Das curtidas às vendas: como Brasileirão pode aproveitar bom desempenho dos clubes do país no Mundial

Seja em inglês, espanhol, italiano ou português, as campanhas dos quatro times brasileiros na Copa do Mundo de Clubes, para além de renderem premiações milionárias, ativaram um interesse maior de estrangeiros pelo Campeonato Brasileiro. Um exemplo foi o “boom” de buscas por “brazilian league” (liga brasileira, em inglês) no Google Trends após a vitória do Botafogo sobre o PSG-FRA por 1 a 0 na fase de grupos. Um levantamento feito pela mesma ferramenta e compartilhado com exclusividade com o GLOBO aponta também que Botafogo Flamengo, Fluminense e Palmeiras estão entre os nomes de times mais buscados no mundo durante o torneio.

Mas transformar esses curiosos esporádicos em consumidores interessados na liga brasileira é tão ou mais desafiador do que vencer um campeão europeu. Especialistas apontam que a internacionalização do campeonato, assim como nas já estabelecidas Premier League ou La Liga, dificilmente ocorre apenas com o interesse momentâneo por conta de um torneio, mas pode servir como um impulsionador, caso os times tenham um projeto internacional consolidado.

— Quando a NFL (liga de futebol americano dos EUA) quis chegar no Brasil, percebeu que seria um esporte com regras muito diferentes para o brasileiro. A primeira coisa que eles fizeram foi criar uma rede social em português. Depois, perceberam uma história para ser explorada: o jogador Tom Brady era casado com a modelo Gisele Bündchen, que é brasileira. Mais adiante, passaram a transmitir jogos na ESPN, depois RedeTV. Criaram uma FanFest, a “NFL em Brasa”, em São Paulo, para transmitir o Super Bowl... Finalmente, no ano passado, trouxeram um jogo para o país — lembra Ivan Martinho, especialista em internacionalização de marcas. 

Nos EUA, sede do Mundial, os clubes brasileiros projetaram diversas propostas de engajamento com o público local. Montaram espaços de encontro com torcedores, tematicamente produzidos para a divulgação da história do clube e para ativações que fortalecessem o vínculo com torcedores distantes, mas, principalmente, com o objetivo de se apresentarem a um mercado forte e com grande potencial.

— Na cultura americana, com um consumo exacerbado de vários esportes e com essa lacuna do futebol para preencher, acho que faz sentido você buscar esse torcedor. Tanto que não é só o time brasileiro que vai para lá direto, o próprio europeu viaja o tempo todo. Em julho, a Premier League está levando quatro times para excursionar por lá, também. Então tem muita gente tentando cativar o americano a torcer para os próprios clubes — ressalta Rodrigo Capelo, colunista do GLOBO.

Antes de aproveitarem a oportunidade para essas interações in loco, alguns clubes, com Botafogo, Fla e Flu, já usavam redes sociais em outras línguas para expandir o número de seguidores de outros países. A tática é a mesma adotada por gigantes europeus, como o espanhol Real Madrid e o francês PSG, que têm contas em inglês, a língua de boa parte dos potenciais clientes-alvo. No caso dos ingleses, que falam o idioma de maior mercado, o investimento é direcionado a outros países.

— Na Ásia o Manchester United tem uma parcela grande de seus torcedores porque há muitos anos faz pré-temporada lá, contrata jogadores de lá, e isso atraiu patrocinadores asiáticos, depois passou a ter rede social comentando em japonês e transmissões com aquele idioma, ou seja, são vários esforços que fazem a internacionalização — diz Ivan.

Mídias Socias

O Flamengo é um dos destaques brasileiros em redes sociais. O clube é o time não-europeu com mais seguidores em todas as redes sociais combinadas, de acordo com dados do Observatório de Futebol (CIES), da França, divulgado no início do mês. A equipe fica em 15º no geral. Atrás, está Al-Nassr, clube saudita que tem como destaque no elenco o esportista com mais seguidores no Instagram: Cristiano Ronaldo (659 milhões). Segundo Capelo, contratar nomes estrelados é uma forma rápida de crescer a marca. No entanto, há uma clara diferença de recursos entre as duas ligas e isso faz com que este tipo de estratégia de marketing não seja interessante para o Brasil.

No entanto, essa estratégia não é seguida por todos. Em um levantamento feito pelo GLOBO, pesquisando as redes sociais de todos os clubes da série A, apenas cinco dos 20 integrantes da competição possuem contas em ao menos um outro idioma. São eles: Bahia, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Dos integrantes do Mundial, apenas o Palmeiras não teve nenhuma conta encontrada.

Já no caso do top dez de clubes europeus presentes na lista de clubes mais populares das redes sociais, todos possuíam contas extras.

Essa diferença entre as estratégias de marketing dos times brasileiros vai de encontro à uma visão pouco aberta para novas formas de se divulgar o time, segundo o segundo o especialista em marketing esportivo, Fernando A. Fleury CEO, da Amatore. Até porque ainda há trabalho a ser feito internamente.

— Quando a gente fala de liga aqui no Brasil, a gente pensa pelo ponto de vista de se vender os jogos, mas a gente não vê a liga do ponto de vista de se vender os times. E isso é muito prejudicial para a construção do campeonato. Diferente do Sudeste e Sul, os times do nordeste não conseguem estar comercialmente em todo o Brasil. Quando você pega, por exemplo, os campeonatos norte-americanos, elas trabalham literalmente como liga. Os times norte-americanos, assim como, os times europeus estão comercialmente por toda a Europa, por todos os Estados Unidos e assim eles conseguem estar por toda a América do Sul — explica Fleury.

Liga nacional é o caminho, apontam especialistas

Todos os especialistas apontaram que a união dos clubes para a formação da liga poderia ser o passo necessário para negociações mais robustas e de longo prazo para transmissões, além de criar uma padronização para as ações de marcas dos times.

— Normalmente, facilita para o comprador (uma liga), e tudo que facilita para o comprador, é mais fácil para você — diz Martinho. — Em vez de 20 conversas, apenas uma. Fica mais parecido com outros produtos, como o campeonato inglês.

Hoje, os clubes da Série A estão perto deste ideal. Eles se dividem em dois blocos comerciais: a LFU (Liga Forte União) e a Libra (Liga do Futebol Brasileiro), com 11 e nove times da primeira divisão, respectivamente. Estes blocos se unem nos contratos de transmissões internacionais, que seguem dois formatos diferentes.

O primeiro é por plataformas de bets no exterior, que chegam a um número de transmissões parecido ao da Premier League (também mais de 100 países). Esse modelo, no entanto, restringe o acesso, já que é preciso ter uma conta nessas casas de aposta para uma pessoa assistir às transmissões. Por esse motivo, os blocos também estão nos detalhes finais para um contrato de transmissão por mídia e broadcast com a empresa 1190 sports. O único clube que não aceitou o contrato no exterior foi o Flamengo, que faz a própria transmissão a partir da FLA TV, canal no Youtube.

"A expectativa é de quebra de recorde de quantidade de países que iremos distribuir", comunicou a LFU, em nota.

— O Brasil tem grandes marcas, que já fizeram história internacional no passado e precisam voltar a ter protagonismo. Dentro de campo, estão fazendo isso neste Mundial. Fora, é nosso trabalho desenvolver um produto e distribuí-lo no maior número de países e mercados possíveis — diz o diretor-executivo da Libra, Silvio Matos.

Essa união, porém, não se repete em nível nacional. Libra e LFU esbarram em uma falta de consenso dos clubes nos contratos de transmissão no Brasil há anos. Os blocos assinariam um memorando de entendimento (MOU) para a criação da liga única na última semana, no entanto, o acordo não andou.

Fonte: O Globo
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