"Festa na favela": há 13 anos, o Imperador voltava ao Flamengo com gol, carrinhos e euforia; veja vídeos

Sete anos, 10 meses e três dias separaram o último jogo do ainda contestado Adriano, que deixara a Gávea aos 19, do Imperador que voltou, venceu e marcou. Um gol, a história e a memória dos mais 70 mil rubro-negros no Maracanã (71.762 presentes) com uma cabeçada fulminante naquele ensolarado 31 de maio de 2009. (veja acima vídeo com lances do ídolo naquela partida)

- Não tem dinheiro que pague isso. Estou alegre. Quando a cabeça está boa, nada mais importa - afirmou após a vitória por 2 a 1 sobre o Atlético-PR, que à época ainda não tinha o h anexado ao nome.
Adriano comemora gol com Léo Moura, Toró e Ibson — Foto: André Durão / GloboEsporte.com
1 de 7 Adriano comemora gol com Léo Moura, Toró e Ibson — Foto: André Durão / GloboEsporte.com

Adriano comemora gol com Léo Moura, Toró e Ibson — Foto: André Durão / GloboEsporte.com

Adriano estava bem da cabeça mesmo. Mentalmente conseguia se desvencilhar de uma depressão que o perseguira nos últimos meses de Internazionale, na Itália. No campo, mesmo fora de forma, mostrava que seguia praticamente imparável pelo alto ou por baixo.

Se o goleiro Vinícius conseguiu detê-lo aos nove minutos do primeiro tempo em testada como manda o figurino, para baixo, a sorte não foi a mesma aos 50 segundos da etapa final. Com o número 29 às costas, o mesmo que utilizara entre 2000 e 2001, ganhou de Rhodolfo e saiu para ouvir os rubro-negros bradarem: "Ô, o Imperador voltou".

"A favela venceu"

O Maracanã era diferente, não tinha mais a geral, mas ainda dividia-se em dois anéis. O cimento da arquibancada fora preenchido por cadeiras plásticas nas cores brancas (R$ 40), amarelas e verdes (estas custaram R$ 30). As inferiores, metálicas e azuis, eram vendidas a R$ 20. Mais salgado era o valor das cadeiras especiais: R$ 120. Havia meia-entrada para todos os setores.

Democrático, o Maraca miscigenado foi uma só voz para exaltar o seu nobre favelado. Os cantos de "Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci", dos MCs Cidinho e Doca, e "Festa na Favela" deram o tom de uma tarde que marcou o coração do rubro-negro Adriano, cria da Vila Cruzeiro, e de sua família, representada no estádio por vovó Vanda, mamãe Rosilda, e os filhos Adrianinho e Sofia.

Dona Vanda ignorou cirurgia de catarata para ir torcer pelo neto mais famoso — Foto: Acervo O Globo
2 de 7 Dona Vanda ignorou cirurgia de catarata para ir torcer pelo neto mais famoso — Foto: Acervo O Globo

Dona Vanda ignorou cirurgia de catarata para ir torcer pelo neto mais famoso — Foto: Acervo O Globo

A família imperial tomou assentos nas cadeiras especiais, justamente o setor mais caro. Nada de cortesia ou coisa do gênero. O prata da casa, vitorioso na Europa, permitiu-se gastar R$ 6 mil em ingressos (eram 30 pessoas entre amigos e parentes) para acomodar os seus no setor mais confortável do velho Maraca. A atualíssima frase "A favela venceu" poderia voltar no tempo com tranquilidade.

O jogo

Participativo desde o início do jogo mas sem correr errado, Adriano levou pânico à dupla Antônio Carlos e Rhodolfo - este seria campeão da Libertadores pelo Flamengo 10 anos depois. De tanto assombrá-los, Antônio Carlos entregou o ouro. Tentou antecipar-se ao centroavante e colocou a bola na própria rede.

O camisa 29 não era só presença de área. Saía dela para dar combate e carrinhos. Numa delas, Toró por pouco não marcou um golaço. Obrigou Vinícius a fazer uma defesaça após receber passe de primeira do dono da festa.

Mas e o gol?

Os rubro-negros ansiavam pelo primeiro dos 34 gols (divididos em 48 partidas) que Adriano faria até maio de 2010. E ele veio muito antes do esperado. Aos 50 segundos, Léo Moura, que fora parado com duas pancadas após o árbitro Leonardo Gaciba autorizar o início do segundo tempo, escapou pela direita e cruzou de primeira. O Imperador subiu e não deu chances a Rhodolfo e nem a Vinícius.

Adriano ainda seria muito feliz naquele domingo. Deu mais um carrinho no campo de ataque, levantou, levou uma bela de uma entrada do colombiano Valencia, e nem sentiu. Tocou de calcanhar para Emerson Sheik invadir a área. Ainda serviu Léo Moura na ponta direita, cruzou para finalização de Everton na esquerda. Mesmo pesadão, foi figura onipresente na vitória rubro-negra. (veja abaixo os lances em texto de Tadeu Schmidt nos "Gols do Fantástico").

"Incrível, estávamos acostumados a vê-lo pela TV"

Ainda em atividade na Finlândia, o volante Toró, de 36 anos, lembra do impacto que Adriano causou com o retorno à Gávea. E afirma que, com o amigo Léo Moura em alta, o gol sairia mais cedo ou tarde. Justiça seja feita ao Torozinho. Ele quem inicia a jogada que passou pelos pés de Sheik e Léo Moura antes de encontrar a cabeça imperial.

- Não só para mim, como para todos do grupo, foi um momento incrível porque estávamos acostumados a vê-lo apenas pela TV representando muito bem o nosso país. Tanto na Inter, Parma e seleção brasileira. Lembro como se fosse hoje. O Léo Moura disse para ele ficar tranquilo que o passe do gol dele seria servido pelo Léo e não deu outra (risos) - contou ao ge .
Adriano foi capa de "O Globo" mesmo num dia em que as sedes da Copa de 2014 haviam sido anunciadas — Foto: Acervo O Globo
3 de 7 Adriano foi capa de "O Globo" mesmo num dia em que as sedes da Copa de 2014 haviam sido anunciadas — Foto: Acervo O Globo

Adriano foi capa de "O Globo" mesmo num dia em que as sedes da Copa de 2014 haviam sido anunciadas — Foto: Acervo O Globo

Toró também poderia ter terminado como um dos artilheiros daquela tarde. Aos 28 minutos, roubou bola perto do círculo central, tocou em Sheik, que passou a Adriano. O Imperador quebrou a última linha defensiva com passe de primeira, e o volante soltou a bomba.

- Eu me recordo de uma tabela em que fizemos, e ele me deixou na cara do gol, mas o goleiro do Atlético fez uma bela defesa no meu chute. Foi incrível viver momentos incríveis com ele, o dia a dia era só alegria, na concentração era só brincadeira.

A personalidade de Adriano também é lembrada com carinho pelo ex-companheiro, que conecta o porte físico do Imperador, de 1,89m e mais de 100kg à época, ao tamanho do coração que ele demonstrava aos que o cercavam.

- Era ele contra mim, Willians, Everton Silva e Welinton. E, mesmo assim, contra quatro, ele batia na gente (risos). Maluco grandão e com uma força do caramba (risos). Um cara superemotivo com o coração imenso. Quando a gente demonstrava esse carinho por ele, ele chorava e dizia sempre que voltou para o Brasil e Flamengo porque faltava isso, a alegria que ele precisava na vida dele. E o final do campeonato deu no que deu: o hexacampeonato brasileiro para o nosso Mengão. E ele artilheiro do campeonato, senão me engano como melhor jogador e tudo.

Fim do jejum no campeonato mais valorizado pela torcida

Dez anos antes de um "pensador rubro-negro" aparecer e se tornar ídolo na Gávea, Adriano recolocou o Flamengo em outro patamar no Brasil. Sim, o bicho-papão dos anos 80 vinha se limitando a fazer figuração no Brasileiro até o Imperador e companhia limitada o tirarem da fila.

A torcida que anos antes batia no peito para dizer "todo mundo tenta, mas só o Mengão é penta" amargava um jejum de 17 anos. Àquela época, antes de a CBF unificar os títulos da Taça Brasil e do Roberto Gomes de Pedrosa, o Flamengo mantivera-se como o maior campeão brasileiro por 21 anos, de 1987 a 2008, quando o São Paulo faturou o hexa e deixou os cariocas para trás.

O Tricolor Paulista, porém, logo perdeu a exclusividade no trono do Campeonato Brasileiro uma temporada depois, quando, sob regência de Petkovic e a fúria do Imperador, o Flamengo celebrou a conquista do hexa.

Adriano Flamengo 2009 — Foto: Agência EFE
4 de 7 Adriano Flamengo 2009 — Foto: Agência EFE

Adriano Flamengo 2009 — Foto: Agência EFE

Flamengo x Grêmio 2009, Adriano e Petkovic — Foto: Arquivo
5 de 7 Flamengo x Grêmio 2009, Adriano e Petkovic — Foto: Arquivo

Flamengo x Grêmio 2009, Adriano e Petkovic — Foto: Arquivo

Adriano mudou o patamar do Flamengo , mas também a própria história dentro do país onde nasceu. Saíra em 2001 como um esguio centroavante trombador que já demonstrava talento com um potente pé esquerdo, mas que também já convivera com vaias.

Precisava voltar como protagonista. E assim o fez: voltou, venceu e marcou. Artilheiro, campeão e consagrado no gramado como um dos maiores ídolos do clube.

A relação profissional foi efêmera e, mais uma vez, pouco durou. Apenas um ano, de maio a maio, com 34 gols em 48 jogos. Apesar do gostinho de quero mais, ninguém esquece do dia em que o Imperador voltou.

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Fonte: Globo Esporte
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