Cândido Costa não esquece o seu primeiro dia de trabalho com Jorge Jesus no meio de 2006. O atacante estava chegando ao Belenenses a pedido do técnico português após deixar o Braga .

De férias antes de chegar ao clube de Jesus, Cândido conversou com os jornalistas na entrevista coletiva. Depois foi ao centro do gramado, onde estava Jesus. Ali começou uma relação de amizade, mas com uma frase icônica.

"Você está gordo, parece uma bola. Deste jeito, você não vai correr, vai rebolar", relembrou Cândido, em entrevista ao ESPN.com.br .

"A equipe tinha trabalhado em um ritmo louco há um mês, enquanto eu estava parado, não o conhecia pessoalmente".

"Cheguei bem sério mostrando um ar de comprometimento e dei boa tarde para ele".

Foi assim que começou a carreira de Cândido no Belenenses. Esse era Jorge Jesus se apresentando a Cândido.

"Não pode se deixar afetar, senão está ferrado. Precisa responder: 'Sim, senhor mister, o senhor tem razão. Vou trabalhar para fazer melhor. Ele não consegue ser um cara contido. Ele não leva nada para casa. Se ele levar, explode, é sincero demais. É a forma dele trabalhar".

"Se está bom, ele quer ótimo. Se está ótimo, ele quer excelente. Se está excelente, ele quer estratosférico (risos). Não deixa ninguém na zona de conforto".

'Gritos precisam ser ignorados'

Uma das principais características do treinador do Flamengo é a sua personalidade curiosa.

"Ele não vai mudar aos 66 anos depois de tudo que fez na carreira. Os jogadores que precisam se adaptar. Eles precisam filtrar tudo que ele faz e ficar com o melhor. Se deixar se afetar, vai murchar", comentou Cândido.

Roma, por exemplo, "murchou" por causa dos gritos dele. Recém-saído do Flamengo na época, o atacante acabou não gostando dos comentários de Jesus e levou para o lado negativo, se abatendo.

"Tivemos o caso do Roma, que era baixinho, no Belenenses, mas muito bom de bola. Quando chegou aqui achávamos que ia jogar muito e iria nos ajudar. Depois de uns três ou quatro gritos do Jesus, ele nunca mais conseguiu ter o mesmo desempenho. Ele achava que o Jesus não gostava dele. Era ao contrário. Quando ele não acredita mais no jogador, aí é que ele deixa de gritar", confessou.

'Contratei o jogador errado'

No Beleneses, Jesus comandou diversos outros brasileiros além de Roma. O atacante Weldon, que teve passagens por Santos e Cruzeiro , caiu nas graças do treinador, mas também não foi poupado das frases duras do Mister.

"Weldon era muito rápido. No 1º treino, colocou a bola na frente e disparou", analisou Cândido.

Jesus parou, virou para os auxiliares e disse: "O gajo é muito rápido, ô pá".

Mas na sequência, tudo mudou.

"Fizemos um outro exercício mais técnico, de posse. O Weldon não conseguia dominar a bola, aí o Jesus começou a gritar".

"Depois de uns 40 gritos, Jesus falou 'fomos enganados, ô pá, este gajo não é aquele que vimos no Brasil, nos mandaram outro"

"Weldon achou estranho, mas depois se acostumou".

O brasileiro ainda jogou com Jesus no Benfica , em 2010.

Briga com 50 Cent

Sim. Jesus já brigou até com o rapper, ator e diretor 50 Cent.

Tudo aconteceu por conta de um ensaio do rapper no campo de jogo.

"Antes do treino, mandaram avisar que o 50 Cent estava lá", falou Cândido.

"Aí o Jesus comentou, já estressado: '50 quem? Quem é esse gajo? Quem está interrompendo o trabalho?'"

"Ele queria passar as instruções, mas não dava para ouvir nada. Ficou maluco, começou a passar mal e mandar os caras a m****: 'que música é essa, c****, isso é um campo de futebol!'".

O treino acabou. Jorge Jesus saiu irritado, sem antes de proferir mais uns xingamentos.

Sucesso em Portugal

Atualmente comentarista de televisão, Cândido Costa conta que os feitos do Mister no Brasil tem repercutido demais em Portugal.

"Jesus já tinha deixado sua marca, uma bela marca, como um dos melhores treinadores portugueses, mas ele tem sido falado muito por duas razões: primeiro porque é muito difícil vencer no Brasil e a segunda é por conta do show dele, pela forma como vive o jogo, como se comunica".

Cândido analisou a dificuldade de vencer no Brasil, a forma como a imprensa vive o futebol da mesma maneira que o povo brasileiro vive.

"É unânime aqui que ele foi incrível ao vencer a Libertadores e o Campeonato Brasileiro".

"Ele nasceu para vencer", completou.

Diferenças com Mourinho

Antes de trabalhar com Jesus, o atacante trabalhou com outro ícone de Portugal: José Mourinho. Ao lado do Special One, ele venceu o Português e a Europa League pelo Porto . Apesar de terem currículos vitoriosos, os treinadores têm estilos de trabalho muito diferentes.

"Pegar o trabalho dos dois é como mudar da água para o vinho, o que não quer dizer que um seja melhor que o outro. Mourinho é muito mais lírico, romântico, inspirador. Já o Jesus é treinador de campo, à moda antiga, vive mais o jogo", analisou Cândido.

"Se eles lerem o mesmo texto, as considerações finais de cada um vão ser totalmente diferentes para quem ouve. Acho que o Mourinho consegue vencer e conquistar muito na parte mental, um espírito espartano, viking, enquanto o Jesus é factual, é das pecinhas no quadro, é mais do grito, do trabalho no campo".

Um dos trabalhos que mais marcaram na vida de Cândido com Jesus foi na defesa.

"Ele dizia que jogador da linha defensiva deve se guiar pela bola, pelos colegas, pelos próprios passos e somente depois pelo adversário. A organização parte disso. Ele gritava esses quatro princípios durante todos os treinos até a exaustão na temporada. Até hoje lembro disso, mesmo 13 anos depois!", conta.

"Muitos pensam que ele é uma pessoa ríspida, sem sentimentos, mas isso não é verdade, vi isso quando deixei de ser seu jogador. Ele sempre me perguntava como eu estava, atencioso, mesmo depois de eu ter saído".