Gabrielzinho gostava de ter a bola nos pés, pedalar e fazer gols. Não gostava de ser comparado com outros meninos ou jogadores. Aos seis anos, para os que duvidavam dele, era firme ao dizer que chegaria onde está hoje: maior goleador no Brasil (43 gols) e prestes a estrear pelo Flamengo no Mundial de Clubes .

O título mundial é novo alvo dele em uma temporada que já ostenta outras marcas, como campeão estadual , brasileiro (como artilheiro) e da Copa Libertadores (idem).

Um dos primeiros profissionais a trabalhar com Gabriel foi Paulo Roberto Martiniano, conhecido como Lilló, e ele quem afirma que o menino já profetizava o próprio sucesso. Eles se conheceram em 2003 numa escolinha de futebol do Guarani, em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.

"O pai dele nos procurou porque queria colocar o Gabriel para treinar futebol numa escola de alto rendimento. Mesmo sem ter sido jogador/treinador, ele já tentava treinar o menino na casa deles. O garoto estava com seis anos e já demonstrava que era diferenciado com a bola nos pés", disse Lilló.

"Eles moravam no Cafezal, um bairro dentro do Montanhão, bem simples, em São Bernardo. A família sempre foi estruturada, não financeiramente. Passava dificuldades, mas estava sempre com as contas em dia, a casa organizada. O Gabigol sempre teve sua chuteirinha. Os pais eram e são muitos dedicados", relembrou.

"A escolinha ficava quase na divisa com Diadema. Um pouco longe, mas ele nunca faltava. Ele era tímido fora de campo, mas chamava à atenção pela fome de gols. Era goleador. Ainda não era o Gabigol, para gente era Gabrielzinho. Lembro que nas rodas com os meninos ele sempre dizia que seria jogador, artilheiro, campeão e que jogaria na seleção. Tinha muita conficcção. Não passava pela mente dele ser outra coisa a não ser o que ele virou hoje".

O garoto foi tão bem naquele início com Lilló que passou a treinar com meninos três anos mais velhos do que ele. Participou de amistosos e campeonatos de futebol de seis, modalidade oferecida na escolinha. No local, havia três campos reduzidos para os treinos de fundamento, controle de bola e finalização.

"A gente tinha apelidos para algumas jogadas. Uma delas era a pedalada do Robinho. O Robinho era um dos ídolos do Gabriel, e ele gostava de pedalar nos treinos. Aí quando ele pedalava, a gente incentivava 'Pedala, Robinho'! Ele respondia: 'Não, pedala Gabriel'. Não dava moral para outro, não", disse Lilló.

Por ser talentoso, Gabriel tinha outra característica que chamava à atenção: prendia muito a bola. Algo que lhe rendeu puxões de orelha e lições.

"Fizemos um jogo pela Copa Diarinho e perdemos um goleiro. Tive de colocar um garoto de linha no lugar. Já estava 2 a 0 para nós. Nosso goleirinho não pegava muito bem e o Gabigol não tocava a bola. Decidi tirar os outros quatro jogadores de linha e deixei só o Gabriel e o goleiro. Tinha de fazer ele entender que é preciso tocar a bola. Ainda assim ele fez mais dois gols e perdemos por 7 a 4. Do lado de fora, o pai dele gritava: 'Tá vendo, eu falei para você, ele sabe jogar'", disse Lilló, aos risos.

"Muita coisa ele já nasceu com ele, mas lembro de um conselho que procurava dar. Dizia para ele que na frente do gol não se toca para ninguém".

Das lembranças daquele início, Lilló, que desde o ano passado treina o sub-15 do Santos , está uma final com o Corinthians. "Ele pegou a bola no campo de defesa e foi até o ataque cortando os marcadores. Foi um golaço dentro do Brinco de Ouro, em Campinas. Detalhe: os meninos eram mais velhos e fortes do que ele".

Gabigol com o pai, Valdemir, em São Bernardo do Campo (Reprodução Instagram Gabigol)

Craque no Futsal

A evolução do garoto na escolinha do Guarani foi boa e rápida, mas o pai desejava mais. E foi assim que ele levou Gabriel para treinar no Águias de Nova Gerty, equipe de futsal de São Caetano do Sul, município vizinho e a 15 km do bairro onde morava a família do menino.

"A gente fez um amistoso contra o time da Suvenil, que era de São Bernardo do Campo, e o pai do Gabriel estava na quadra. Acabou o jogo, ele me perguntou se o menino podia treinar conosco, pois queria que ele desenvolvesse mais as habilidades que tinha. Aceitamos", disse Valdeliro Ribeiro, chamado de Lilo.

"Como ele era do Montanhão e a família não tinha carro ou condições de vir de transporte público, eu providenciei carona para o menino e o pai, que estava sempre presente aos treinos e aos jogos. O Gabriel já tinha sete e demonstrava muita habilidade", completou.

Lilo viu Gabriel demonstrar habilidades acima da média para os meninos da categoria que treinava.

"Com sete anos, a gente treina mais fundamento, posicionamento etc. Ele já sabia dominar a bola, tirar dos marcadores e avançar na quadra para fazer gols. Ele só não tinha muito o costume de passar a bola. Então, eu procurava passar isso nos treinos da semana. Pedia para ele olhar sempre o amiginho melhor posicionado", disse Lilo.

Essa não era a única dificuldade naqueles tempos de desenvolvimento.

"O pai dele cobrava muito, achava que o Gabriel tinha de fazer mais. E o Gabriel reclamava. Teve jogos em que tive de pedir para o pai dele sair do ginásio porque estava perturbando a cabeça do menino. O Gabriel começou a chorar, chorar. Eu pedi para o pai sair. Ele saiu e o Gabriel se acalmou".

"Eu dava carona para eles e muitas vezes dizia: 'Deni, pega leve, o menino tem apenas sete anos!". Ele entendia, concordava, mas aí chegava no jogo ele começava a gritar: 'Vamos lá, Gabriel! Pega a bola! Vai para cima!'. E o Lilo não gostava. Os pais sempre querem ver os filhos jogando, não entendem que, com sete anos, o importante é eles entenderem o conceito do jogo, dominar os fundamentos, jogarem com os amiguinhos", disse Luís Carlos Fernandes.

Fernandes era um dos coordenadores do Águias na época e também era pai de um Gabriel, o goleiro do time, por isso as conversas com Valdemir Barbosa eram comuns e sempre amigáveis. "Ele entendia que às vezes excedia, exigia demais, mas sempre dizia que era para o bem do Gabriel, era para incentivar".

A prova de que os treinos no futsal --e as cobranças do pai-- estavam dando frutos foi a campanha do Águias na edição de 2003 do Campeonato Metropolitano de Futsal. A equipe foi além das oitavas de final (objetivo do técnico) e chegou ao quadrangular final contra Luso, Portuguesa e Corinthians.

"A gente tinha vencido os dois jogos anteriores e tinha um bom saldo de gols [oito gols positivos]. Dependia de um empate com o Corinthians para ficar com a taça. Todos os jogos finais foram na quadra da Federação", disse Lilo.

"A gente chegou a estar perdendo por 5 a 1 para o Corinthians até o Lilo pedir tempo técnico e mexer na equipe. Chegamos a empatar por 5 a 5 faltando alguns minutos para o final", relembrou Edna Rosangela Pedro, chamada pela garotada de Rose, então coordenadora dos Águias.

"Meu filho chegou a fazer um gol como goleiro-linha e o Gabriel fez dois. A quadra já gritava 'É campeão' e nos últimos segundos teve um escanteio à nosso favor, mas a bola caiu no pé de um jogador do Corinthians. Ele tocou para alguém mais avançado, que chutou para o gol. Assim que ele chutou tocou a sirene anunciando o fim do jogo, mas a bola bateu na trave e entrou. O gol foi validado. Perdemos por 6 a 5. Foi uma choradeira geral", disse Fernandes.

Para Gabriel, nem tudo foi perdido. Ele foi o artilheiro do torneio e ganhou o trófeu "Tênis de Ouro".

"Provavelmente o primeiro trófeu dele como artilheiro, mas uma pena que a gente não registrou foto nem quantos gols ele fez", disse Lilo.

São Paulo, Zito e Santos

Do Águias, Gabigol foi parar no São Paulo numa trajetória inimaginável.

"O Metropolinato foi o último torneio dele conosco. Naquela época teve uma peneira para o poliesportivo de São Bernardo do Campo, que tinha parceria com o Banespa, e eles queriam formar equipes de categorias de base. O Gabriel fez a peneira e passou em primeiro. Só que em vez de ele ficar no Banespa ele foi para o São Paulo. Tinham olheiros do São Paulo observando os treinos ele foi chamado para jogar futsal no Morumbi", disse Rose.

Foram apenas seis meses no São Paulo. Gabriel foi tão bem no futsal da equipe, inclusive numa goleada por 6 a 1 no Santos, em que marcou a maioria dos gols, que acabou sendo indicado para fazer testes na equipe alvinegra. Quem viu e indicou foi Zito, o capitão santista da Era Pelé .

"Zito viu e avisou amigos lá na Baixada. Logo pintou o convite e ele decidiu ir para o Santos", disse Lilo.

Jogador da base do Santos, Gabigol ao lado do 'padrinho' Zito (Reprodução Instagram Gabigol)

"Eu conversei com o José Carlos Peres, que na época era superintendente do Santos, e ele aprovou a vinda do Gabriel. A família conseguiu uma ajuda de custo do Santos e foi morar bem próximo da Vila Belmiro. Ali foi uma melhora na vida deles", disse Lilló, que disse desconhecer a participação de Zito.

Do futsal do Santos, Gabriel passou a treinar no campo a partir dos nove anos. Aí surgiu o apelido Gabigol e a trajetória, essa sim conhecida, do artilheiro do futebol brasileiro. Defendeu o Santos profissionalmente de 2013 até 2016. Voltou em 2018. E neste ano virou artilheiro do Flamengo.

"Qual era o sonho dele? É este que ele está realizado. Ele está vivendo exatamente o que ele queria. Lembro de uma conversa com ele em 2007, em frente ao Pacaembu. Eu brinquei e disse que um dia ele seria campeão ali. Ele me respondeu 'Um dia vou ser campeão do mundo'", disse Lilló.