A primeira final única da história da Libertadores da América, entre Flamengo e River Plate , pode ser considerada um sucesso, se for levado em conta o que a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) plenejava quando, ainda em fevereiro de 2018, anunciou a mudança no formato da decisão continental para os próximos três anos.
Em uma entrevista exclusiva à ESPN durante a semana da finalíssima na capital do Peru, o presidente da entidade, Alejandro Domínguez, explicou que o motivo principal da mudança para a decisão com apenas um confronto foi deixar todos em "igualdade de condições" no aspecto esportivo, acabando com velhas práticas "caseiras" da competição.
"Em uma só partida, não há opção de ganhar através de artimanhas. Você tem que deixar tudo em campo nos 90 minutos, talvez nos pênaltis. Tem que jogar futebol", afirmou.
"No sistema antigo, de ida e volta, nós nos demos conta de que 70% das equipes que faziam a partida de volta em casa terminavam campeãs. Por isso, creio que, em campo neutro, como é agora, há igualdade de condições", completou.
Além disso, a Conmebol queria "aumentar a qualidade da competição, a emoção do espetáculo, a organização e a segurança do evento, o posicionamento mundial do futebol sul-americano e a comercialização dos direitos e do mercado esportivo correspondentes”.
Após estes últimos dias em Lima, dá para dizer que tudo o que a entidade queria foi alcançado.
EMOÇÃO DO ESPETÁCULO
Foi a melhor final de Libertadores da história? Talvez não. Mas certamente foi uma das mais emocionantes.
Com o jogo único, as emoções do duelo entre Flamengo e River ficaram ainda mais à flor da pele, com cada dividida sendo comemorada como um gol.
Afinal, as coisas tinham que ser resolvidas em apenas 90 minutos, e não mais em 180, como era antes.
No estádio, foi possível ver torcidas flamejantes, e tudo foi potencializado: a alegria dos rubro-negros com os gols de Gabigol foi algo poucas vezes visto na história do time carioca, enquanto a tristeza e a cara de incredulidade dos argentinos, que ganhavam a partida até os minutos finais, dava até amargura.
No fim das contas, o jogo, além de emocionante, foi bem disputado e terminou sendo muito elogiado por Jorge Jesus, técnico do Flamengo.
Na sua opinião, a decisão da Libertadores foi até melhor, mais emocionante e com maior envolvimento das torcidas que a da última Champions League.
"Essa é uma final que, segundo me disseram, foi vista por milhões de telespectadores. Quem viu essa partida vai perceber o nível que essa final teve. Foi melhor que o nível da Champions", afirmou, citando a última decisão - Liverpool 2 x 0 Tottenham.
"Aliás, esta final de hoje teve mais conteúdo tático, mais conteúdo técnico e, nas arquibancadas, foi muito mais bonito que Liverpool x Tottenham, em Madri, que foi uma partida que eu vi ao vivo", salientou.
"Isso mostra a qualidade do que é o futebol fora da Europa, das equipes de Brasil e Argentina, que são dois países que fabricam jogadores todos os dias, os melhores do mundo. Por isso, essas competições daqui têm que ser cada vez mais valorizadas", pediu.
Entre os jogadores, o clima também parece ser de aprovação. O lateral Filipe Luís, do Fla, por exemplo, definiu a final única como "mais emocionante e mais justa" .
ORGANIZAÇÃO E SEGURANÇA
Mesmo com Lima tendo que se arrumar às pressas para receber a final da Libertadores, após a Conmebol tirar a partida de Santiago, no Chile, tudo aconteceu perfeitamente.
O Governo peruano destacou um efetivo de 10 mil policiais para o decisão continental, e, no aspecto da segurança, a postura foi elogiável.
Durante os dias que antecederam o jogo e também durante e depois da partida, praticamente nada de notável foi registrado em termos de violência entre torcidas.
O caso mais grave aconteceu em um shopping da cidade, quando um torcedor argentino fez gestos racistas para um flamenguista . Houve princípio de tumulto, mas a polícia controlou a situação.
O maior problema de Lima é a questão de deslocamento.
O Governo até tentou fazer o que foi possível para diminuir o trânsito na capital decretando feriado, mas o tráfego foi pesado mesmo assim (até porque havia vários outros eventos na cidade no mesmo dia, como shows musicais e uma maratona).
Com parcas (para não dizer nenhuma) opção de chegar ao Estádio Monumental, que só é acessado por uma única avenida, brasileiros e argentinos tiveram que se virar como puderam para estar na arena.
Os torcedores usaram de tudo: ônibus fretado, vans, aplicativos de transporte e até patinetes. Alguns mais jovens foram até caminhando!
No fim das contas, todo mundo chegou a tempo de Flamengo x River. Mas não dá para dizer que é confortável ter que sair de quatro a seis horas antes para garantir a chegada e, depois, ficar torrando debaixo de um sol escandante como o de Lima...
COMERCIALIZAÇÃO DE DIREITOS
Segundo explicou Alejandro Domínguez à ESPN , a final única da Libertadores aumentou o interesse dos estrangeiros em ver a partida, por se aproximar mais de como é a Champions League .
Tanto é que, de acordo com o cartola, a quantidade de países que exibiram o jogo passou de 122 para 186, um crescimento expressivo.
Além disso, a Conmebol fechou parcerias com empresas que fazem transmissões televisivas para aviões e cruzeiros, exibindo Flamengo x River Plate para quem estava no ar ou no mar no momento da partida.
A Conmebol calculou que até 5,5 bilhões de pessoas teriam condições de ver o duelo entre brasileiros e argentinos.
É claro que essa estimativa parece (bastante) exagerada. Mas não dá para negar que certamente aumentou o número de telespectadores no planeta com a mudança para final única.
MAS E OS ALTOS PREÇOS?
Durante os últimos dias, a reportagem conversou com muitos torcedores, tanto do Flamengo quanto do River, e praticamente todos foram unânimes ao reclamar dos altos preços - ainda mais com a troca de sede de Santiago para Lima em cima da hora.
Argumentaram, com razão, que a final única afasta torcedores de menor poder aquisitivo da grande decisão.
Afinal, quem tem dinheiro para pagar R$ 20 mil em um bilhete de avião, como estava sendo cobrado para quem queria ir do Rio de Janeiro à capital peruana há alguns dias?
E quem pode bancar o valor dos hotéis, que inflaram suas diárias, sabendo que iriam receber uma quantidade maciça de turistas?
Muitos fãs fizeram sacrifícios notáveis, como realizar o desconfortável périplo de ônibus do Brasil até Lima, com seis dias de viagem, mais de 5 mil quilômetros e quase 150 horas de estrada.
Os argentinos, que vivem duríssima crise econômica em seu país, também realizaram esforços hercúleos para estar na capital peruana para a partida - alguns até mesmo sem passagem de volta e sem qualquer ideia de como iam retornar às suas casas.
Todavia, mesmo com todas essas dificuldades, o Estádio Monumental ficou lotado, e a festa foi maravilhosa.
Segundo informou a Superintendência Nacional de Migrações, que é o órgão que controla a entrada e saída de estrangeiros no Peru, 24 mil brasileiros e 17 mil argentinos 'invadiram' o país para a final da Libertadores.
No fim das contas, a final única parece mesmo um caminho sem volta, mesmo depois de 2021...