Seis anos de Filipe Luís: como a contratação do lateral em 2019 colocou Jorge Jesus no caminho do Flamengo

O que pouca gente sabe é que a negociação para trazer Filipe Luís foi determinante para que o português também desembarcasse no Brasil. Foram meses de tratativas para convencer o lateral-esquerdo a deixar a Europa e viver o sonho de vestir a camisa do clube do seu coração. O nome de Jorge Jesus surgiu justamente em uma dessas conversas, mas a negociação com Filipe demorou tanto que Jesus chegou primeiro.

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O diretor executivo Bruno Spindel e o vice-presidente de futebol Marcos Braz embarcaram para a Europa no final de semana seguinte ao empate sem gols com o Peñarol, no início de maio de 2019. A dupla seguiu para Espanha para ter a primeira reunião presencial com Filipe Luís. Além deles, o ídolo rubro-negro Sávio e os empresários Marcos Marinho e Guilherme Siqueira estavam à mesa.

Enquanto a pauta Filipe Luís era resolvida, o nome de Jorge Jesus surgiu na mesa como uma opção em meio ao momento conturbado que o Flamengo vivia. Na ocasião, Abel Braga já estava pressionado no cargo. Foi Guilherme Siqueira quem levantou o nome do técnico português. Quando jogador, o empresário foi campeão com Jesus no Benfica, e o convívio o fez indicar Jesus.

Naquela noite, em Madrid, foi feito o primeiro contato com Jorge Jesus. Guilherme fez uma ligação e o apresentou a Braz e Spindel. A conversa informal durou aproximadamente 40 minutos, e o nome do técnico ficou no radar. Jesus não era desconhecido da diretoria, mas ganhou força com a indicação. O treinador português estava desempregado após deixar o Al Hilal e tinha o Brasil como um sonho. Em abril, flertou com o Vasco e inclusive foi assistir a uma partida do time do Brasileirão.

— Essa foi uma das primeiras reuniões pelo Filipe. Quando o Filipe vai embora, a gente fica conversando, batendo papo e o nome do Jesus sai na conversa. Era um nome que até já tinha sido pauta dentro da diretoria. Foi uma conversa informal e liguei para ele naquele momento. Jesus estava em Portugal, e ele estava sem equipe. Todo mundo bateu um papo bem legal. Foi o primeiro contato do Braz e Spindel com Jesus, e ele já falou o que estava ensaiando para os próximos passos da carreira - contou o empresário, que completou:

— Ali foi uma conversa bem bacana e produtiva, mas não foi resolutiva. Não foi definitiva, até porque os tempos também não eram adequados para mudança de treinador (Abel Braga estava no comando). Mas foi uma conversa que com certeza pode ter sido um trampolim para uma seguinte. Eu não dei sequência na situação, mas depois o Flamengo deu continuidade através de outros profissionais.

Durante a ligação, Jesus se colocou à disposição para receber os dirigentes do Flamengo em Lisboa logo no dia seguinte. Mas o encontro em terras lusitanas não aconteceu porque Abel Braga ainda estava no comando do Flamengo. Braz e Spindel retornaram ao Brasil com o nome de Jesus na bagagem. Àquela altura, a saída de Abel Braga era questão de tempo e o substituto já estava definido.

— Eu usei uma frase para o Braz e para o Spindel: "Olha, se esse treinador vem trabalhar com vocês, vocês vão revolucionar a história do Flamengo" Essa foi a frase que eu falei. Jesus é muito diferente. Muito. Eu acho que a metodologia de treino dele, a forma como ele exige dos atletas, é uma forma que inicialmente era um pouco assustadora. Ela impacta um pouco porque ele não é das pessoas mais delicadas, digamos assim. Ele tem a forma peculiar dele de treinar, é um cara muito intenso. Mas a forma como ele lê o futebol, a forma como ele potencializa cada atleta, é o que eu nunca vi na minha vida. Ele é sempre muito atento aos mínimos detalhes. Ele é um treinador completo, um treinador que impressiona - comentou Siqueira, em contato ao ge .

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Semanas depois do primeiro contato, o Flamengo se viu pressionado quando Jorge Jesus veio novamente para o Brasil. No dia 18 de maio, o português foi à Arena Independência e assistiu à partida entre Atlético-MG e Flamengo. O técnico estava acompanhado do empresário Lucca Bertolucci, filho de Giuliano Bertolucci, um dos maiores agentes de jogadores de futebol do Brasil.

Já com os dias contatos, Abel Braga se antecipou e pediu demissão no dia 29 de maio. O técnico estava incomodado com a pressão externa e se via isolado em processo de fritura diante de questionamentos internos. A partir disso, o Flamengo intensificou os contatos com Jorge Jesus.

O treinador português foi anunciado no dia 1º de junho pelo então presidente Rodolfo Landim , no gramado do estádio Wanda Metropolitano, palco da final da Champions League daquele ano entre Liverpool e Tottenham. No dia 8 de junho, Jesus desembarcou no Brasil para iniciar sua passagem no clube. A estreia foi no dia 10 de julho, no empate com o Athletico-PR pela Copa do Brasil.

Enquanto o Flamengo trocava o comando, a negociação por Filipe Luís seguia. Foi um trabalho de convencimento para o retorno ao futebol brasileiro, já que envolvia uma mudança significativa para a família do jogador. Do primeiro contato ao acordo final, estima-se que quase quatro meses se passaram. O lateral-esquerdo só deu o "ok" no dia 18 de julho, uma semana antes de desembarcar no Brasil, e no dia seguinte à eliminação para o Athletico-PR.

Sem o dinheiro da Copa do Brasil, houve uma frustração de verba enorme, o que comprometia até a contratação de Filipe Luís. Para vir, o lateral conversou com os dirigentes e topou abrir mão do modelo de contrato que estava acertado inicialmente. O Fla fechou o pacote inteiro de contrato (30 meses), mas o jogador passou os seis primeiros meses recebendo um valor bem menor em relação ao acordado - a maior parte do salário referente a esse período foi diluída a partir do sétimo mês.

— Tudo começa quando eu faço uma viagem para Madrid a trabalho e não tinha Filipe Luís na pauta. Mas nós somos amigos, e eu combinei de almoçar com ele depois de um treino dele no Atlético. Eu estava com Sávio, o meu sócio Marcos Marinho e um outro sócio da Espanha. No caminho, falamos sobre a possibilidade de levar o Filipe para o Flamengo. E no almoço houve a pergunta para o Filipe e ele fala "Brasil não é o que eu penso agora, mas eu só jogaria no Flamengo. Eu sou flamenguista, minha família inteira é flamenguista, meu avô, todo mundo". Aquilo até nos surpreendeu, nós não sabíamos desse lado dele, mas ele nos deu carta branca para conversarmos com o Flamengo a partir dali. Sabíamos que seria difícil, ele tinha mercado na Europa, mas o Flamengo demonstrou interesse logo de cara. Rolou muito empenho e dedicação para trazer o Filipe - analisou o empresário.

Filipe Luís foi apresentado no dia 26 de julho no Ninho do Urubu. No primeiro contato, o lateral explicou a decisão de voltar ao Brasil após mais de uma década na Europa. O então jogador falou da importância da família para topar este desafio. Filipe é casado com a espanhola Patrícia e todos os três filhos nasceram na Espanha.

— Foram conversas interessantes e intensas. Não foi questão financeira, poderia ter ficado na Europa. Foi o desafio de entrar para a história do Flamengo. Pouca gente tem essa chance. E hoje o Flamengo nos proporciona isso (...) Foi uma decisão muito difícil, depois de 15 anos na Europa. Tinha a possibilidade de continuar. Mas quando o Flamengo liga, balança, é diferente. Minha família está aqui e entende e sabe o que o Flamengo significa para mim. É um sonho. Só foi possível porque hoje o Flamengo tem esse projeto de grandeza, de lutar por todos os títulos. Não sou o salvador da pátria, mas vim para ajudar (...) O poder de convencimento desses caras é impressionante (Braz e Spindel). Conversei com a minha esposa, e ela falou que iríamos para um lugar em que realmente me queriam, onde vou me sentir importante e querido. Isso faz toda diferença. Minha esposa é que queria vir para cá (rs). Eu é que não queria no início, queria jogar na Champions. Mas hoje ver o meu filho com a camisa do Flamengo me enche os olhos - disse Filipe Luís, em sua coletiva de apresentação como jogador.

Filipe Luís já deixou claro que cada treinador é de um jeito, mas nunca escondeu que se espelha em grandes nomes que o treinaram em sua carreira como jogador. Mesmo com Simeone e Mourinho na lista, ele se encantou pelos métodos de Jesus. Filipe anotou todos os treinamentos do português no Flamengo.

— Ele (Jesus) é um cara super especial. Saiu daqui com festa, todo mundo chorando, com churrasco e pagode. Foi interessante a maneira dele de conquistar as pessoas: autêntico, honesto e leal. A gente sentia isso. Cada conversa que ele passava para nós era uma aula de futebol. Eu tentei aprender o máximo possível. Eu tenho tudo anotado. Eu tenho todos os treinos dele anotado e não adianta ele ficar bravo comigo. Ele saiu daqui com as portas abertas - disse Filipe, ao Canal 11 de Portugal, logo após a saída de Jesus.

No entanto, em 2019, o início do trabalho foi marcado uma curiosidade na formação do time. Jesus era um adepto aos laterais agudos, mas organizou a equipe para potencializar as características de Filipe Luís.

— Eu falei para o Mister (Jesus) que o Filipe já não era mais um jogador agudo, de fundo, mas que podia contar com ele porque Filipe daria outras valências importantes no jogo. E ele me dizia: "O que? Se ele não pisar fundo comigo, ele não vai jogar". Falei que eles iam se entender (risos). Mas nas primeiras semanas até o Filipe ficou desesperado. As primeiras semanas foram intensas e bem engraçadas. Mas eles se entenderam, se abraçaram e foi um casamento maravilhoso. Filipe, por dentro, dando solidez defensiva, e dando o campo para o Rafinha subir. Ficou um casamento maravilhoso. Mas até esse casamento aí foram algumas brigas (risos) - revelou Siqueira, que continuou:

— O Filipe tem muita coisa do Jesus e muita coisa do Simeone também. Tem horas que ele fala de Jesus, tem horas que fala de Simeone. Tem bastante dos dois, mas tem bastante Jesus.

Filipe Luís fez 176 jogos pelo Flamengo, com 112 vitórias, 32 empates, 32 derrotas e quatro gols marcados. O lateral se aposentou no fim de 2023, depois de conquistar 10 títulos com a camisa rubro-negra: Libertadores (2019 e 2022), Brasileirão (2019 e 2020), Copa do Brasil (2022), Supercopa (2020 e 2021), Recopa (2020) e Carioca (2020 e 2021).

Como treinador, Filipe começou a trajetória já no ano seguinte assumindo o sub-17, categoria em que foi campeão da Copa Rio. A carreira foi meteórica e, em junho, ele assumiu o sub-20 e conquistou o Intercontinental da categoria. Em outubro, Filipe se tornou técnico do profissional e já conquistou três títulos: Copa do Brasil, Supercopa e Carioca.

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