O Flamengo que chega quinta-feira a La Paz não precisa nem fazer gols para se classificar, uma vez que ganhou do Bolívar no jogo de ida por 2 a 0. Mas se por ventura perder a vantagem durante a partida e tiver que estufar a rede adversária, aí o histórico mostra que não é uma tarefa fácil. Antes de Viña, que marcou na derrota por 2 a 1 na fase de grupos, só um jogador rubro-negro havia conseguido.
Edson, ex-ponta-esquerda cria do próprio Flamengo , fez o gol de honra do time no 3 a 1 de 1983, também pela Libertadores. Depois de 41 anos, ele ainda se lembra da sensação de jogar na temida altitude de 3.600m acima do nível do mar. E em sua opinião, o pior não é nem a parte respiratória, e sim a velocidade da bola pela menor resistência do ar:
- Muito mais difícil. Porque a respiração você consegue uma hora... "Ah, agora que a bola está do outro lado vou respirar, me recompor". Tem várias coisas. Alguém cai para ser atendido, aí você respira. Agora, a velocidade da bola para mim foi uma coisa muito nova, inesperada. Parecia que os jogadores também estavam muito rápidos (risos). Você queria chegar para marcar e não conseguia. "Mas como? Será que eu estou gordo? Será que estou lento"? E não era, é a velocidade lá. Eles estão acostumados e fazem disso uma estratégia: tocam a bola muito rápido porque sabem que a gente tem dificuldade.
Aos 64 anos, Edson vive atualmente em Curitiba, onde nos tempos de jogador virou ídolo do Coritiba. Mas ele continua acompanhando o Flamengo até hoje e acredita que, por causa da vantagem, o Rubro-Negro vai conseguir sair feliz de La Paz pela primeira vez nesta quinta-feira, às 21h30 (de Brasília), no estádio Hernando Siles.
Edson disputou 52 jogos e marcou três gols com a camisa rubro-negra entre 1979 e 1983.
Em entrevista ao ge , o ex-ponta-esquerda também contou causos da carreira como jogador, que só passou por clubes grandes e foi campeão em todos. E dos 20 anos como auxiliar técnico do Paulo Bonamigo, com direito a um "não" para um xeique nos Emirados Árabes que faz sua esposa reclamar até hoje. E ainda uma aventura furada ao tentar ser dono de uma padaria em Curitba.
ge: Viu o jogo de ida? O que achou?
Edson: Vi. Minha família é toda flamenguista, então a gente fica ligado nos jogos do Flamengo . Apesar de que hoje eu também sou coxa branca (risos). O Flamengo foi muito superior, principalmente nos primeiros 15 minutos do primeiro tempo, só que em determinados jogos em que o gol não sai fica meio complicado, nervoso... Mas o Flamengo é muito superior.
Você e Viña foram os únicos do Flamengo a fazer gol em La Paz. Lembra do seu gol?
- Lembro bem, cara. Foi minha primeira viagem para a Bolívia. Nós primeiro jogamos em Santa Cruz de la Sierra contra o Blooming e depois fomos para La Paz jogar com o Bolívar. (...) Eu fiz o gol no finalzinho do segundo tempo. Foi um chute se não me engano na entrada da área. Nessa época eu estava bem no Flamengo , em um momento bom.
Até aquele time mágico do início dos anos 80 sentiu a altitude...
- Eu lembro que quando cheguei em La Paz, assim que desci do avião, puxar o ar já era uma respiração pesada. E aí eu comprovei o que falavam de altitude, sabe? E no corredor do hotel, quando a gente era chamado para almoçar, essas coisas, eu andava e também sentia o ar pesado. Mas no dia, nós chegamos um dia antes, eu não senti nada durante o jogo. Só a bola muito veloz, um jogo muito veloz, lembro bem, muito difícil. Não lembro se foi o Júnior ou o Zico, sei que alguém recebeu oxigênio na beira do gramado. Mas eu não. Não sei se acostumei com as horas lá, e era uma preocupação grande de sentir isso. Mas no dia do jogo já estava bem e não senti nada.
Hoje em dia toda preparação já é sabida, muitos jogos lá, internet... Na sua época, como eram as informações que chegavam da altitude e do adversário?
- A gente não tinha praticamente nenhuma informação. O que tinha era dito na preleção antes do jogo pelo treinador. Ele que falava as características do time, geralmente do destaque do time: um ou dois, no máximo três atletas que eram destaques. Sobre a altitude, acho que foi Francalacci o preparador físico que avisava que a gente ia sentir, mas que também não podia ser uma coisa muito psicológica, para não ficar aquilo na cabeça senão ia ser pior. Eram coisas assim, mas não tinha muito informação. Eu sabia que ia ter dificuldade em termos de performance, mas não sabia que seria tanta, entendeu?
Como foi a resenha de vocês no vestiário? Era de espanto?
- O Zico e Júnior já e Júnior já estavam acostumados. Lembro que eles falavam para ter calma: "Não vai correr em bola perdida". Não desperdiçar energia. Talvez por isso até que consegui no final do jogo fazer um gol, porque lembro que dei um pique para receber o passe e progredi.
Acha que a vantagem de 2 a 0 é boa para o Flamengo se classificar em La Paz?
- Acho que o segundo gol foi muito importante. Um gol só ia ser muito difícil para o Flamengo . Já 2 a 0 contra esse time do Flamengo , apesar dos desfalques agora... Isso preocupa um pouco em termos de fazer gol. Se fizer um, mata o jogo para mim. Mas acho que é uma vantagem boa, mesmo com toda pressão que vai ter lá, essa velocidade da bola, que é importante as pessoas saberem, porque é muito difícil, muito diferente o jogo. E realmente equivalem as forças por esse detalhe. Tanto que o Flamengo com aquele timaço tomou 3 a 1 naquela época.
Como acha que tem que ser a postura do time?
- Acho que o Flamengo é um time que não consegue ficar fechadinho na defesa. Não é o estilo, acho que nunca foi e nunca será. Flamengo é um time que gosta de jogar o jogo. Tem um treinador excepcional, com certeza vai escolher a melhor estratégia. Mas não adianta pedir para o Flamengo recuar, ficar marcando com todo mundo atrás. O Flamengo não é time para isso. Tem que ter mais cautela, mas jogar o jogo. Se fizer um gol, mata o adversário.
Arrisca um placar?
- Jogo difícil para dar palpite. Mas acho que o Flamengo classifica.
Agora falando mais de você, foram quatro anos no profissional do Flamengo , de 1979 a 1983. Quais as suas melhores lembranças dessa época?
- O primeiro jogo que o Cláudio Coutinho me chamou para o profissional, em 1979. Aquela série invicta de jogos do Flamengo . Foi contra o Vitória lá na Bahia, e nós empatamos. Foi até um amistoso, mas todo mundo queria ganhar do Flamengo para não bater o recorde. Então vários times marcavam amistosos com o Flamengo . Ficou lotado o estádio. Joguei um daquela série de 52 jogos e tenho a medalha aqui. Isso é uma coisa que me marcou muito.
- Me marcaram muito os dois Campeonatos Brasileiros que tenho pelo Flamengo , apesar de não ser titular. Mas ser titular no Flamengo naquela época... Só podiam 16 no jogo: 11 jogando, mais um goleiro reserva, só faltavam quatro vagas. Você imagina se no banco do Flamengo hoje só pudesse colocar quatro jogadores de linha? Era muito difícil você ser reserva no Flamengo (risos). Era o Júlio César (Uri Geller) primeiro, o entortador, e depois eu peguei o Lico. Então a gente ficava revezando ali. Eu cheguei a ser titular em 81, no início da Libertadores. Mas machuquei num jogo contra o Atlético-MG no Mineirão, no tendão peroneal. Tive que fazer uma cirurgia e fiquei oito meses parado. Ficar oito meses parado naquele time, para voltar era terrível porque eram caras acima da média.
- Mas o que me marcou mais no Flamengo era o homem Zico, porque ele não era só jogador. Ele te ajudava, era muito humilde pela condição que era. Vou contar uma historinha rápida: minha primeira vez no profissional, eu cheguei no vestiário e o Zico estava com um calhamaço de convites na mão. E ele distribuindo: para o Júnior, para o Tita... E chegou em mim e me entregou dizendo: "Eu faço questão da sua presença". Era convite de aniversário do filho dele. É mole? É um cara espetacular. Ele me chamava de Acnase porque eu tinha muita espinha e usava a pomada (risos).
Você foi um cara que só jogou em time grande: Flamengo , Coritiba, Cruzeiro, Fortaleza, Inter...
- Eu falo que não era craque, mas era muito bom jogador. Para você estar naquele grupo do Flamengo com Zico, Tite, Júnior, Adílio, Carpegiani, Raúl, Cantarelli... Nossa, era só jogadoraço. Para estar ali você tinha que ser pelo menos muito bom jogador. Mas nunca fui craque. Eu era muito participativo, corria muito, batalhava, essas coisas, e meu futebol crescia por causa disso. E eu costumo dizer que estive sempre no lugar certo e na hora certa, porque fui campeão em todos os times que passei. Então é muita sorte também, estar no lugar certo e na hora certa (risos). Peguei atletas no melhor momento da carreira deles, eu estava junto e tudo contribuiu.
Se pudesse escolher um título só, qual foi o mais marcante?
- Ah, cara, mesmo com essa história toda do Flamengo , ser campeão brasileiro pelo Coritiba acho que foi uma coisa assim... Tanto que ano que vem vai fazer 40 anos, e o Coritiba não conseguiu de novo. Foi muito marcante.
E como foi a transição para auxiliar técnico?
- Eu me aposentei em 1994 e aí fui para o ramo de panificadora, comprei uma padaria. Fiquei dois anos e pouco, mas não estava feliz e vendi. Montei uma escolinha de futebol que se destacou aqui no campeonato, aí o Tico e o Krüger, que era um grande ídolo do Coritiba, viram que eu estava na cidade e me chamaram para ser treinador do infantil do clube em 1998. Fui campeão, passei para o juvenil e fui campeão também; passei para os juniores e em quatro meses já me chamaram para ser auxiliar técnico do profissional. Peguei Ivo Wortman, Joel Santana e o Bonamigo.
- Nós fomos campeões aqui, e quando ele recebeu um convite do Atlético-MG me perguntou se eu queria ir junto. Fiquei 20 anos trabalhando com ele. Estivemos no Botafogo, Ponte Preta, Palmeiras, Bahia, passamos sete anos nos Emirados, fomos para a Arábia... Rodei bastante. Nosso último clube foi o Remo há dois anos. Foi aí que tomei a decisão de parar, estava viajando demais, queria ficar mais com a família. Vou fazer 65 anos, dava para ir mais, mas viajava muito. Meus netos nascendo, minha mulher já não podia me acompanhar mais por causa do trabalho dela...
E nunca quis ser técnico principal ao longo desses anos?
- Pois é, eu tive essa oportunidade. No Coritiba eles falavam que estavam me preparando para ser o treinador, mas esse negócio de falar preparando e não acontece, não te dão aumento de salário também (risos). E o Bonamigo me chamando para o Atlético-MG, fui ganhar três vezes mais como auxiliar lá. E tive oportunidade também nos Emirados. Lá eles têm o time A, profissional, e um campeonato que é tipo o aspirantes aqui para o time B. Então geralmente o auxiliar técnico é o treinador do time B, que joga sempre no dia seguinte ao principal. Quando um joga em casa, o outro joga fora. É bem organizado, bem legal. E eles dão muito valor para isso.
- Nós estávamos no Sharjah, que era a sexta força. Pô, fomos vice-campeões no time A e no B eu tinha colocado oito pontos de vantagem (na liderança) sobre o Al Ain, que é uma potência. O xeique ficou encantado comigo. E quando nós passamos uma fase ruim no time A, e o B ganhando, ganhando, ganhando... O Bonamigo ficou até meio enciumado nessa época (risos). Nós tínhamos dois anos e meio no Sharjah, e o xeique pediu uma reunião falando para o Bonamigo que não dava mais. Aí ele olha para mim e fala: "Edson, eu gostaria que você ficasse aqui". E eu: "Não, se o Bonamigo sair eu saio junto. Quem me trouxe para cá foi ele". Aí o xeique ainda disse assim: "Então fica no time B, você vai ganhar um título inédito, está oito pontos na frente". E eu não aceitei.
- Minha esposa quer me bater até hoje (risos), pois estaria lá até agora. Porque a maioria da comissão ficou. E ela fica dizendo: "Era para a gente estar morando em Dubai" (risos). Mas são decisões que a gente toma, não me arrependo, não. O xeique depois contratou um técnico português que foi campeão com o time b, mas com o mesmo número de pontos, ganhou pelos critérios de desempate. E depois me ligou, queria que eu fosse receber o título junto com os atletas. Falei: "Não, o campeão foi o português ". A minha esposa também quer me matar por causa disso: "Você é muito burro, ele quer que você vá lá para fazer um convite". Mas eu estava com o Bonamigo, não adianta. Ele pagava hotel, passagem e tudo, e eu não fui. Acho que ficou chateado, nunca mais me ligou (risos).
Mas e essa história da padaria, hein? Você passou muito rápido por ela...
- Cara, a panificadora minha foi o seguinte: eu acordava às 4h30 para chegar na padaria 5h e organizar tudo com os padeiros; abria a padaria 6h30 e fechava 21h. Perdi todos os meus amigos porque eles iam lá me chamar para jogar pelada, churrasco. Mas eu só ia chegar lá 21h30, onde fosse a pelada e o churrasco, ficar até meia-noite para acordar às 4h30? Está louco! E era de domingo a domingo. Natal, Ano Novo, aniversário da minha mulher, da minha filha, Dia das Crianças... Nunca fechei aquela padaria em dois anos e meio. Estava um zumbi. Padaria dá dinheiro, você está sempre com dinheiro no bolso. Só que trabalha demais. É bom ter um sócio, um gerente muito bom, uma pessoa de confiança, o que eu não tinha. Quando eu a vendi, foi a maior alegria da minha vida (risos).
O que deu mais trabalho, o futebol e as viagens intermináveis ou a padaria?
- A padaria, com certeza (risos). Futebol é uma maravilha, só é ruim quando está passando pressão, time está mal, e você tem que administrar. Eu agradeço a Deus por ter me colocado no esporte. Na padaria eu me sentia um leão enjaulado. Agora quero aproveitar a família, pego meus netos e levo ao jogo do Coritiba, fiz sócios para eles, é o maior prazer. Pena que o time está capengando agora, mas falo que já, já vai melhorar (risos). E pretendo fazer algumas viagens. Em novembro estou tentando ir para o Rio. A turma do Flamengo de 78, 79 e 80 tem um grupo de WhatsApp, faz a mensalidade para churrasco anual e tal, eu vou tentar ir esse ano pela primeira vez. É o Denílson, Ronaldo Marques, Victor, Anselmo, aquele que deu soco no Mario Soto... Esse ano, se Deus quiser, eu vou.
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