Das feiras ao futebol: a história do clube-empresa da loja de roupas que tenta chegar à elite do Rio

— Nós queremos ganhar a Libertadores.

Essa foi a resposta que René Simões ouviu quando perguntou qual era o maior sonho de Renato Villarinho, ao fundar o clube Zinza F.C., do Rio de Janeiro. A meta parece — e é — ousada para um time que está na quarta divisão do Campeonato Carioca; mas é com base no investimento de uma loja de roupas, com a visão de dirigentes experientes em grandes projetos no futebol e tendo como inspiração o modelo do Red Bull Bragantino , que o Zinza F.C. pretende chegar ao topo do continente.

O Zinza FC é um clube-empresa que existe há um ano, que tem como dono Renato Villarinho, o fundador da Zinzane , grande empresa do setor de moda no Brasil. Atualmente com quase 180 lojas pelo país, Renato e a esposa Cláudia Richa começaram no ramo da moda com uma barraca de 4 metros quadrados na Babilônia Feira Hype, um tradicional evento ao ar livre que reúne expositores de moda na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Em 21 anos, o negócio expandiu progressivamente. As feiras saíram do Rio de Janeiro, espalharam-se pelo Brasil, e a Zinzane chegou aos shoppings do país. Ascensão rápida que Renato também almeja para o time, que já conquistou a quinta divisão carioca. Pensando nisso, o empresário mirou em dois nomes com longa bagagem no futebol nacional: José Carlos Brunoro, ex-executivo do Palmeiras, e René Simões, ex-treinador , que comandam o futebol do Zinza.

— Financeiramente, nós não teríamos condições de ter o Brunoro e o René Simões, mas eu sou um vendedor de sonhos. Eu convidei eles a vir ao Zinza FC, mas sonhando grande. E eles têm comprado o projeto. Se você quer ir a Marte, tem que pelo menos já ter ido à Lua - brincou Renato.

Brunoro, diretor executivo do Palmeiras em 2013 — Foto: Marcelo Hazan

— Eu sempre gostei de fazer projetos assim do início. Já tinha feito com o Audax antes, agora a Zinzane me chamou para fazer parte também. A emoção continua a mesma — celebrou Brunoro à TV Globo, em agosto, ao conquistar a quinta divisão carioca.

— Os meus amigos perguntam: você foi trabalhar na terceira divisão do Rio? Eu digo que não. Estou trabalhando em uma SAF da Zinzane, que tem um projeto a longo prazo espetacular. Isso me anima, me empolga. Sempre gostei de projetos e desafios — comentou René Simões, em entrevista ao ge .

Mas por qual motivo um empresário do ramo de roupas iria investir no esporte? Aliás, por que fundar um clube de futebol?

Renato e Cláudia têm uma ligação antiga com o esporte. O casal que está junto há mais de 40 anos é de ex-jogadores de vôlei, que chegaram a integrar a seleção brasileira nas categorias de base. Villarinho, inclusive, foi auxiliar de Bernardinho na seleção principal.

- Tínhamos isso no nosso conceito. Quando eu saí do esporte, eu não fiquei triste, porque meu desejo era empreender, mas eu falei para a Cláudia: "nós vamos voltar para o esporte empresariando".

Criação do time

A decisão de criar um clube de futebol veio 10 anos depois da criação do Time Zinzane, que é o projeto esportivo da marca. Uma das contratações de peso para o crescimento do investimento no esporte foi José Carlos Brunoro , quem criou as parcerias vitoriosas entre Parmalat e Palmeiras na década de 90, além de co-fundador do Osasco Audax. Inicialmente contratado para a função de diretor de marketing, Brunoro "ganhou" um projeto de futebol para tocar desde o início, como diretor esportivo.

— O Brunoro já estava com a gente no projeto esportivo, nos circuitos de vôlei de praia, nas ações de marketing. Era um sucesso tremendo. Depois de nove eventos, eu abordei a Cláudia e perguntei:

— Se nós tivéssemos o Hamilton, piloto de Fórmula 1, de diretor de marketing, e ele tivesse feito um trabalho brilhante. O que daríamos a ele? Um carro de Fórmula 1. Porque ele é brilhante fazendo aquilo. O Brunoro é brilhante, então, o que podemos dar a mais para ele? Vamos dar um time de futebol para ele dirigir. Ele já fez isso — disse o sócio-fundador da Zinzane.

Renato Villarinho, presidente do Zinza, Brunoro e Djalminha, na partida entre São Cristóvão e Zinza FC — Foto: Raphael Zarko

Outro nome de peso no futebol do Zinza FC é o de René Simões , ex-treinador de Botafogo, Fluminense e Vasco . Na função de coordenador técnico, ele é figura ativa no dia a dia do clube, no acompanhamento dos treinos e nas contratações. Aos 70 anos, René já viveu a elite do futebol brasileiro e levou a Jamaica à primeira Copa do Mundo de sua história, em 1998. No Zinza FC, encontrou mais um desafio para a carreira.

— Para você entender um projeto, você tem que entender a cabeça de quem comanda o projeto. Você tem que entender a cabeça do Renato Villarinho. Um cara que sai de uma feira em Ipanema e consegue construir um império de quase 180 lojas. Esse cara não pensa pequeno, ele pensa grande - disse René Simões ao ge .

René Simões em treino do Zinza FC, no Centro de Futebol do Zico, na Zona Oeste do Rio — Foto: Isabela Reis

Elenco, estrutura e campanhas

O Zinza tem a equipe profissional, o Sub-20 e o Sub-17. Na base, o time venceu a Série C nas duas categorias. O profissional, que também foi campeão da quinta divisão, conta com jogadores experientes, como Bruno Gallo, ex-volante do Vasco, e Denilson, ex-meia do Audax, que foi treinado por Fernando Diniz em Osasco. O treinador do principal é Felipe Alves, que foi jogador do Vasco em 2005.

Bruno Gallo na Série C do Rio: jogador do Zinzane — Foto: André Durão

O Zinza conta com a estrutura do Centro de Futebol do Zico, na Zona Oeste do Rio, para realizar os treinamentos da base e do profissional. A equipe mandava as partidas em Moça Bonita, em Bangu, mas atualmente joga no Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador.

Na Série C, quinta divisão do estado, a equipe teve apenas uma derrota na campanha que terminou com o título da competição sobre o tradicional São Cristóvão. Na quarta divisão, o Zinza ainda não perdeu: em quatro jogos, são três empates e uma vitória. Dono do projeto, Renato diz que o sucesso já é maior que o esperado.

— Quando eu fiz a empresa, não pensei em 177 lojas. Pensei em crescer. Quando eu fiz o Zinza, pensava em ser campeão da Libertadores? Sim, continuo sonhando. Mas eu pensava que em 50 jogos teríamos apenas uma derrota? Não. Ganhamos tudo no Sub-17, Sub-20 e na Série C. Eu seria muito audacioso se falasse que achava que ganharíamos tudo assim de cara. Do tamanho e da velocidade que tem sido, realmente é uma surpresa para nós.

Elenco do Zinza campeão da quinta divisão carioca — Foto: Reprodução TV Globo

Inspiração no modelo da Red Bull

— Pergunta se eu tenho outra inspiração? Não tenho.

Foi assim que Renato Villarinho respondeu ao ge se o modelo esportivo da Red Bull era a maior inspiração do "Time Zinzane". Presente em times de futebol espalhados pelo mundo, como o Salzburg, da Áustria, o Leipzig, da Alemanha, e o Bragantino, a empresa de energéticos austríaca também tem forte presença em outros esportes.

— Eu só tenho esse modelo (como inspiração). Tem um ditado na vida que diz: segue o líder. Nós vamos vendo os " cases " de sucesso. Não vamos inventar a roda. Qual o sonho da Zinzane? Ser a Zara. Não é a maior do mundo? Segue o líder. E no esporte? Quero ser a Red Bull. A vaidade atrapalha, às vezes. As pessoas querem fazer diferente. Eu uso a admiração por quem faz certo.

A inspiração no modelo da Red Bull, inclusive, foi um fator relevante na negociação com José Carlos Brunoro e René Simões, que foram seduzidos pelo projeto a longo prazo da Zinzane. Além disso, o empresário acredita que o Bragantino vá ser campeão brasileiro um dia.

— Esse ano? Não sei. Mas eu acredito (que o Bragantino conquiste o Brasileirão). A Red Bull é uma empresa que tem no esporte a maior ativação de marketing dela. Ela está junto conosco no vôlei de praia, está nos esportes radicais, no surfe, no skate, na Fórmula 1, no futebol. Nosso benchmarketing é a Red Bull. Foi assim que movemos o coração do Brunoro e do René. É nisso que eu acredito, em gente melhor do que você ao seu lado — revelou Villarinho.

DNA e projetos no vôlei

Assim como o início da marca de roupas, o começo do projeto esportivo que originou o Zinza não foi de uma hora para outra.

— Para quem esteve dos nove aos 31 anos como jogador profissional de vôlei, o DNA está no esporte, está no nosso sangue. Meu, da Cláudia que também foi jogadora, da Cacá (Maria Clara Richa, filha do casal) que também foi jogadora, da minha filha maior, que hoje já tem 30 anos. Todos jogaram vôlei. A família é de vôlei, tanto a minha quanto a da minha esposa — contou o sócio-fundador da Zinzane.

Em 2012, o grupo liderado por Renato e Cláudia Richa criou o Time Zinzane, um projeto que busca fomentar o universo esportivo. O programa envolve patrocínios, como o do Fluminense, equipes para atletas paralímpicos, organização de campeonatos e um time de futebol proprietário, o Zinza FC.

Zinzane é patrocinadora master do Fluminense no vôlei — Foto: Maílson Santana /FFC

São 106 atletas patrocinados, com 86 paratletas, de diferentes esportes, e 19 atletas de vôlei de praia que estão na elite do esporte. O vôlei de praia foi um dos primeiros esportes patrocinados e também um dos que mais rendeu - e rende - frutos. A primeira atleta a ter o apoio do Time Zinzane na modalidade foi Ágatha Rippel, medalha de prata nos Jogos Olímpicos do Rio e que entrou no projeto em 2018 . Inclusive, a atual dupla da medalhista em busca da vaga para Paris 2024 também faz parte do Time: Rebecca Silva.

Outro nome de peso que defende o projeto nas areias é Ana Patrícia Ramos, campeã mundial do esporte. Para um presidente que se inspira na Red Bull, a parceria de Ana nas quadras é ideal: ela é patrocinada pela Zinzane, a dupla Duda Lisboa faz parte do time da empresa de energético. Enquanto dividem os troféus com as duas, Renato garante que a sua marca está na frente da maior "concorrente" em outros quesitos.

— A Duda está com o Red Bull desde 14 anos de idade, eles veem o talento lá no início e respeitamos. Temos a Ana Patrícia, que também é um talento. Hoje, dominamos no vôlei de praia masculino e feminino. Os melhores do ranking são Zinzane, ganhando da Red Bull. Só no primeiro lugar que dividimos a dupla com eles.

Duda e Ana Patrícia garantem a medalha de ouro no Elite16 — Foto: Reprodução

A proposta é muito mais do que ter um time de futebol de sucesso e que seja sustentável nos negócios - o que Renato garante que o Zinza FC já é. Para além disso, ele, Cláudia e companhia querem incentivar o espírito do esporte. Ajudar a criar bons cidadãos e que também possam ser grandes atletas.

Marketing em times da Série A

A ideia de se aventurar no universo dos grandes patrocínios do futebol exigia coragem e foi colocada em prática à altura nos projetos do Time Zinzane. Os primeiros movimentos saíram do papel durante a pandemia, quando os clubes estavam com pouca arrecadação devido aos estádios fechados. Para começar, enviaram propostas para três equipes de uma vez, todas da série A.

- Eu falei para o Felipe, meu diretor de marketing: “manda uma proposta lá para o Bahia, uma proposta para o Botafogo e uma para o Fluminense. Para ter nosso nome nas mangas”. Ou seja, eu mandei para os três para ver se pelo menos um aceitava. Aceitaram os três.

John Kennedy comemora em Inter x Fluminense; patrocínio da Zinzane nos ombros — Foto: REUTERS/Diego Vara

Futuro e associação a outro clube

Atualmente, Renato e família são donos de 100% do futebol do Zinza, mas contam com a ajuda de empresários, patrocinadores e empresas que querem investir no clube. O dono não descarta uma possível associação a um clube "tradicional" no futuro.

— ge: É possível ver o Zinza FC, daqui a 10 ou 15 anos, associado a outro clube, como a Red Bull fez com o Bragantino?

— Renato Villarinho: Eu só não gostei do "daqui a 10 ou 15 anos" na pergunta. Se o Manchester City quiser se associar a nós, eu vou esperar? Pode ser daqui a um ano. Pode ser amanhã. Estamos abertos a qualquer proposta que possa fazer o projeto crescer. A Zinzane foi uma incubadora do projeto, que hoje já tem vida própria. Isso que queremos construir.

Torcedor fanático do Fluminense, Renato Villarinho já prevê uma possível final de Campeonato Carioca contra o time do coração, mas admite que torceria para o clube que é dono. O empresário afirma que a loja Zinzane seguiria patrocinando possíveis adversários do Zinza nas competições, porque são coisas diferentes.

— Eu gostaria que tivesse essa final entre o Zinza e o Fluminense no Carioca. Torceria para o Zinza. Eu torço para onde estou. Se eu estivesse no Fluminense, dentro da diretoria, torceria para o Fluminense, assim como se estivesse no Flamengo, no Atlético-MG ou no Botafogo. Isso se eu estiver dentro do corpo administrativo do clube. Agora, se for o Zinza contra um time patrocinado pela Zinzane, como o Fluminense, eu sou Zinza. A marca Zinzane segue patrocinando um clube adversário do Zinza, são coisas diferentes.

Renato Villarinho, dono da Zinzane, e Mário Bittencourt, presidente do Fluminense — Foto: Reprodução

Com a confiança de Brunoro e René Simões, que compraram o sonho de Villarinho, o Zinza FC promete seguir a escalada rumo à elite do Rio de Janeiro e, quem sabe, da América do Sul. Com a expectativa de novos reforços e investimentos, o empresário não deixa ninguém escorregar na hora de falar qual a meta do clube, como o diálogo abaixo mostra.

— René Simões: A Jamaica não tinha futebol profissional, não tinha campo. E fomos para a Copa do Mundo, que é o maior evento do mundo. O passado eu trago para cá, para projetar o futuro, que é onde queremos chegar. Segundo o Renato, é disputar a Libertadores. E por que não? Sonhar não custa nada. Sonhar grande e pequeno dá o mesmo trabalho.

— Renato Villarinho: Disputar, não. O sonho é ganhar a Libertadores. Sonhar é livre.

René Simões, do Zinza FC, e a taça de campeão da quinta divisão carioca — Foto: Reprodução

Fonte: Globo Esporte