“Maturidade e experiência você não vai comprar na esquina. É a vida que vai te ensinar”.

A frase, dita à ESPN por Nielsen Elias, ex-preparador de goleiros do Flamengo , ajuda a explicar como Hugo Souza se tornou um dos novos pilares do Corinthians em tão pouco tempo. Neste domingo (1º), na Neo Química Arena, o camisa 1 disputará apenas seu 14º jogo com a camisa do clube paulista. E talvez o mais especial até agora .

Formados nas categorias de base do Rubro-Negro, Hugo enfrentará pela primeira vez a equipe carioca, onde ainda tem contrato até dezembro de 2025 , estando emprestado no Parque São Jorge apenas até o fim de 2024.

A confiança em seu titular levou Augusto Melo, presidente do Corinthians, a pagar a multa de R$ 500 mil prevista no contrato com o Flamengo para ter o goleiro em campo quando a bola rolar na Neo Química Arena, às 16h (de Brasília), pela 25ª rodada do Campeonato Brasileiro .

Contratado no início de julho com a missão de assumir o gol alvinegro após a saída turbulenta de Carlos Miguel e o fim não menos traumático da passagem de Cássio pelo clube, Hugo teve impacto imediato na equipe.

Além das defesas importantes com a bola rolando, o goleiro ainda provou protagonismo ao defender quatro pênaltis em eliminatórias: um contra o Grêmio ( Copa do Brasil ), e três, consecutivos, diante do Red Bull Bragantino ( CONMEBOL Sul-Americana ).

“A gente via tendências”, disse à ESPN José Jober, que começou a trabalhar com Hugo Souza na categoria sub-14 do Flamengo, sobre identificar no garoto um defensor de pênaltis nato. “Mas imagina, o gol é enorme para um garoto de 14 anos. Ele tinha uma tendência, uma vocação para isso, mas pela questão da força, às vezes não conseguia chegar ainda [na bola]. É natural”.

“O principal é que já se via o potencial. Você consegue identificar, e aí precisa ser estimulado para ir desenvolvendo. Isso é construção. É muito legal começar a ver esse desenvolvimento no atleta e ver isso ser construído ao longo do tempo”.

Foi nesse período, em 2013, quando o preparador de goleiros passou a ter contato com Hugo, que se deslocava de Duque de Caxias , na Baixada Fluminense, até Vargem Grande , na Zona Oeste do Rio, onde fica o Ninho do Urubu.

Na maioria das vezes acompanhado pelo pai, Jorge. Depois de passagens pelo futsal de Vasco e Fluminense , o goleiro chegou em 2009 à categoria de base do Flamengo.

“O Hugo é um menino humilde, de uma família humilde, batalhador, um menino que venceu no futebol. Menino que morava longe, morava em Duque de Caxias e ia para Vargem Grande. Eu vi esse início de trajetória. Eu testemunhei a dificuldade, sobretudo do pai, que veio a falecer com o Hugo jovem ainda. Um menino muito batalhador. Lembro dos olhos brilhando. É um menino que sempre quis muito chegar e por isso merece chegar onde chegou”, contou Jober à ESPN .

Nascido em 31 de janeiro de 1999, Hugo fez parte de uma geração no Flamengo acostumada a vencer. A chamada ' Geração 2000 ', que contava com nomes como Vinicius Jr ., agora astro do Real Madrid , passou dois anos (2014 e 2015) sem uma derrota sequer.

Carlos Miguel ‘barrado’?

Um fato pouco conhecido da trajetória de Hugo Souza no Flamengo foi ter ‘barrado’ a chegada de Carlos Miguel, justamente um de seus antecessores no Corinthians. Poucos conhecem, mas o atual goleiro do Nottingham Forest teve uma passagem pelo time carioca, A decisão, claro, não passou pelo goleiro.

“O Carlos Miguel teve uma passagem com a gente. Um atleta que passou, mas que [não ficou] por já ter o Hugo, o goleiro que a gente tinha uma projeção. O futebol é assim, você tem que fazer escolhas, você não tem como formar todo mundo. Então, você vai colocando, outros vão seguindo outros caminhos, vão tendo outras oportunidades em outros clubes. E assim é a vida”, contou Jober à ESPN .

Criado pela avó paterna e pelas tias em Rio das Ostras, Carlos Miguel passou por testes em clubes como Bonsucesso e Boavista até receber uma oportunidade no Flamengo, em 2015. Aprovado em uma peneira, o arqueiro ficou um ano no clube rubro-negro.

“O Carlos Miguel veio para fazer uma avaliação, um teste. Eu vi potencial nele e aprovei por uma questão futura para o clube. Mas como o Hugo jogou e foi muito bem no ano dele de sub-17, e aí você teria um Carlos Miguel ainda para ser trabalhado. Veio de um clube menor, já de forma tardia. Veio de uma captação nossa do Boavista com uma idade um pouco mais alta, e o Hugo veio sendo construído lá de baixo. Por conta disso, ao subir, houve a saída do Carlos Miguel”.

“É um processo natural. Não que o Carlos Miguel não teria potencial, não era isso, mas é que você não pode ter muitos goleiros em potencial num mesmo clube. Você acaba abafando o outro, a projeção do outro”.

Impacto do ídolo Júlio Cesar

Trabalhado para assumir o posto da equipe principal do Flamengo, Hugo Souza, ou “Neneca” como também é conhecido, foi o único goleiro de sua geração no clube a ser convocado para todas equipes as categorias de base da seleção brasileira . E isso passou por uma virtude: saber ouvir.

Já flertando com o time profissional, onde fazia treinos eventualmente, o goleiro teve a chance de conviver por alguns meses com um ídolo e uma referência: Júlio Cesar .

Cria do clube, ele retornou em 2018 para encerrar a carreira no Flamengo. Foi uma chance ouro para Hugo.

Fotógrafo do clube, Gilvan de Souza chegou a registrar a admiração de Neneca, Victor Hugo e Yago observando um treinamento de Júlio Cesar no Ninho do Urubu.

“Eu estava até treinando ele. O Júlio acabou vindo treinar com a gente porque o profissional viajava e estava disputando alguma competição. Nós estávamos treinando e o Júlio veio para treinar com a gente”, disse Nielsen Elias à ESPN , detalhando o momento em que a imagem foi eternizada.

“Sempre que acabava os treinos a gente ficava conversando, tinha muita troca de informação, muita troca de ideia. O Júlio foi um cara sensacional. Várias vezes ele orientava nos treinos, as movimentações, a parte técnica, posicionamento. Ele vinha: ‘Pô, assim tá legal, assim não tá’. São aqueles detalhes que vão fazer muita diferença. Ele realmente veio com a ideia de trocar a experiência”.

O impacto positivo para Hugo Souza do período em que teve Júlio Cesar como companheiro também chamou a atenção de Jober.

“Eu vi o Júlio sentar no gramado com essa garotada depois do treinamento, conversar sobre várias situações da carreira e se emocionar. Você via verdade no que estava falando, e isso contagia. Essa troca, essa experiência do Júlio com os atletas que a gente trabalhava foi muito enriquecedora”.

Ascensão meteórica e a morte do pai

Hugo Souza agarrou, literalmente, a chance que recebeu no time profissional do Flamengo. Ainda que tenha surgido em um momento conturbado. Com o elenco desfalcado em meio aos casos positivos de COVID-19, o goleiro foi titular e deixou o campo como destaque da partida no empate em 1 a 1 diante do Palmeiras , pelo Brasileirão de 2020.

Mas mesmo que muito vitoriosa, a passagem de Hugo pelo time profissional do Flamengo foi marcada pela ascensão meteórica e pela oscilação que levou o goleiro a ser 3º reserva.

Isso tudo passa por um drama que foi enfrentado apenas pelo jogador e seus familiares: a morte do pai de Hugo, Jorge , que sofreu um infarto em março de 2020.

“A gente tem que entender também que no processo de um atleta, especialmente um goleiro, é aquela situação de estar sob pressão o tempo inteiro, não pode errar. A gente sabe como o futebol funciona. Infelizmente teve uma situação do falecimento do pai dele, e de repente tudo começou a acontecer muito rápido para ele. O Brasil todo começa a conhecer o Hugo, que até então era um atleta teoricamente desconhecido, um atleta promissor”, disse Nielsen.

“Começa a acontecer tudo muito rápido. Ele tem um processo de valorização pessoal, de valorização financeira, o status dele de ser um garoto promissor a ser um potencial titular foi muito rápido. A torcida começa a invadir a rede social dele querendo que ele jogue. E é difícil você administrar isso, especialmente um atleta muito jovem”.

Os problemas aumentaram principalmente por conta da cobrança que passou a receber após uma falha contra o São Paulo, nas quartas de final da Copa do Brasil de 2020. No Maracanã, com a partida empatada em 1 a 1, Hugo recebeu uma bola recuada, tentou driblar Brenner e perdeu a bola, no lance que definiu a derrota.

Ainda naquele ano, Hugo foi o goleiro titular do Flamengo campeão do Brasileirão em virtude de um momento de instabilidade física de Diego Alves.

No ano seguinte, chegou a ser o quarto goleiro antes de ser efetivado por Paulo Sousa como titular absoluto. No período, alternou bons e maus momentos antes de perder espaço com a chegada de Santos.

“O pai dele era uma grande referência para ele. O pai sempre acompanhou. A família do Hugo sempre acompanhou, mas o pai era uma referência muito forte. É natural acabar tendo um desequilíbrio. É um atleta que tinha 20 anos, né? É um processo complicado”.

“Isso naturalmente acabou se refletindo no campo. Ele começa muito bem e depois tem um processo um pouco instável, o que também é natural de atletas jovens. Atletas jovens passam por instabilidade. Só que a pressão no Flamengo, assim no Corinthians, nos clubes grandes, ela é o tempo todo. Foi o foi somatório das coisas que eu vi acontecerem”.

“Hoje dá para perceber que ele está bem mais equilibrado, mais centrado, com a vida mais estruturada, mais consciente da responsabilidade, das obrigações que ele tem com a família. Antes de o Hugo ir para São Paulo, ele ficou treinando comigo aqui no Rio e eu fiquei muito feliz desse processo de maturidade dele. Maturidade e experiência, você não vai comprar na esquina. A vida vai te ensinar”.

Hugo Souza deixou o Flamengo em meados de 2023 após vivenciar um verdadeiro furacão no Ninho do Urubu por conta das críticas. Foram 71 jogos disputados pelo Rubro-Negro, além de seis títulos conquistados: Campeonato Brasileiro (2020), Supercopa do Brasil (2021), Campeonato Carioca (2020 e 2021), CONMEBOL Libertadores (2022) e Copa do Brasil (2022).

O reencontro com o Flamengo

De volta ao Brasil após passar uma temporada de provação em Portugal, onde defendeu as cores do Chaves , Hugo Souza vive novamente um bom momento da carreira. “Abraçado” em Itaquera, o goleiro caiu rapidamente nas graças da torcida do Corinthians e deve ser ter seus direitos econômicos adquiridos em breve pelo clube paulista.

Antes, no entanto, está a missão ajudar o clube a se livrar do risco de rebaixamento em 2024. O que torna o reencontro com o Flamengo ainda mais importante.

“Acho que vai ser um grande desafio para ele. Por toda questão contratual que envolve e por ter vivido mais de dez anos dentro do Flamengo”, apontou Nielsen. “Os momentos também são bem diferentes, o Flamengo brigado pelo título e o Corinthians contra o rebaixamento. São ingredientes que vão fazer esse jogo ser bem diferente para ele. Não sei se vai ter ‘lei do ex’ de goleiro. Acho que o Hugo vive excelente momento e a diretoria do Corinthians está correta em fazer esse investimento”.

“A gente sabe que poder ofensivo do Flamengo é muito grande, e naturalmente o Hugo vai ser testado nesse jogo. Vai ter que tirar alguns coelhos da cartola. A vida do atleta é passar por desafios. Tenho certeza que vai ser um jogo especial para ele, mas também acredito que ele vai corresponder à expectativa. Tem tudo para fazer um grande jogo”.

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