O Flamengo agiu com "absoluto desdém com jovens falecidos" e fechou acordos de "valores pífios" com familiares das vítimas da tragédia ocorrida no Ninho do Urubu, centro de treinamento do clube, em 8 de fevereiro de 2019. É o que diz parte da decisão do juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto que confirmou a denúncia contra oito réus pelo incêndio.

A decisão foi revelada pelo GloboEsporte.com na tarde desta terça-feira (25), no blog da jornalista Gabriela Moreira, e a reportagem do ESPN.com.br , posteriormente, também teve acesso à íntegra do despacho de 52 páginas do magistrado.

Na ocasião, há pouco mais de dois anos, morreram dez jovens entre 14 e 17 anos de idade das categorias de base da agremiação rubro-negra. Foram 16 sobreviventes.

Um dos oito réus citados é o ex-presidente do clube Eduardo Bandeira de Mello, que foi acusado de "omissão" e falhou em não cumprir determinação do Ministério Público (MP) de manter pelo menos dois monitores para supervisionar os jovens jogadores no período noturno nos alojamentos, podendo assim ter evitado o incêndio.

"É incontroverso que o mesmo não mais era presidente do clube à época dos fatos, tendo saído da função em 2 janeiro de 2019, portanto pouco mais de um mês antes do incêndio. Contudo, tal lapso temporal, absolutamente próximo à trágica e fatal ocorrência, não parece, a princípio, suficiente para afastar, por si só, sua responsabilização (...) já que Eduardo em tese poderia e deveria ter adotado, como se verá, atitudes ainda em sua gestão que refletiriam no incidente não só possivelmente evitando-o como diminuindo suas consequências, aí sim isentando-o de responsabilização", diz o magistrado em trecho da decisão datada de 24 de maio de 2021.

"Sua omissão, assim, pelo contrário e ainda em linha de princípio face ao que consta dos autos até aqui em matéria de indícios, teria se alongado no tempo até, como dito, pouco mais de um mês depois ainda influir no evento danoso", continua.

A decisão também cita que o Flamengo "assumiu o risco" e teve "absoluto desdém com os jovens falecidos". "Portanto, o Clube de Regatas Flamengo lamentavelmente assumiu, enquanto pessoa jurídica e instituição de direito privado, o risco de, não dispondo da autorização do Corpo de Bombeiros (além de outras circunstâncias que serão adiante apreciadas), dar causa a danos de menor ou maior gravidade, revelando estes autos o mais nítido e trágico evento demonstrativo desta política arriscada e nefasta, de absoluto desdém para com os jovens afinal feridos e, pior, falecidos", diz outro trechoda decisão.

Juiz 'antipunitivista' e lamentação por 'gestão Landim' não ter sido denunciada

Na sequência, Marcos Augusto Ramos Peixoto também lamenta que gestores, diretores e vice-presidentes da atual gestão do clube, ou seja, a de Rodolfo Landim, que assumiu o comando do Flamengo em janeiro de 2019, também não tenham sido denunciados, apesar de afirmar que não há provas de que a gestão anterior, liderada por Bandeira de Mello, tenha informado aos novos gestores as irregularidades apontadas pelo MP.

"Ademais, se não fosse este magistrado antipunitivista, caberia aqui também lamentar que não tenham sido denunciados gestores, diretores e vice-presidentes da administração do Clube subsequente a Eduardo, já que o fato se deu ao 08 de fevereiro de 2019, então estando em plena atividade a nova administração que assumiu em janeiro de 2019, então estando em plena atividade a nova administração que assumiu em janeiro daquele ano e poderia (mais que isto: deveria), de imediato ter suspendido as atividades do CT até a devida regularização junto ao Corpo de Bombeiros e à municipalidade, o que provavelmente teria evitado esta tragédia."

Em um outro trecho, o juiz ainda classifica os acordos feitos com os familiares das vítimas do Ninho como "pífios", fato que levou o MP e a Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro a se unirem para uma adequação das indenizações a valores considerados justos.

"Passou o Clube de Regatas do Flamengo então - como que a "coroar" toda a sorte de ações e omissões que levaram ao desfecho aqui analisado - a celebrar acordos em valores pífios com os familiares das vítimas fatais, das vítimas lesionadas, jovens atletas e funcionários que presenciaram o ocorrido."

Por último, a decisão ainda afirma que o clube, como instituição, cometeu erros que também contribuíram para que a tragédia acontecesse.

" O Clube de Regatas Flamengo (e não falo aqui de seus representantes ou prepostos, pessoas físicas, réus ou não) agiu, efetivamente, enquanto pessoa jurídica, i.e., adotando posturas institucionais neste sentido, de modo a ensejar a ocorrência trágica e fatídica retratada nos autos, sobretudo ao manter em atividade um Centro de Treinamento (CT) dedicado a adolescentes que nele pernoitavam sem alvará e sem autorização do Corpo de Bombeiros ao longo de quase uma década (desde 2012)."