Predestinado e imortal: as emoções e reações no adeus (ou até logo) de Gabigol ao Flamengo

"E agora como eu fico nas tardes de domingo sem Gabi no Maracanã?”

A frase, originalmente composta para a música "Saudades do Galinho", de Morais Moreira, em referência a Zico, em 1983, estava em um cartaz erguido por um dos 67.113 torcedores presentes no Maracanã (maior público total do Campeonato Brasileiro). Foi na tarde do último domingo que Gabigol fez a sua despedida do Flamengo . O nome está marcado na história do clube e a fama de predestinado o levou para a imortalidade.

O próprio se definiu como uma lenda. Filipe Luís, o técnico e amigo, foi outro a corroborar com a narrativa. A verdade é que chega ao fim um dos capítulos mais bonitos do clube e, claro, o principal da carreira de um jogador de apenas 28 anos, que escolheu respirar novos ares e desbravar outro lugar.

Cartaz em despedida de Gabigol do Flamengo — Foto: Letícia Marques / ge

A pergunta do torcedor ainda ficará sem resposta. O próximo Maracanã sem Gabigol será apenas em 2025. Restou aos rubro-negros aproveitarem o último ato de um dos maiores ídolos do clube com uma linda – e merecida – festa na arquibancada. E coube ao jogador desfrutar do carinho dos milhares de apaixonados presentes.

Gabigol em Flamengo x Vitória — Foto: Gilvan de Souza e Marcelo Cortes/Flamengo

Gabigol costuma dizer que “as ruas falam”, então, parafraseando-o: a arquibancada falou. Na verdade, gritou - bem alto e muitas vezes – o pedido de “Fica, Gabigol”. O desejo era praticamente uma súplica de quem aprendeu a conviver (e superar) todas as fases do jogador e que lamenta seguir sem tê-lo como referência.

A dificuldade do torcedor em deixá-lo seguir está diretamente ligada à idolatria construída nos últimos seis anos e 13 títulos conquistados. E quando se trata de idolatria é difícil que alguém vença uma guerra, mesmo que velada. Os mais de 67 mil torcedores protestaram contra a diretoria pela não renovação do contrato de Gabigol. O presidente Rodolfo Landim foi o principal alvo das manifestações.

Mas o texto de hoje não vai relembrar os acontecimentos e infinitos impasses na relação entre o jogador e a diretoria do clube. O texto de hoje é para trazer os detalhes dos últimos momentos do Gabigol com a camisa do Flamengo (veja as imagens exclusivas no topo do matéria).

A tarde começou com uma homenagem na beira do gramado com a exposição de todos os 17 troféus conquistados pelo jogador. Gabigol foi ovacionado assim que saiu do túnel e entrou no radar dos olhares dos torcedores. E foi para torcida corresponder. Acenou, mandou beijos e ergueu o braço. Abraçou a família e viu o seu pai cair em lágrimas.

Gabigol comemora o último gol pelo Flamengo — Foto: Divulgação / Flamengo

E ouviu pela primeira vez o pedido para ficar vindo da arquibancada. Ouviu pela primeira vez também os xingamentos direcionados ao presidente Landim e, de forma discreta, balançou a cabeça seguindo o ritmo ecoado pelos torcedores. Na sequência, ignorou a diretoria ao receber a placa em sua homenagem. Não tirou foto com ninguém e ergueu a placa para a arquibancada.

Imagem Cartaz em homenagem a Gabigol em despedida do Flamengo Imagem Letícia Marques / ge
— Foto 1: Cartaz em homenagem a Gabigol em despedida do Flamengo — Foto 2: Letícia Marques / ge

Abraçou a família no meio das taças conquistadas e, mais uma vez, foi ovacionado. Com uma postura calma, concentrada e calculista encerrou o período de homenagens e seguiu para o aquecimento, já que seria titular em sua última partida. Enquanto isso, o pai sinalizava para torcida que a despedida é apenas um até logo.

Gabigol cercado de crianças na despedida — Foto: Letícia Marques

“Ele vai, mas ele volta”. Se voltar fará feliz as dezenas de crianças que ficaram aglomeradas ao seu redor na hora que o time entrou em campo. E foi neste momento que o Setor Norte ergueu um mosaico formando a imagem da clássica comemoração: o muque. Minutos depois, uma bandeira foi erguida com as taças e algumas imagens marcantes da passagem de Gabigol: os cartazes “Hoje tem gol do Gabigol” e “Bem-vindo ao inferno”, os gols de Lima, a comemoração contra o Corinthians e contra o Atlético-MG.

Mosaico para Gabigol em sua despedida do Flamengo — Foto: Reprodução / sportv

O primeiro tempo foi marcado pela ansiedade em marcar – o que vale também para os companheiros, que o procuravam a todo momento. Nenhuma chance clara. Lamentou algumas bolas perdidas e até abraçou a trave em um dos momentos. Foi para o vestiário com o Maracanã, mais uma vez, ecoando o pedido para ficar.

Gabigol estava posicionado no meio-campo para dar o pontapé inicial no segundo tempo quando viu a câmera do telão flagrar uma criança reproduzindo a sua comemoração. Teve um dos primeiros momentos de descontração e não escondeu o sorriso. O pedido ecoou mais uma vez vindo da arquibancada e foi assim que começou a etapa final.

E não demorou muito para Gabigol marcar. Aos 13 minutos, Pulgar deu um bolão para o atacante bater na saída do goleiro. Ele deu a sua olhada clássica – e fria – para o canto que colocou a bola no fundo da rede. O Maracanã explodiu no gol do adeus. E Gabigol explodiu na comemoração como pouco se viu.

Abriu os braços e correu. Correu quase sem rumo e parou já perto do meio de campo. Saltou, fincou os pés no gramado e fez o que os 67 mil rubro-negros esperavam ver na tarde de domingo: o muque. E não parou de gritar. Foi cumprimentado por praticamente todos os companheiros e foi até Filipe Luís. Um abraço apertado no amigo que virou técnico e o fez ressignificar os últimos meses no clube.

Gabigol quase reeditou Lima. Teve outras duas chances nos três minutos seguintes, mas foi bloqueado na hora da finalização. Aos 34, viu o Ayrton Lucas empatar (2 a 2) e repetiu o que já fez em algumas das suas 308 partidas pelo Flamengo : pegou a bola no gol e correu para o meio do campo, como quem quer jogar mais e reverter o resultado.

Praticamente não teve tempo. Um minuto depois foi substituído por Alcaraz. Saiu aplaudido de pé, ovacionado e ao som de “Fica, Gabigol”. Foi abraçado por todos os jogadores, por toda a comissão técnica e por todo o banco de reservas. Recebeu mais um abraço muito apertado de Filipe Luís e fez a tradicional “fusão” com Bruno Henrique na beira do gramado. Ficou sentado no banco até o apito final.

Comemorou no gramado com os companheiros e foi para o Setor Norte receber o carinho dos torcedores. Por lá ficou por alguns minutos até começar a dar uma volta olímpica para se despedir da torcida e do palco que teve como casa. Pegou uma bandeira que foi jogada na arquibancada, se cobriu com ela e seguiu o caminho até falar pela última vez como jogador do Flamengo .

A paixão à primeira vista pelo vermelho e preto fez Gabigol cair nas graças da torcida. O atacante – que ainda nem foi – já revelou o sonho de voltar e confessou que acha que retornará um dia. Enquanto o tempo passa e isso não acontece, Flamengo e Gabigol vão precisar reaprender a viver um sem o outro. Mas o que é mais difícil: aceitar o fim de um ciclo ou lidar com a ansiedade de um recomeço?

Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv

Fonte: Globo Esporte