Análise: Flamengo "de Gerson" ganha mais uma na bola e na malícia de um time cascudo

"Tá difícil de parar os coringas do Flamengo : Bruno Henrique, Arrascaeta e o nosso menino Gerson". Os dois primeiros versos do funk que embalou o mágico 2019 se encaixam bem no momento atual. Mesmo fragilizado por inúmeros desfalques, é duro frear esse Flamengo . Já Gerson não é mais aquele menino de 23 anos. Aos 27 recém-completos em maio, é o líder do time. Com bom futebol e atitude. Nesse domingo, nos 2 a 1 sobre o Cruzeiro, ele aliou a enorme qualidade técnica à malícia de um experimentado jogador para decidir a parada.

Gerson é a cara do Flamengo por ter as características de grande parte da torcida do clube do coração dele. Favelado, destemido e desbocado , o capitão rubro-negro quem tem puxado as preleções antes dos jogos. Sempre com palavras - e palavrões de efeito - , o camisa 8 convenceu seus companheiros o quanto o time precisa se impor dentro do Maracanã.

- Aqui no Maracanã temos de mandar a mensagem para todo mundo que for jogar contra. Os caras têm que falar: “é f*d* pra c*r*lh* jogar contra esses caras ( Flamengo )”. Os caras estão ganhando, eles continuam. Os caras competem, correm e não param um segundo. Os caras saem perdendo e não desequilibram. Dentro da nossa casa manda a gente. Nós quem mandamos nessa p**. Hoje é dia de mostrar mais vez que o Flamengo é grande e forte pra c** - afirmou, antes de vitória contra o Bahia, no último dia 20.

Melhor nos minutos iniciais com grande posse de bola e postado no campo de defesa do Cruzeiro, o Flamengo logo foi recompensado aos 16 minutos. E da forma que Gerson pediu. Matheus Pereira, uma das sensações do campeonato, recebeu de costas próximo à linha central e quis dar toque de efeito para Lucas Silva. Fabrício Bruno competiu pela bola e desarmou o 10 do rival.

Ao ver a besteira que fez, Pereira tentou parar Gerson com dois puxões de camisa. E, daquele jeito que pregou em suas palavras, Gerson "correu e não parou um segundo". Além da raça, esbanjou talento e, enquanto olhava para a esquerda, espaço atacado por Bruno Henrique, e mesmo com a opção de Lorran por dentro, ele tocou no outro lado. Pedro, sem marcação, chapou com perfeição. Golaço.

A grande superioridade demonstrada nos minutos iniciais desapareceu. Se Wesley, Fabrício Bruno e David Luiz defendiam muito bem por um lado, o Flamengo já não atacava mais com a mesma organização e nem impunha dificuldades ao Cruzeiro.

Ayrton Lucas, que teve mais uma atuação muito abaixo e errou impressionantes 15 de 45 passes tentados no jogo , não seguiu o conselho de Gerson e entrou com o pé mole em dividida com Lucas Silva na origem do lance do gol de empate. Pois Lucas arrancou e só foi parado por Gerson, que o derrubou e chutou a bola contra as mãos do cruzeirense. A arbitragem não viu irregularidade, e William pegou a sobra. Bruno Henrique e Allan tentaram tomar a bola, mas ela sobrou limpa para Matheus Pereira empatar.

Gerson não se conformou, cobrou a marcação de falta pelo fato de a bola ter explodido nas mãos de Lucas Silva. A indignação do capitão foi em vão, e Bráulio da Silva Machado validou o gol.

O Flamengo caiu de produção, foi sufocado pelo Cruzeiro nos minutos finais da etapa, e o individualismo de Lorran trouxe intranquilidade. O garoto havia começado bem, mas na sequência errou o timing de passar a bola por diversas vezes, foi fominha e acabou vaiado.

A vitória que se desenhava com um cenário tranquilo se transformou num empate que foi lucro no primeiro tempo. A posse de bola acabou empatada em 50%, e o Cruzeiro finalizou muito mais: 7 a 3.

Gerson peita adversário após sofrer falta que resultou no segundo gol do Flamengo contra o Cruzeiro — Foto: Thiago Ribeiro/AGIF

Tite foi inteligente e sacou Lorran, que não ia bem e poderia sentir as vaias do fim do primeiro tempo. Colocou Léo Ortiz, ganhou em ocupação de espaços, combatividade e maior compactação.

A primeira resposta, porém, foi na atitude. Mais uma vez Matheus Pereira enfeitou no passe, e Luiz Araújo deu o primeiro combate. A bola sobrou para Gerson, que a carregou até o terço final e tocou para Araújo. O cruzamento não deu certo, mas Matheus Pereira - ele de novo - cortou errado, e Gerson por pouco não colocou o Flamengo na frente de novo. O Coringa atacou o espaço e, mesmo ao reparar que o companheiro errara o levantamento na área, acreditou e esteve perto de marcar.

Aquela jogada, com raça e fé dos canhotos do Flamengo , era o recado que Gerson queria passar no discurso citado no topo da matéria: "os caras não param um segundo".

O Flamengo havia retomado o conforto em campo, e o Cruzeiro, assustado com o crescimento do adversário, tentava amarrar o jogo. Após espanar uma bola do campo de defesa no momento em que era pressionado, o zagueiro Neris se atirou ao chão. Os rubro-negros, que construíam na fase ofensiva, não se sensibilizaram, continuaram a jogada e se negaram a jogar a bola para a lateral.

Ao ver que o Flamengo seguia com a bola, Neris levantou e foi disputar a bola. Não conseguiu retomá-la e desabou novamente. Os rubro-negros, inteligentemente, continuaram a buscar o ataque, e Gerson foi acionado no fundo. Cascudo, deu o corpo para receber a falta, e William caiu no convite do Coringa. Não satisfeito, após derrubá-lo, o lateral cruzeirense chutou a bola contra as costas do camisa 8.

O goleiro Anderson se aproximou de Gerson, falou algumas coisas, e tomou uma invertida. A discussão seguiu, o capitão do Flamengo esbravejou contra alguns rivais, e o Cruzeiro se desconcentrou.

Enquanto Luiz Araújo se preparava para bater a falta, Gerson ainda discutia e prendia a atenção de William, Lucas Silva e Gabriel Veron. Fabrício Bruno, no alto de seu 1,92m, acenava para Luiz com os dois braços. Veron, ainda desligado após ficar de olho no Coringa e com seus 1,76m, até tentou se aproximar e puxar o grandalhão rubro-negro. Em vão. Fabrício se deslocou e decidiu a partida contra o clube que o revelou.

Fabrício, que fazia uma grande jogo no sistema defensivo e já havia participado do primeiro gol ao interceptar a bola diante de Matheus Pereira, vibrou muito e não se furtou de beijar a camisa do Flamengo .

Um gol de malandragem. E malandragem no melhor sentido da palavra . O Flamengo não foi "juvenil" e negou-se a se curvar às quedas de um Neris que via seu time ser empurrado ao campo de defesa. Gerson mostrou ser jogador experimentado ao peitar inúmeros adversários e tirar a concentração deles. Fabrício Bruno, conhecedor da grande área como poucos, sacou a liberdade que tinha e pediu a bola. Um gol que parece simples, mas que foi construído com complexidade.

Fabrício Bruno, do Flamengo, comemora gol sobre o Cruzeiro — Foto: André Durão/ge

Depois do segundo gol, o Flamengo ainda levaria perigo com os mesmos personagens. Gerson, Luiz Araújo e Fabrício Bruno. O trio ainda contou com a participação especial de David Luiz, mas a conclusão não foi das melhores.

Passada a tentativa do terceiro gol, o "cascudo" Flamengo cozinhou o jogo. Até teve uma falta perigosa que William bateu nos acréscimos, mas àquela altura os rubro-negros dificilmente sofriam.

O título da análise e todo o texto focam em Gerson como personagem central porque, de longe, ele foi o melhor em campo e é o dono do time nesse período de muitos desfalques por Copa América e problemas médicos.

Mas esse Flamengo não é só de Gerson. É de Pedro , artilheiro do Brasil com 26 gols (24 oficiais) em 34 jogos e ídolo que a cada jogo afirma sua condição de maior esperança rubro-negra de balançar a rede - ganhou até duas bandeiras personalizadas neste domingo.

Pedro é Flamengo — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

Pedro é Flamengo — Foto: André Durão

É o Flamengo de Rossi , que vibra com os gols e manda o time subir em dificuldade. É o Flamengo de Wesley , que cresce a cada jogo num momento em que todos torciam o nariz para ele. É o Flamengo de quatro zagueiros que jogam em altíssimo nível - e que tem outros dois com alto potencial na base. É o Flamengo de um errante Ayrton Lucas que já fora grande em outros momentos e que tem potencial para se recuperar. É o Flamengo de um Allan que tenta recuperar seu espaço e de Pulgar, que chega ao Rio nesta segunda.

É o Flamengo de Lorran, um cria cheio de talento e ousadia que marcam o DNA do clube, mas também um jovem em provação e que está suscetível a muitos erros, inclusive o de ser fominha quando não se pode. É o Flamengo do incansável Luiz Araújo . É o Flamengo do ídolo do Bruno Henrique , que, mesmo em um momento de pouca inspiração e de muitas lesões, briga para jogar no sacrifício e faz barulho. É o Flamengo de Tite, que berrou e abraçou o filho - e auxiliar - no apito final.

É o Flamengo que superou a lesão de Everton Cebolinha contra o Grêmio. É o Flamengo que empatou com o Athletico-PR aos 53 minutos através de um desconhecido que teve sua bonita história de barbeiro revelada ao Brasil (clique aqui e leia) . É o Flamengo que cava falta com Wesley nos acréscimos do jogo com o Bahia . É o Flamengo que infiltra em velocidade e dá o corpo para o Fluminense cometer pênalti num jogo em que amassava, mas não traduzia em gols . É o Flamengo que perde para o Juventude, mas reage três dias depois, se rejuvenesce e consegue mais uma vitória de líder .

É o líder do campeonato. E o líder desse aguerrido - e desfalcado - time é Gerson, craque de bola, raçudo e Flamengo como poucos. O dono da bola neste domingo.

Gerson é Flamengo — Foto: Reprodução

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Fonte: Globo Esporte