Flamengo, centroavante e bom de bola: Abel abre baú de memórias em vermelho e preto

As primeiras cores. A primeira camisa. Os primeiros jogos. O primeiro grande público. O despertar do amor pelo futebol de um Abel atacante como só os apaixonados pelas peladas do subúrbio do Rio de Janeiro puderam acompanhar em meados dos anos 60. Um Abel que vestia vermelho e preto. Abel Braga do Flamengo.

Antes de construir a trajetória de sucesso relacionada a Fluminense, Vasco, PSG e seleção brasileira dentro de campo, ao Inter de Porto Alegre fora dele, era o Rubro-Negro que pavimentava os sonhos do adolescente bom de bola do Flamenguinho da Penha. Centroavante de área, "mas que saía para jogar", Abelzinho - como só a mãe chamava na ocasião - era a arma ofensiva do time a ser batido por rivais de Vila da Penha, Braz de Pina, Vicente de Carvalho e toda Zona Norte do Rio de Janeiro.

- Foi a primeira camisa que eu vesti de um clube. Foi uma das maiores fases de minha vida. Isso aí a gente não esquece. Um jovem entrando na adolescência... Isso me deu bagagem de vida. Onde eu morava, vários colegas descambaram para o outro lado e eu nunca fui nessa. Gostava de jogar bola.

Era reta final da década de 60 quando o pai de um dos amigos resolveu unir o time da Penha com o Flamenguinho, que rivalizavam nos campos de pelada aos fins de semana. A estratégia deu certo e Abel Braga garante: era difícil ganhar da garotada de cerca de 15 anos. Futebol arte que logo chamou a atenção da vizinhança:

- Era gente demais vendo os jogos. Jogávamos descalço, mas os campos eram legais, com juiz, tudo direitinho. Só escutávamos lá de fora os caras apostando: "Contra esse time, eu dou dois gols", "Fulano vai fazer gol". Era um negócio que eu desconhecia. Não sabia que ia ser essa paixão tão louca. Era muita gente! O campo ficava rodeado de gente só pelo prazer de ver esse time jogar.

De família toda vascaína por parte de pai, de descendência portuguesa, e toda rubro-negra no lado mineiro, da mãe, Abel não queria saber de tomar partido dentro da casa. Nas peladas de rua, entretanto, o vermelho e o preto surgiram naturalmente. E não havia lesão que o fizesse faltar os jogos de casa cheia.

- Já cheguei a jogar de braço quebrado, engessado. Um eu cortei, meti o serrote, botei na água para o gesso amolecer e tirei para jogar pelo Flamenguinho. Aí, jogando para proteger um lado, caí e quebrei o outro. Fiquei com os dois braços quebrados e fora, além da dura do velho: "Como vai tirar o gesso para jogar bola, cara?".

Destaque no Subúrbio, Abel foi indicado para Portuguesa da Ilha do Governador como centroavante, mas ao completar um treino como zagueiro se sentiu mais à vontade. Contrariou até mesmo o mentor, Pinheiro, que tinha recebido referências do bom atacante que se destacava nas peladas do Subúrbio. Melhor assim para os dois.

Abel está perto de comemorar o título carioca pelo seu "Flamengo atual" — Foto: Alexandre Durão

Abel está perto de comemorar o título carioca pelo seu "Flamengo atual" — Foto: Alexandre Durão

O ex-zagueiro da seleção brasileira ensinou os atalhos da posição e abriu as portas no Fluminense. A trajetória que começou nas Laranjeiras teve sucesso indiscutível: Vasco, Figueirense, PSG, Cruzeiro, Botafogo e Goytacaz foram os clubes que o já Abelão defendeu, além do Brasil em Jogos Olímpicos, em 72, e Copa do Mundo, em 78. O vermelho e preto ficou restrito ao Flamenguinho.

- Quando eu estava no meu melhor momento, quando fui para Copa de 78 e fui para o PSG em 79, teria condição de jogar no Flamengo. Mas ali estava começando a ser montado um supertime, com Rondinelli, Mozer, Leandro, Júnior, Adílio, Zico... Eu me julgava em condição, mas o Flamengo não precisava de mim (risos).

O (re)encontro com o clube que viu tantas vezes a ser rival como profissional aconteceu, enfim, em 2004, já como treinador. O título Carioca marcado pelo futebol de Felipe fez com que Abel revivesse no Maracanã um cenário que acostumou-se a protagonizar décadas antes: casa cheia e espetáculo.

- A marca Flamengo é muito forte, chama a atenção. Em nível de torcida, até de mundo, é surreal. A cada cinco torcedores, três ou quatro são flamenguistas. Mas não era só a camisa do Flamengo. O time era bom e dava prazer. O que era flamenguista falava, mas o subúrbio inteiro falava. O garoto chegava até meio posudo para jogar.

Posudo como tem boas chances para deixar o Maracanã domingo. Com o Flamenguinho na memória e o Flamengo "de verdade" no peito, o treinador busca mais um título estadual diante do Vasco, a partir das 16h (de Brasília).

Com a vitória por 2 a 0 no primeiro jogo, no Nilton Santos, o Rubro-Negro será campeão mesmo com derrota por um gol de diferença. Placar que dá confiança e pede prudência. Mas só porque não é o imbatível Flamenguinho em campo dessa vez.

Fonte: Globo Esporte