Ex-presidente Bandeira de Mello afirma que decisão de manter jovens em contêineres que pegaram fogo foi da atual gestão

"É possível responsabilizar criminalmente o ex-presidente do Clube de Regatas do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, por fatos ocorridos após a sua saída da Presidência do Clube? " É com esta pergunta que os advogados do ex-presidente iniciam sua defesa no processo que o acusa de ter sido um dos responsáveis pelo incêndio que matou dez jovens atletas da base.

O questionamento guia a defesa do ex-dirigente e tenta convencer o juiz Marcel Laguna Duque Estrada, da 36ª Vara Criminal, da inocência de Bandeira. Entre os argumentos, os advogados destacam que ele não pode ser responsabilizado pelos fatos que levaram ao incêndio, uma vez que já havia deixado o comando do clube pouco mais de um mês antes do ocorrido.

A base dessa argumentação é que o reparo mal feito num dos aparelhos de ar condicionado - e que teria sido o que causou o incêndio, segundo as investigações - ocorreu dias antes da tragédia, em janeiro, já na gestão de Rodolfo Landim, seu sucessor na presidência do clube .

"Uma vez que o incêndio ocorreu, segundo as informações, por falta de manutenção ou defeito de aparelhos, cuja supervisão e revisão estava a cargo de um técnico, essa causa superveniente (conduta descuidada do técnico ou supervisor) exclui a suposta causalidade anterior, imputada ao ex-presidente do Clube" , afirma o jurista Juarez Tavares , contratado pela defesa para emitir um parecer técnico sobre a denúncia do Ministério Público.

Entrevista Eduardo Bandeira de Mello presidente Flamengo — Foto: Fred Gomes
1 de 4 Entrevista Eduardo Bandeira de Mello presidente Flamengo — Foto: Fred Gomes

Entrevista Eduardo Bandeira de Mello presidente Flamengo — Foto: Fred Gomes

Juarez é tido no meio como um dos maiores especialistas em Direito Penal do país. Professor da UERJ, ele foi sub-procurador da República. A pedido da defesa de Bandeira, ele emitiu um parecer técnico de 84 páginas, que foi anexado ao processo.

A respeito do ar condicionado, leia neste link como se defende o técnico em refrigeração responsável pela manutenção do aparelho . Como publicado pelo blog, ele aponta erro da acusação na investigação.

Outra afirmação trazida como argumento da inocência do ex-dirigente joga luz sobre a responsabilidade de seu sucessor. Segundo a defesa, desde dezembro o novo alojamento da base já estava pronto :

"Apesar de ter contratado os referidos módulos habitacionais, conforme será demonstrado na instrução, em dezembro de 2018, antes de EDUARDO BANDEIRA DE MELLO deixar a presidência, cerca dois meses antes dos fatos , os atletas da base que ainda tinham competição foram transferidos para novas instalações do CT".

Segundo o MP, a gestão de Bandeira não cumpriu exigências da Promotoria da Infância e Juventude, em processo iniciado em 2012. A denúncia afirma que foram feitos "diversos relatórios" apontando a "precariedade" e "clandestinidade" dos contêineres .

De acordo com a defesa, as afirmações são "inverídicas" . Os advogados afirmam, ainda, que as constatações da promotoria não se referiam aos contêineres , como destacado no trecho abaixo.

Defesa de Bandeira à Justiça afirma que fiscalização que apontou piora das condições de alojamento não se referiu aos contêineres — Foto: Reprodução
2 de 4 Defesa de Bandeira à Justiça afirma que fiscalização que apontou piora das condições de alojamento não se referiu aos contêineres — Foto: Reprodução

Defesa de Bandeira à Justiça afirma que fiscalização que apontou piora das condições de alojamento não se referiu aos contêineres — Foto: Reprodução

Os advogados Rafael Kullmann e Gustavo Teixeira afirmam, também, que as constatações referidas na denúncia estão desatualizadas e que as exigências feitas pela promotoria teriam sido todas cumpridas . Para embasar as afirmações, destaca ao longo de três páginas trechos de relatórios da própria promotoria, feitos ao longo de 2016 e 2017, com elogios às melhorias feitas pelo clube.

Ainda quanto a este argumento, os advogados lançam uma dúvida sobre o momento em que a conclusão dessa investigação foi tornada pública. Segundo a defesa, o relatório final da promotoria, cuja visita final foi feita ao clube no meio do ano anterior, só teria sido finalizado e entregue ao clube após o incêndio .

Para provar essa tese, eles pedem que a Justiça oficie o MP pedindo acesso a todas as versões digitais do documento.

"A relevância e pertinência da diligência ora pleiteada se justifica na medida em que, malgrado a visita ao Centro de Treinamento George Helal tenha ocorrido em 18 de junho de 2018, o aludido documento técnico somente foi disponibilizado ao Clube de Regatas do Flamengo e juntado aos autos do respectivo processo em fevereiro de 2019, após o lastimável incêndio ora objeto de prova" , destacam os advogados na defesa.

Cadeia de comando

Outra argumentação central da defesa de Bandeira é quanto aos limites de seus poderes como presidente do clube. Os advogados anexaram ao processo o organograma do Flamengo para mostrar que abaixo de Bandeira havia diversos responsáveis, entre eles, o chamado CEO do clube, uma espécie de chefe geral executivo, cargo que era ocupado em sua gestão por Fred Luz e, na atual, por Reinaldo Belotti.

Este foi um dos itens analisados pelo especialista contratado pela defesa a uma das perguntas feita pela defesa do ex-dirigente. Segundo o jurista, condenar o presidente sem avaliar a conduta dos responsáveis imediatos por estas decisões, ou seja, o CEO da época, Fred Luz, mostra "contradição da denúncia" .

Pergunta da defesa ao jurista:

"6 - No contexto do quesito anterior, considerando que o Ministério Público deixou de denunciar o CEO, por ele reconhecido ser o responsável pela gestão geral do clube, é possível imputar responsabilidade criminal ao ex-Presidente EDUARDO BANDEIRA DE MELLO?

Resposta:

"A responsabilidade criminal é pessoal. Se ao Diretor Executivo competia a tarefa de coordenação, controle e fiscalização das atividades dos encarregados da manutenção dos alojamentos, a ele deveriam ser imputadas as falhas decorrentes dessas tarefas. Se essas falhas não lhe foram imputadas, sua imputação ao ex-presidente, que não detinha essas atribuições, constitui evidente contradição da denúncia, o que implica sua rejeição por inépcia, porque quer atribuir ao ex-presidente a responsabilidade por fato de outrem".

Embora tenha sustentado que havia outras pessoas responsáveis pela tomada de decisão no clube, Bandeira registra em sua defesa que o MP acertou em não denunciar nenhum CEO do clube, por acreditar que suas responsabilidades eram "gerais" e não específicas aos pontos denunciados.

Trecho em que a defesa aponta para acerto do MP ao não denunciar os CEOs do clube — Foto: Reprodução
3 de 4 Trecho em que a defesa aponta para acerto do MP ao não denunciar os CEOs do clube — Foto: Reprodução

Trecho em que a defesa aponta para acerto do MP ao não denunciar os CEOs do clube — Foto: Reprodução

Por fim, a defesa do ex-presidente pede que a Justiça intime oito pessoas como testemunhas. Entre elas, o atual presidente Rodolfo Landim , o ex-presidente Kleber Leite e o gerente de administração do Centro de Treinamento, da época e que continua no clube, Luiz Humberto Costa Tavares .

Reprodução em computador do interior dos contêineres que pegaram fogo matando 10 jovens da base do clube  — Foto: reprodução/video
4 de 4 Reprodução em computador do interior dos contêineres que pegaram fogo matando 10 jovens da base do clube — Foto: reprodução/video

Reprodução em computador do interior dos contêineres que pegaram fogo matando 10 jovens da base do clube — Foto: reprodução/video

Nota de solidariedade

Além do parecer do jurista, a defesa também anexou ao processo uma nota conjunta assinada por ex-presidentes do Flamengo. Nela, eles se solidarizam com Bandeira e reafirmam os argumentos dos advogados de que o cargo de presidente não prevê onisciência de tudo o que ocorre no clube. Os ex-presidentes classificam como "impossível e desumano" que se responsabilize a função.

A nota tem a assinatura de todos os ex-presidentes do clube, com exceção ao atual, Rodolfo Landim, Patrícia Amorim e Gilberto Cardoso, que é primo de Landim. Segundo apuração do blog, Gilberto havia se manifestado favorável a assinar a nota, mas teria atendido a um pedido do primo e recuou. Também não assinou o documento Antonio Augusto Dunshee de Abranches, devido ao avançado estágio de Alzheimer.

Assinam a nota de apoio: Eduardo Motta, George Helal, Hélio Ferraz, Kléber Leite, Luiz Augusto Veloso e Márcio Braga.

O blog não conseguiu saber se o ex-presidente deposto por um processo de impeachment, Edmundo Santos Silva , que não consta entre os apoiadores, chegou a ser convidado para a nota conjunta.

A respeito das afirmações de Bandeira de que a responsabilidade sobre o conserto do ar condicionado - que teria provocado o incêndio - era da atual gestão, uma vez que ocorreu dias antes do ocorrido; e quanto ao fato de os jovens ainda estarem nos contêineres, embora um novo alojamento já estar pronto, o Flamengo enviou a seguinte nota:

"O processo está devidamente entregue a um juiz de direito. O Flamengo não é parte nesse processo e quem deve se manifestar sobre as defesas dos acusados é o jui z".

O ex-CEO, Fred Luz , citado como testemunha não se manifestou.

Fonte: Globo Esporte