Seria ingênuo imaginar que a euforia pelas vitórias brasileiras na Copa do Mundo de Clubes não viria, em algum momento, acompanhada pela tentação de comparar desempenhos e apontar qual resultado foi mais relevante. É um terreno perigoso e, naturalmente, sem uma resposta exata. Dizer, por exemplo, que as vitórias de Flamengo e Botafogo sobre clubes importantes da Europa foram conquistadas com planos e armas diferentes não precisa, necessariamente, significar que uma teve mais valor do que a outra. Primeiro porque o futebol admite todos os tipos de estratégias. Mas, principalmente, porque elas também foram obtidas sobre rivais em momentos distintos.
A dimensão da vitória do Botafogo só é totalmente percebida quando se pensa no tipo de rival que estava do outro lado. O alvinegro é um projeto de futebol que envolve, na realidade brasileira e sul-americana, muito dinheiro. Só na última janela, mais de meio bilhão de reais. No entanto, o PSG é um “clube estado”, bancado por um país cujas reservas de petróleo e gás inundam de recursos quase infinitos um projeto esportivo desenhado para sustentar as relações geopolíticas internacionais de um país como o Catar.
Foram estes recursos que colocaram o clube francês na elite econômica do futebol mundial. É difícil vencer times assim, tanto que não ocorria havia 13 anos. Em geral, é algo que envolve muito sacrifício, estratégia, um plano seguido à risca, erro zero e, quase sempre, a capacidade de passar boa parte do jogo se defendendo. Foi o que fez o Botafogo, com uma ordem admirável para proteger sua área, não permitir quase nenhuma chance real a um dos melhores ataques do mundo. Ainda que, ofensivamente, o time tenha sido obrigado a aproveitar uma de suas raras estocadas. É a única forma de vencer um time como o PSG? Impossível dizer, mas foi o meio utilizado pelos últimos clubes brasileiros para conseguir vitórias desse porte.
Já os 3 a 1 do Flamengo sobre o Chelsea têm um certo ar de frescor num aspecto: foram obtidos com um enredo que ainda não tínhamos visto nessa nova era do futebol globalizado, em que os chamados superclubes europeus se tornaram grandes organizações transnacionais.
Porque antes e depois de o Chelsea abrir o marcador, o campo na Filadélfia mostrava que o melhor time em campo era o Flamengo. Filipe Luís armou o time para pressionar ofensivamente, controlar a bola, atrair a pressão por encaixes do Chelsea e sair dela com muita organização. A ponto de, em dado momento do jogo, a virada começar a parecer questão de tempo. O que chamou atenção na vitória rubro-negra foi a naturalidade com que foi construída, gols que foram amadurecendo ao longo do jogo graças ao volume e ao controle das ações. E não saídos de um acaso, de uma escapada esparsa.
Significa que uma vitória tem mais méritos que outra? De modo algum. Porque diante do Botafogo estava um time campeão europeu há 20 dias, que estreara no torneio dos Estados Unidos com um inapelável 4 a 0 no Atlético de Madrid. Quando a competição teve seu apito inicial, havia um consenso internacional de que o PSG era – e ainda é – um dos três melhores times do mundo, se não o melhor. Não é pouca coisa ganhar de um time como esse.
Já diante do Flamengo esteve um Chelsea que, embora integrante do grupo dos mais ricos do mundo, vive uma completa renovação. Sua política de contratação de jovens, sua mudança de estilo de jogo com Enzo Maresca, tudo isso o fez encerrar a temporada sem que seja, talvez, um dos 10 melhores do continente europeu no momento. Mas, ainda assim, este é um projeto que envolve muito dinheiro, estrutura e uma série de jovens cobiçados pelo mercado. Então, é impossível tirar o mérito do Flamengo, tampouco deixar de reconhecer o nível de jogo do time de Filipe Luís, capaz de se impor com autoridade. Na era global, não tínhamos visto um integrante deste grupo dos superclubes europeus ser batido por um sul-americano em um jogo com tal enredo.
Para além disso, o que resta é a rotina de especulações que vem cercando esta Copa do Mundo de Clubes. O quanto o calor prejudicou o PSG? O que mudaria se quatro ou cinco titulares não iniciassem no banco? Era possível enfrentar o campeão europeu de outra forma? O Flamengo seria tão dominante se enfrentasse os franceses e não o Chelsea? Qual importância os europeus estão dando, de fato, a este campeonato?
Tentar responder é analisar jogos que não ocorreram. Por ora, o mais racional é perceber que o mercado brasileiro tem, hoje, mais estrutura, dinheiro e talento do que há 10 ou 15 anos. E que, seja contra o Chelsea ou o PSG, seria difícil pensar em vitórias como estas.
Ainda que nossos times não sejam – e não são – tão bons quanto a bilionária elite dos superclubes, há bom futebol aqui, equipes que podem protagonizar bons jogos contra as seleções mundiais que um futebol desigual permitiu reunir em um punhado de clubes – e, inclusiva, dominar times que momentaneamente estão um escalão abaixo dessa elite.
Mais do que especular sobre nível ou formular partidas imaginárias, nossa energia precisa ser direcionar os bons resultados da Copa do Mundo até aqui para um dever de casa interno. Se o futebol brasileiro hoje tem mais dinheiro, se atrai jogadores melhores e mais relevantes do que há uma ou duas décadas, por que não trabalhar para que este produto realize o seu potencial?
Que tal tratar dos nossos gramados, do nosso calendário, de nossa política interna? E, fundamentalmente, que tal partirmos enfim para uma liga nacional unificada, dedicada a cuidar do Campeonato Brasileiro como produto? Bem mais edificante do que discutir qual vitória brasileira foi maior nesta Copa do Mundo, é usar o torneio como combustível para uma vitória coletiva do futebol nacional.