Incêndio no Ninho, 6 meses: negociações travadas, títulos e CT fiscalizado marcam recomeço

O que aconteceu depois do caos? Como estão as dez famílias que perderam seus garotos? As instalações estão em perfeitas condições? E os sobreviventes, voltaram a jogar? As indenizações já foram pagas?

Seis meses após o fatídico 8 de fevereiro, o incêndio no Ninho do Urubu ainda suscita muitas perguntas. Boa parte delas com respostas objetivas, outras com discussões intermináveis. E o Flamengo no centro das atenções.

Entrada do Ninho do Urubu, CT do Flamengo — Foto: André Durão

Entrada do Ninho do Urubu, CT do Flamengo — Foto: André Durão

Meio ano após a maior tragédia da história do clube, o GloboEsporte.com enumerou pontos estruturais, judiciais e esportivos para esclarecer o desenrolar dos fatos desde então. Confira abaixo, com posicionamentos de familiares e do próprio Rubro-Negro.

Como estão as negociações?

O panorama das conversas entre o Flamengo e os familiares das vítimas fatais do incêndio mudou pouco nos últimos meses. Não há evolução desde o acerto com Gedinho, em 8 de abril. Um tio do ex-atacante assumiu as negociações no lugar de um grupo de advogados e acertou valores para a indenização.

Com isso, o Flamengo tem dois acertos e meio entre os dez previstos pelos garotos que perderam a vida no CT. O meio se dá porque a negociação por Rykelmo foi dividida entre os direitos comprovados de pai e mãe. A figura paterna entrou em consenso com o clube, se juntando a Gedinho e Athila Paixão, enquanto a mãe decidiu brigar pelos direitos na Justiça.

As dez vítimas fatais no incêndio do Ninho do Urubu — Foto: Infoesporte

As dez vítimas fatais no incêndio do Ninho do Urubu — Foto: Infoesporte

As tratativas conduzidas pela advogada Gislaine Nunes até pareciam caminhar para um acordo em um primeiro momento, mas houve divergência nos valores. A representante revelou ao GloboEsporte.com que pediria o indiciamento do clube, do presidente Rodolfo Landim e deseja que a CBF também seja responsabilizada no pólo passivo . A ação já está em curso.

Um grupo de advogados que representa o quarteto Arthur Vinicius, Christian Esmério, Jorge Eduardo e Pablo Henrique aguarda o desenrolar das investigações para também entrar com ações judiciais. A postura é a mesma do advogado Thiago D’Ivanenko, responsável por Bernardo Pisetta e Victor Izaias. As conversas, no entanto, não estão encerradas e aguardava-se um contato do Flamengo após mudança no departamento jurídico.

Família de Gedinho foi a que fez o acordo mais recente com o Flamengo — Foto: reprodução

Família de Gedinho foi a que fez o acordo mais recente com o Flamengo — Foto: reprodução

Décimo nesta lista, Samuel Thomas é representado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. As partes chegaram a negociar, mas os valores apresentados pelo Flamengo foram recusados pela família.

A discordância a respeito da indenização não significa uma ruptura total no relacionamento entre as partes. O Rubro-Negro oferece apoio psicológico e contribui mensalmente com uma ajuda de custo para amparar os familiares das vítimas.

Além das 10 vítimas fatais, outros 16 jovens estavam no centro de treinamento no momento do incêndio. O Flamengo já fez acordo indenizatório com todas as famílias.

Como estão os sobreviventes?

Dos 16 atletas que escaparam com vida da tragédia no Ninho do Urubu, apenas um não está mais no Flamengo: Kennyd Lucas, que se transferiu para o Corinthians. O convite para testes no Timão aconteceu durante o período em que os jovens estavam proibidos de se alojar no CT e o lateral optou por seguir novos rumos. Outros 14 seguem suas atividades normais nas categorias de base.

Jhonata com o vice do Flamengo, Rodrigo Dunshee, na assinatura de acordo indenizatório — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

Jhonata com o vice do Flamengo, Rodrigo Dunshee, na assinatura de acordo indenizatório — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

A ausência é Jhonata Ventura, que ainda se recupera dos ferimentos do incêndio e não tem previsão para voltar aos gramados. O zagueiro foi o último dos feridos a ter alta, após dois meses e cinco dias internado.

Também com passagem pelo hospital, Francisco Dyogo e Cauan Emanuel atuam no Sub-15 do Flamengo. O goleiro Dyogo, inclusive, com atuações de destaque e convocação para a seleção brasileira da categoria. Curiosamente, em posto que era ocupado por Christian Esmério, que perdeu a vida no dia 8 de fevereiro.

Francisco Dyogo pela seleção sub-15 — Foto: Cahê Mota

Francisco Dyogo pela seleção sub-15 — Foto: Cahê Mota

Como está o Ninho do Urubu?

Após longo período interditado e, em seguida, com atividades liberadas apenas parcialmente, o CT funciona em sua totalidade desde 4 de junho. O Ministério Público e o Juizado da Infância e Juventude consideraram o espaço apto para voltar a hospedar atletas depois de o Flamengo firmar um TAC (Termo de Ajuste de Conduta).

Na volta aos treinos após período no Audax, em São João de Meriti, os garotos da base passaram a morar no antigo módulo utilizado pelos profissionais, como já era previsto (veja as instalações no vídeo acima) . Houve mudanças ainda na rotina do time principal, que passou a concentrar no novo prédio mais moderno, chamado CT2.

O espaço onde aconteceu o incêndio está na reta final de reforma e receberá o estacionamento para o departamento de futebol profissional. O local já foi pavimentado, pintado e está em fase de acabamento.

Como está a base do Flamengo?

O trauma pela tragédia não afetou o desempenho técnico das equipes de base do Flamengo. Nos seis meses após o incêndio, foram conquistados 12 títulos, sendo quatro por gerações afetadas diretamente pelo episódio.

Time Sub-16, campeão nos EAU, Itália e Hungria, seria a categoria de Christian, Samuel e Jorge — Foto: Divulgação/Flamengo

Time Sub-16, campeão nos EAU, Itália e Hungria, seria a categoria de Christian, Samuel e Jorge — Foto: Divulgação/Flamengo

O time sub-16, que receberia Christian, Samuel e Jorge neste ano, levantou troféus nos Emirados Árabes, Itália e Hungria. Na última semana, foi a vez do time sub-17, que teria Rykelmo, ser campeão na Inglaterra em torneio com Manchester United, Arsenal e Porto.

O Sub-20 ainda lidera o Brasileirão da categoria e o Sub-17 está na final da Copa do Brasil, diante do Corinthians.

Como está o inquérito?

O Ministério Público do Rio (MP) devolveu à Polícia Civil o inquérito do incêndio no Ninho do Urubu para o aprofundamento das investigações. O MP não considerou suficientes as provas apresentadas no relatório final da Polícia Civil contra os dez indiciados para denunciá-los à Justiça, entre eles o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello.

O que dizem as famílias?

Darlei Pisetta, pai de Bernardo Pisetta

"Nos mostramos abertos pra negociação, viemos procurando o Flamengo, semanalmente, e não temos o respaldo, uma devolutiva disso. Estamos propondo valores bem abaixo do que o Ministério Publico propôs. Não estamos pedindo nada absurdo (...) Nós, pais, precisamos de um afeto, de uma palavra de carinho, de um passar a mão na cabeça. Eu coloquei o meu filho lá, entreguei meu filho ao Flamengo. Ele veio a falecer lá dentro. Ninguém da diretoria do Flamengo veio me procurar pra me falar uma palavra".

Bernardo e Darlei Pisetta — Foto: Divulgação

Bernardo e Darlei Pisetta — Foto: Divulgação

Edson, pai de Pablo Henrique

"Só tivemos contato com o Flamengo no dia 22 de fevereiro. Desde então, não nos procuraram para mais nada. No mês de maio, o Flamengo procurou nossa advogada e fez uma proposta, mas não foi aceita. Fizemos uma contraproposta e até hoje não obtivemos resposta".

Marília, mãe de Arthur Vinícius

Arthur Vinícius ganhou homenagem nas ruas de Volta Redonda — Foto: Rick Fire

Arthur Vinícius ganhou homenagem nas ruas de Volta Redonda — Foto: Rick Fire

"A gente tenta viver, dar alegria. Porque eu sempre fui uma pessoa muito assim, alegre, comunicativa. Eu tento viver o máximo porque o meu filho não gostaria de me ver sofrer. Então quando eu sofro, eu logo lembro dele, da alegria dele, que ele gostava do jeito de viver. Então se eu pudesse falar algo, eu falaria isso: e se fosse eles (representantes do Flamengo) no lugar? Qual seria a reação deles? Como eles estariam?"

Diana, mãe de Áthila Paixão

"Estão sendo os dias mais difíceis da minha vida. A ausência dele dói muito. Da forma como ele se foi, então... Eu nunca esperei perder meu filho, principalmente de uma forma tão trágica. Não poder nem ter o direito de me despedir dele, de ver o rosto... A vida para mim perdeu o sentido".

O que diz o Flamengo?

Rodrigo Dunshee de Abrantes, vice-presidente geral e jurídico

Rodrigo Dunshee e Rodolfo Landim em cerimônia de posse — Foto: Agência Foto BR

Rodrigo Dunshee e Rodolfo Landim em cerimônia de posse — Foto: Agência Foto BR

"Começamos a negociar com MP, famílias, defensorias, e fomos evoluindo não só no ponto de vista financeiro, mas também de prazo e estilo das famílias. Chegamos a um patamar que o Flamengo considera satisfatório e correto comparando com o que aconteceu no Brasil ao longo dos anos.

Qual é o impasse? Se temos duas famílias e meia que sofreram o mesmo dano e aceitaram, temos o compromisso com essas famílias de que não serão prejudicadas. Entendemos que cada família tem um processo de maturação do ponto de vista emocional. Entendemos que estas famílias que aceitaram já passaram por este processo e respeitamos as outras.

A proposta é a mesma para todos. Chegamos a um patamar, um limite. Podemos negociar detalhes, se uma família é mais numerosa, com mais irmãos. Se quer parcelado ou à vista. As pessoas têm que entender a limitação do Flamengo.

O Flamengo não se sente culpado. O Flamengo se sente responsável por estar treinando essas crianças para terem um futuro melhor".

Fonte: Globo Esporte
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