No primeiro Flamengo de Tite, equilíbrio parece ser a prioridade

Por mais que tenha jogado o suficiente para vencer com justiça, não é possível dizer que a vitória sobre o Cruzeiro seja o sinal definitivo de um Flamengo transformado. Afinal, isso não se faz com uma troca de treinador e pouco mais de uma semana de treinos. E, diga-se, os primeiros minutos de jogo no Mineirão foram muito difíceis para o time de Tite, até que as circunstâncias favoreceram o Flamengo: o primeiro gol abalou os donos da casa, que numa sucessão de erros devolveram duas vezes a bola aos rubro-negros no lance que originou o pênalti e o segundo gol: em menos de cinco minutos, a partida estava praticamente decidida. No entanto, alguns números do jogo merecem atenção, porque revelam as primeiras preocupações da nova comissão técnica.

Comemoração do gol do Ayrton Lucas pelo Flamengo contra o Cruzeiro — Foto: https://ge.globo.com/playlist/desimpedidos.ghtml#video-12043613

Neste Campeonato Brasileiro, o Flamengo permite, em média, 14 finalizações por jogo a seus adversários. O Cruzeiro teve dez arremates. Talvez ainda mais significativo seja examinar a qualidade das finalizações, traduzida na métrica conhecida como Xg, ou gols esperados. Ela mede a probabilidade de gol em cada arremate e simula quantos gols um time “deveria ter marcado” em cada partida. A média rubro-negra no torneio é de 1,19 gol esperado de seus oponentes por jogo, um número alto. Nesta quinta-feira, o Xg do Cruzeiro ficou em 0,3.

Sempre é bom ponderar que o time mineiro é, neste momento, uma equipe com dificuldades técnicas importantes. Ainda assim, a sensação foi de que uma das primeiras tarefas da comissão técnica de Tite foi estancar a sangria, dar estabilidade ao terceiro time que mais permite finalizações no Brasileiro. Foram 20 minutos difíceis, em que o Flamengo não pressionava bem, permitia ao Cruzeiro encontrar jogadores às costas dos volantes rubro-negros e tinha dificuldade de vencer duelos, especialmente pelo lado direito de sua defesa. Até que algumas providências de Tite apareceram. A prioridade, neste momento, parece ser a busca por equilíbrio.

A escalação já dava algumas informações. A aposta na dupla de Pulgar e Thiago Maia pretendia ter dois volantes com boa capacidade de proteção da defesa. Wesley já não era o lateral que iniciava as jogadas quase como um ponta. Em muitos momentos, ele participava das saídas de bola como mais um integrante da linha de quatro defensores. O mesmo valia para Ayrton Lucas pela esquerda. A saída de bola tinha os dois laterais, os dois zagueiros e os dois volantes. Como mostra a imagem a seguir.

Saída de bola do Flamengo com seis homens — Foto: Reprodução Sportv

Em vários momentos em que o Cruzeiro cresceu no jogo, o Flamengo defendeu mais perto do seu gol, evitando que seus defensores precisassem cobrir espaços muito grandes. Uma certa dose de pragmatismo para iniciar o trabalho. E quando o Flamengo atacava, o lateral do lado oposto à jogada ficava, quase sempre, por trás da linha da bola.

Tanto que, nas jogadas em que tiveram intervenções mais decisivas, os laterais do Flamengo chegavam de trás. E não recebiam a bola já na linha de ataque, como pontas. Como aos 28 minutos, na primeira chance do Flamengo. Nela, Ayrton Lucas recebe de Thiago Maia e infiltra. Wesley sequer aparece na imagem, já que permanece por trás da linha da bola.

Os problemas iniciais do Flamengo, que não saiu perdendo porque Rossi fez ótima defesa, tornaram-se menos visíveis conforme o primeiro tempo avançou. Primeiro, Tite ajustou a marcação a Marlon, o lateral esquerdo do Cruzeiro. Tentando acompanhá-lo, Everton Ribeiro por vezes era obrigado a recuar demais e, fisicamente, sofria. Abaixo, Éverton persegue o lateral Marlon, mas não chega a tempo de evitar o cruzamento. No lance, Rossi faz grande defesa.

Éverton Ribeiro persegue Marlon em boa chance do Cruzeiro — Foto: Reprodução Sportv

Em seguida, o treinador rubro-negro inverteu posições: Everton saiu da “ponta direita” e passou a ser o meia central, enquanto Gérson foi para o lado direito. O Flamengo ganhou mais do que estabilidade. Gérson vinha tendo dificuldades para receber a bola entre volantes e defensores do Cruzeiro e, quando tentavam sair jogando, os zagueiros e volantes rubro-negros não o encontravam. Já Éverton Ribeiro se movia bem por ali, além de criar aproximações pela esquerda com Ayrton Lucas e Bruno Henrique, este último quase sempre bem aberto, com a função de buscar avanços em profundidade. Na construção do primeiro gol, a bola girou pacientemente de um lado a outro, até Fabrício Bruno dar um passe longo que encontrou Bruno Henrique na ponta.

Bruno Henrique recebe a inversão de bola de Fabrício Bruno — Foto: Reprodução Sportv

A posição de Éverton Ribeiro atraiu o lateral Palacios, deixando Matheus Pereira em dúvida entre seguir Bruno Henrique na ponta ou encostar em Ayrton Lucas.

O Flamengo constrói seu primeiro gol — Foto: Reprodução Sportv

Como Matheus tentou bloquear Ayrton, que já era vigiado por Ian Luccas, Bruno Henrique ficou livre. Algo que Everton Ribeiro percebeu, fazendo a bola tocada por Ayrton chegar rapidamente ao atacante. Daí saiu o primeiro gol.

Éverton Ribeiro dá o passe para Bruno Henrique — Foto: Reprodução Sportv

Na jogada que dá origem ao pênalti – e ao segundo gol -, também houve influência da mexida de Tite. De novo, vale lembrar que o Cruzeiro, talvez sob a influência do gol de Ayrton Lucas, perde a posse de bola ao menos duas vezes em erros técnicos graves, permitindo ao Flamengo permanecer no campo de ataque. Mas voltando à mexida de Tite, Gérson recebeu a bola aberto, atraindo a marcação e permitindo a Wesley atacar o espaço entre lateral e zagueiro do Cruzeiro. O lateral chega a apontar onde quer o passe. Ayrton, lateral do lado oposto à jogada, não aparece na imagem já que mantém posição mais defensiva.

Gérson recebe aberto e Wesley infiltra no lance do pênalti — Foto: Reprodução Sportv

O Flamengo teria outro momento de instabilidade na segunda etapa. Após um início de muito controle, o time acabou empurrado para trás quando Zé Ricardo lançou Mateus Vital e Nikão no Cruzeiro. Os donos da casa tiveram uma sequência de cruzamentos e escanteios, até Tite renovar fôlego com Gabigol, Arrascaeta e Éverton Cebolinha. O treinador tirou Pedro, Éverton Ribeiro e Bruno Henrique, este com problema físico. As opções de jogadores substituídos, assim como a escalação inicial, reforçaram outra mensagem: ao menos por ora, nem todos os principais nomes do elenco estarão em campo ao mesmo tempo. Combinar qualidade técnica sem perder vigor, ainda não é uma equação fácil de resolver neste Flamengo. Em Belo Horizonte, a nova comissão técnica conseguiu ter algo difícil na caminhada do time em 2023: equilíbrio, a palavra de ordem rubro-negra.

Fonte: Globo Esporte