Logo que a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) resolveu tirar Santiago (Chile) como sede da final única da Libertadores 2019 , colocando Lima (Peru) como novo posto, os torcedores do Flamengo entraram em uma enrascada com os altíssimos preços das passagens aéreas para a capital peruana.

No início do mês, por exemplo, variaram entre R$ 17 mil e R$ 21 mil , e não baixaram muito desde então.

Não à toa, muitos fanáticos optaram por fazer a longa viagem de ônibus até Lima, que não é cara como a de avião, mas é apenas para os fortes, já que é desconfortável, imprevisível e cheia de percalços, podendo demorar muito mais do que os seis dias estimados de trajeto.

O repórter Rafael Valente, da ESPN , está fazendo exatamente esta aventura e vem contando tudo em um diário de bordo .

E se avião é caro e ônibus é sacrificante, resta uma terceira opção: ir de carro.

Sim, isso é possível desde dezembro de 2010, quando foi finalizada a Estrada do Pacífico, que liga Rio Branco, capital do Acre, às mais importantes cidades peruanas, como Arequipa, Cusco e, por fim, Lima e também o importante Porto de Ilo, no Oceano Pacífico.

Ela tem duas partes: a BR-317, que vai de Rio Branco até a fronteira entre Brasil e Peru, que fica nas cidades de Assis-Brasil e Iñaparí, e depois a Carretera Interoceanica , que segue de Iñaparí até as maiores metrópoles peruanas.

Quem já fez esta viagem, como é o caso deste repórter, pode testemunhar: trata-se de um dos trajetos mais lindos que se pode percorrer no planeta. No entanto, é também uma das aventuras mais loucas (e, em alguns pontos, até perigosa) de uma vida.

Isto porque, para chegar a Lima, deve-se atravessar as terríveis estradas do Centro-Oeste e Norte do Brasil, que são especialmente ruins na região da Floresta Amazônica, e depois encarar muitas curvas na subida e descida dos Andes.

É uma viagem de quase 6,5 mil km, recomendada apenas aos motoristas mais experientes, com ótimas noções de direção defensiva.

E também aos carros mais "guerreiros", já que muitos motores e turbinas podem sucumbir aos quase 5 mil metros acima do nível do mar do Altiplano peruano.

Se você está disposto a encarar essa aventura, aí vão algumas dicas :

CHEGANDO A RIO BRANCO

Imaginando uma saída de São Paulo ou Rio de Janeiro, o melhor caminho para ir a Rio Branco é pela BR-364, que atravessa o Triângulo Mineiro e depois cidades como Jataí-GO, Cuiabá-MT, Vilhena-RO e Porto Velho-RO até chegar ao Acre.

Essa primeira parte da viagem já é para os motoristas mais experientes.

As estradas são bastante esburacadas, principalmente em Goiás, Mato Grosso e Roraima, e possuem muitos caminhões, além de serem raros os casos de pista duplicada.

Em certos trechos, também deve-se fazer travessias de balsa, como para passar pelo Rio Madeira.

Ainda deve-se contar com alguns possíveis imprevistos, como pontes que caíram o bloqueios nas estradas, causados algumas vezes por protestos em reservas indígenas.

Em março deste ano, por exemplo, uma manifestação pacífica paralisou o movimento entre as cidades de Candeias do Jamari e Porto Velho.

Ao chegar ao Acre, porém, a situação é mais tranquila, com estradas melhores, menos movimento e também a simpática cidade de Rio Banco.

Para quem gosta de futebol, vale até dar uma passada pela moderna Arena da Floresta, o mais bonito estádio da cidade.

ATRAVESSANDO A FRONTEIRA

De Rio Branco, a viagem até a pacata Assis-Brasil é bem tranquila. De lá, é só cruzar a fronteira até Iñaparí, a primeira cidade do lado peruano, antes de chegar à Aduana, que é o posto de controle usado pelas Políciais Federais dos dois países.

Lá, deve-se fazer algo importantíssimo para quem está de carro: contratar o SOAT (Seguro Obrigatório de Acidentes de Trânsito), que é o equivalente peruano ao DPVAT no Brasil.

Ele é obrigatório para quem vai ingressar com um veículo brasileiro em território peruano, e assegura tratamento médico para os passageiros do carro e terceiros envolvidos em um acidente. Será solicitado por policiais a cada parada na estrada - e serão várias.

Daí em diante, faz-se uma bela viagem pela Amazônia peruana até alcançar a cidade turística de Puerto Maldonado, que fica à beira do importantíssimo rio Madro de Diós - ele depois se junta ao rio Mamoré para se tornar o rio Madeira.

Para quem gosta de ecoturísimo, há inúmeras atrações na região, que possui diversos tipos de eco lodges e é cercada pelos parques nacionais Tambopata, Manú e Bahuaja-Sonene.

E a cidade, que recebe muitos turistas estrangeiros (principalmente europeus) é boa para comprar provisões e abastecer o carro, já que o próximo trecho da viagem é provavelmente o mais complicado e desafiador de todos.

ESCALANDO OS ANDES

Na sequência vem a parte mais desafiadora do trajeto: a escalada dos Andes. A viagem começa em Porto Maldonado, que está a 183 m sobre o nível do mar, e irá passar por altitudes de quase 5 mil m sobre o nível do mar em um trajeto de 491 km até Cusco.

A distância entre as cidades pode parecer pequena, mas já esteja avisado: é um percurso que demora até 16 horas para ser completado, já que a estrada é inteira feita de curvas íngremes e muitas subidas e descidas, sem praticamente nenhuma reta.

Além disso, ela atravessa muitas comunidades rurais no caminho, e é bastante usual ter que parar o carro para aguardar a passagem de vacas, carneiros, lhamas e alpacas.

O tempo também é muito instável, com névoas, neblinas e até possibilidade de neve em alguns dos trechos mais altos, o que força os motoristas a conduzirem em velocidade reduzida para diminuir os riscos.

Por fim, algumas pessoas podem passar mal por causa da altitude, tendo dores de cabeça e náuseas, enquanto alguns veículos podem sofrer as consequências do ar rarefeito com falhas nos motores e nas turbinas.

Contudo, todos esses problemas são esquecidos ao se admirar as lindas paisagens do altiplano peruano, com picos nevados, rios, lagos e muitas belezas da fauna e da flora nativas.

Por isso, tenha uma certeza: essa parte da viagem é extremamente cansativa e colocará à prova até o motorista mais hábil. No entanto, ficará marcada na memória de qualquer um que se atrever a atravessar os Andes.

E depois de subir quase até as nuvens, a parte final deste trecho é de descida até Cusco, que fica a 3.399 m sobre o nível do mar.

Falar sobre turismo na cidade é redundante, já que é na região desta metrópole que se encontra Machu Picchu, uma das grandes maravilhas do mundo, entre muitas outras atrações históricas imperdíveis.

Além disso, passear de carro pelo Vale Sagrado dos Incas e suas estradas de terra cercadas de encantos é outra "tarefa" obrigatória.

TERMINANDO EM LIMA

A viagem de Cusco até Lima tem algumas das maiores mudanças de paisagens que é possível encontrar no planeta.

Em um trecho de quase 800 km, vai-se do verde do Vale Sagrado dos Andes até o seco deserto peruano, em mais uma estrada que desafia os motoristas, principalmente na parte inicial.

Ao chegar ao deserto, porém, volta-se a andar em baixas altitudes e no plano, com muitas retas. Nesses trechos, a viagem rende mais, e é possível se deslocar mais rapidamente, já que as curvas andinas ficaram para trás.

Durante essa travessia, a estrada passa ao lado das famosas Linhas de Nazca, que são um conjunto de geoglifos gigantescos feitos entre os anos 400 e 650 no formato de diversos animais, como macacos, aranhas, peixes, pássaros, lhamas e lagartos.

Consideradas Patrimônio Mundial da Unesco, as linhas podem ser avistadas de diversos pontos de observação ao longo da estrada. São atrações turísticas gratuitas, e basta estacionar o carro ao lado das torres e subir as escadas para dar uma olhada.

No entanto, para ver os desenhos de maneira completa é necessário fazer um voo em pequenos aviões que podem ser contratados na cidade de Nazca. Os geoglifos são enormes, e só lá do alto é possível observá-los em sua total imensidão.

A parte final da viagem vai de Nazca a Lima, cidades separadas por 459 km de estradas boas, em um trajeto sem muitos percalços. Recomenda-se ir parando ao longo do caminho nos vilarejos litorâneos para provar os famosos pescados peruanos.

A chegada a Lima, porém, é caótica, já que a capital é conhecida por ter um dos piores trânsitos do mundo.

Depois de encontrar seu hotel e finalmente relaxar, basta agora se encaminhar ao Estádio Monumental no próximo sábado e acompanhar o jogão entre Flamengo e River Plate, valendo o título da Libertadores.

Boa viagem!