décadas e décadas, o resultado é esse aí: clubes mais ricos concentram talentos e ganham mais vezes. O Bayern fatura 1 bilhão de euros por ano. A Inter de Milão, pouco menos de 500 milhões de euros. O Flamengo, próximo de 200 milhões de euros. E isso aumenta a chance de um dominar o outro durante a partida inteira, até ela acabar em 4 a 2. Mas veja: aumenta a chance. A probabilidade. Não há certeza. E o Flu está aí para provar que o “pobre” pode vencer por 2 a 0. Sorte minha que a coluna mudou de dia.

Fonte: O Globo
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