Apostar contra o trabalho de técnicos no futebol brasileiro sempre foi uma ideia promissora. A exigência de resultados imediatos produz alguns poucos sobreviventes, muitas vezes por razões randômicas convenientemente ignoradas na celebração e esquecidas no inevitável momento da despedida. Num ambiente que não reconhece a diferença entre trabalhar e ganhar, a massa de “projetos de médio e longo prazo” que terminam medidos em semanas comprova a utopia vendida a cada contratação, ladainha que justifica a sugestão de Martín Fernandez pela adoção de contratos de dez dias para treinadores — como se pratica na NBA com jogadores — renováveis, ou não, conforme o último placar.
A demissão de Domènec Torrent é mais uma dessas histórias, e um indiciamento não só dos problemas de um time claramente defeituoso, mas também das práticas que caracterizam o futebol no Brasil. Interromper um trabalho após três meses, especialmente nas condições atuais de calendário apertado e quase nenhuma oportunidade de treinamento, não é próprio de quem sabe ou tem convicção do que faz. Talvez seja um sinal até mais grave, o de um verniz criterioso para promover a substituição de Jorge Jesus que não resiste ao primeiro arranhão. E no caso de erro de contratação, sempre considerável, só o técnico paga. Para quem anunciou a busca de um profissional que conduzisse o Flamengo a exibir um futebol atualizado e compatível com a qualidade do elenco, o limite de paciência se mostrou no sentido oposto.
O que não significa que Torrent não seja um dos responsáveis pela segunda pior defesa do Campeonato Brasileiro, um crachá que uma equipe do nível do Flamengo não pode usar. Em si mesmas, as goleadas recentes não significam muito mais do que jornadas extremamente infelizes. Se foram reflexo do descompasso entre comissão técnica e atletas, a conversa muda. Dome se contradisse ao alterar o caráter do time de maneira apressada e certamente se comunicou mal, apesar do louvável esforço para falar português, após atuações ruins. Há relatos das mesmas falhas na relação com os futebolistas, que, tomados como fatos, tornam ainda mais complexa a tarefa de liderar um elenco vencedor e ciente do próprio valor. A questão principal, porém, é o que um clube que se pretende de vanguarda está disposto a fazer para que um planejamento de futebol tenha sucesso. Após algo como cem dias, a resposta é a mesma de sempre.
Se o Flamengo recuperar rapidamente seu nível habitual, a condenação de Torrent será automática e a satisfação instantânea reivindicará o acerto da demissão. Mas nada terá sido feito para que alguém na posição de Jesus — que rejeitou o melhor time que jamais dirigiu, com distância, para tentar a sorte no retorno a Portugal — tenha motivos suficientes para querer ser feliz aqui. Ou, num contexto mais amplo, para que o 17º colocado da Liga da Espanha tenha dúvidas se conseguirá levar embora o técnico do líder do Campeonato Brasileiro. Quando cartolas nacionais reclamam que Jorge Sampaoli é um tormento na convivência diária, é fácil imaginar o custo de lidar com ele. Difícil é imaginar o custo de lidar com eles.