Guilherme Siqueira parece ainda ser um jogador. Com apenas 33 anos, um a menos do que o agenciado famoso, Filipe Luís, amigos desde os tempos de Atlético de Madrid . Mas a carreira, agora, é fora dos campos. Agente. E já tem uma boa história para contar: a negociação para trazer o lateral-esquerdo para o Brasil após uma pergunta sincera do sócio, Marcos Marinho, em um almoço com Filipe e o ídolo rubro-negro Sávio, em Madri, no início de 2019.

"Como um profissional, eu não posso fechar nenhuma porta. Só que no Brasil eu só jogo num clube, que é o clube do meu coração, o clube do meu avô, que é o Flamengo . Eu não iria no Brasil para outro clube", disse o lateral-esquerdo.

Dito e feito. Guilherme Siqueira arregaçou as mangas, entrou em contato com o clube e meses depois Filipe levantava as taças do Brasileiro e da Libertadores com a camisa rubro-negra com um amigo em comum de Siqueira: Jorge Jesus.

O ex-lateral que interrompeu a carreira de forma precoce devido a uma lesão no tornozelo até hoje troca mensagens com o Mister, de quem se aproximou nos tempos de Benfica. Do comandante JJ só boas lembranças, histórias divertidas e elogios.

"O atleta com Jesus muda a mentalidade, o estilo de jogo dele porque realmente não tem tempo para acomodações e relaxamentos. O Filipe viveu isso na pele e tenho certeza que isso potencializou muito o futebol dele no último ano", conta Siqueira.

Outro treinador também marcou a carreira no campo do agente: Diego Simeone. O argentino foi o comandante na passagem pelo Atlético de Madrid e mostrou o estilo durão ao vetá-lo de cobranças de pênalti após uma chance desperdiçada.

Neste papo, Siqueira fala sobre o fim da carreira, a renegociação salarial que deve chegar com a pandemia e o desejo de Filipe Luís de ser treinador depois que encerrar a carreira, preferencialmente no Flamengo para Guilherme. Veja:

ESPN - Como foi o processo para trazer o Filipe Luís ao Flamengo?

Guilherme Siqueira - Na verdade a história do Filipe ela começa informalmente em Madri. Nós fomos, eu, Sávio e Marcos fomos a trabalho. Ficamos um período de duas semanas na Espanha. E como tenho uma amizade muito grande com o Filipe sempre que eu passo por Madrid era parada obrigatória para um almoço ou jantar, né? Tudo começa num almoço informal, mais os dois sócios nossos na empresa, a gente foi almoçar com o Filipe após o treinamento dele. E conversando sobre a vida, sobre tudo, é inevitável conversar sobre a carreira, sobre os planos deles no futuro.

E a gente tocou no assunto Brasil na verdade. Uma curiosidade minha, mas a pergunta foi feita pelo Marcos Marinho, o Marcos perguntou para ele: 'Filipe você iria para o Brasil? No momento em que você está agora você jogaria no Brasil?' E o Filipe foi muito contundente na resposta dele: 'Olha, eu como um profissional, eu não posso fechar nenhuma porta. Só que no Brasil eu só jogo num clube, que é o clube do meu coração, o clube do meu avô, que é o Flamengo. Eu não iria no Brasil para outro clube'.

Coincidentemente nós tínhamos esse sonho entre nós, eu, Marcos, Sávio. Como a relação com o Flamengo é muito boa, quem sabe talvez fazendo uma intermediação grande com o Flamengo. E quando o Filipe falou aquilo para a gente entramos em contato com o clube, o clube na hora demonstrou um grandíssimo interesse logicamente pelo momento que o Filipe vivia, pelo lateral que ele é, pela pessoa que se trata. E ali começamos em março uma série de negociações de altos e baixos, de idas e vindas, mas muito bacana.

Muito legal porque o Filipe sempre demonstrou vontade, interesse e paixão pelo Flamengo. Mas é como eu falo, né? O Filipe não tinha que fazer uma decisão só profissional. Ele precisava fazer uma escolha de vida. Uma escolha familiar onde não é fácil um atleta que é casado com uma mulher espanhola, que tem três filhos nascidos na Espanha. Então realmente é uma decisão de vida bem complicada para qualquer atleta. O Filipe vinha por um processo em que ele tinha de ser convocado para a Copa América, ele estava realmente com a cabeça voltada à seleção brasileira naquele período, né? Então foi uma condução não vou dizer que ela foi cansativa, foi um pouco desgastante, sim, porque realmente ela tomou um certo tempo, porque o Filipe durante a Copa América não quis se pronunciar não e pensar em outra coisa a não ser seleção brasileira, com o que eu concordo com ele. Porque acho que quando a gente defende o nosso país não tem de estar pensando em outra coisa. Mas a todo momento o Flamengo nos demonstrou sempre muito interesse, o Filipe também. Então as conversas foram avançando, claro que ela tem o seu tempo e no final as coisas se concretizaram da melhor maneira possível. Filipe contente, Flamengo também fez uma grandíssima contratação, Flamengo foi muito pontual nas contratações que fez no ano passado, praticamente todas deram certo. E é o que a gente fala: independente de títulos que acabaram chegando para o Flamengo na temporada anterior, a gente via projeto no Flamengo. E o Filipe casou com o projeto. O título é muito relativo, né? Às vezes a gente faz a coisa certa, faz o investimento que tem que fazer, mas acaba não concretizando com título. No caso do Filipe foi fechado com chave de ouro porque os títulos acabaram acontecendo, mas o que mais impressionou o Filipe foi a condução do Flamengo com ele, o que foi apresentado ao Filipe em reação a estrutura, projeto. Hoje ele é super feliz no clube, super satisfeito e tenho certeza que as pessoas que lá estavam aprendem com o Filipe Luís, tiram como exemplo porque quem conhece o Filipe de perto sabe que é um grandíssimo jogador, mas uma grandíssima pessoa também.

ESPN - E o que ele tem te passado nos últimos tempos da sensação dele de estar no Flamengo? todos ficam impressionados por com ele no Ninho.

Guilherme Siqueira - É engraçado porque eu trabalhei com o Jorge Jesus no Benfica. Sou um cara que em todas as entrevistas em que eu falo que gosto de falar, de detalhar porque realmente o Jorge Jesus foi um treinador único na minha vida. Tenho um carinho enorme e um agradecimento fora do normal. O Filipe, como ele é muito inquieto, quando a situação do Flamengo foi concretizada ele me ligou e ele falou 'cara, estou muito ansioso para trabalhar com Jorge porque trabalhei com Mourinho, trabalhei com Tite, trabalhei com Simeone, mas muitas pessoas me falam muito bem do Jesus, que ele tem uma metodologia diferente de jogo, uma proposta totalmente agressiva de futebol'. E eu falei 'cara, espera para ter um treinador que vai te exigir ao máximo, que vai cobrar muito de vocês, que vai querer sempre alcançar a perfeição, não olha para resultado, olha para desempenho durante os 90 minutos. E que tu vai ficar muito satisfeito, cara'. E dito e feito. O Filipe após algumas semanas ele falou 'olha, Gui, realmente aquilo que tu me falou condiz com tudo que nós conversamos e até mais porque realmente ele está me impressionando, é um treinador que sempre exige o atleta o máximo possível'. E a gente viu no ano passado os jogos do Flamengo, independente do resultado o que o Jesus pedia era intensidade, a proposta de jogo que ele coloca do início ele quer que ela vá até o final. E isso querendo ou não potencializa qualquer atleta. O atleta com Jesus muda a mentalidade, o estilo de jogo dele porque realmente não tem tempo para acomodações e relaxamentos. O Filipe viveu isso na pele e tenho certeza que issi potencializou muito o futebol dele no último ano.

ESPN - Como é o Jorge Jesus no dia a dia e por que ele fez sucesso de forma tão rápida no Brasil?

Guilherme Siqueira - Olha, acima de tudo a característica dele nunca foi mudada. Acho que o Jorge, independente de resultados, sempre manteve a ideologia dele dentro do futebol, as características dele de jogo dele sempre foram as mesmas, inclusive quando chegou aqui no Brasil os primeiros jogos não correram muito bem. Talvez algum outro treinador quisesse se adaptar ao que é o clube, ao que é o Brasil. Ele não. Continuou com as ideias, tratou de treinar mais os atletas para que eles entendessem o mais rápido possível o que é o estilo de jogo do Jorge Jesus. E ele tinha certeza e plena convicção - e eu também por ter trabalhado com ele - que a equipe do Flamengo quando encaixasse jogadria de uma forma muito, muito difícil a ser batida. A gente tem hoje o Flamengo jogando com um espaço muito reduzido de equipe, dentro de campo, uma linha muito alta defensiva, uma equipe sempre agressiva, com muita qualidade, com muitas ideias lá na frente. Hoje ele tem muitas opções de ataque, Flamengo hoje tem um plantel realmente bastante qualificado. O Jesus o que mais me impressionava no dia dele era isso aí. A ideia dela de jogo. Ele tem uma ideia totalmente ofensiva, com muita organização tática, mas realmente individualizando muito a marcação. Lá atrás, como sempre fui lateral, várias vezes me deparava no mano a mano lá atrás e é o que ele dizia: 'gente, futebol é isso. Para eu ganhar superioridade lá na frente tenho de assumir certas responsabilidades, tenho que estar bem posicionado, equipe que é bem trabalhada dificilmente toma gol'. E a gente fazia isso. Goleiro joga sempre adiantado também (risos), cara saía com uma bola nas costas do zagueiro e lateral o goleiro era um jogador a mais para a gente também. E as ideias dele também, bola parada, enfim. Jesus sempre foi muito especialista naquilo que ele passava para a gente. E preparava os jogos como ninguém. Isso eu sempre cito ele e o Simeone. Preparação de jogos em relação aos adversários era uma coisa impressionante. Tudo muito bem mastigado, muito bem detalhado. Então o Jesus me impressionava. Antes de cada jogo ele passava os defeitos da equipe adversária, as virtudes, os jogadores importantes, o que eles faziam com e sem bola. E sempre dizendo o que a gente tinha fazer, manter a nossa característica. Então aquilo acaba potencializando, virando costume para o grupo. Jogar sempre de uma certa forma, sempre para vencer. E acho que ele trouxe isso para o Brasil. Ele trouxe profissionalismo, ele trouxe pontualidade, trouxe caráter, trouxe ambição, trouxe ali persistência. Acho que a gente precisava disso aqui. Nós temos um celeiro fora do normal. O futebol brasileiro, sem dúvidas alguma, é o futebol com maior número de talentos do mundo. E a gente precisa de treinadores assim. Dedicados, esforçados, inteligentes, que tentam sempre tirar o máximo de cada atleta. Acho que foi o que Jesus fez quando chegou no Flamengo e que vem demonstrando jogo a jogo e que as pessoas estão conhecendo cada vez mais.

ESPN - Você tem alguma história com ele que simbolizaria o Jorge Jesus?

Guilherme Siqueira - Olha, tenho sim. O meu primeiro dia no Benfica. Ele tem o costume de chamar o atleta numa salinha dele. Ele tem lá uma lousa, então ele coloca a equipe dele e ele faz questionamentos em relação a jogo, o que que eu faria. Sem me dizer nada, sem explicar pra mim aquilo ele pretende do atleta. Ela cria umas situação de jogo e pergunta para o atleta. O que você faria nessa situação aqui? Eu vinha de uma equipe humilde da Espanha, o Granada. Nós eramos ali equipes de Primeira Divisão, porém ficamos 35 anos sem ficar na Primeira Divisão, uma equipe humilde. Nós conseguimos ficar cinco anos seguidos na Primeira Divisão, acho eu. Eu fui muito feliz particularmente no Granada. Mas com uma ideia de jogo totalmente diferente. Aquilo que ele me perguntava, eu dizia. E acho que olha, de 15 perguntas acho que eu errei 14. Tudo aquilo que eu falava ele dizia 'Comigo não é assim. Não, aqui não é assim. Não, aqui vai ser diferente'. Falei caramba, será que estão contratando o lateral certo? Será que eles me queriam mesmo? (risos). Mas olha, a partir do segundo dia quando tu vê que ele coloca em prática o que ele quer, te mostra no campo, te mostra no vídeo. Ele é muito persistente, né. Enquanto ele não vê o atleta fazendo aquilo que ele quer, ele continua. Não tem horário, não tem hora, não tem dia. Ele fica em cima. Ele treina realmente até o atleta conseguir adquirir aquilo que ele quer. Então comigo foi assim. Uma primeira semana de muita novidade. Mas quando conseguir pegar ali o estilo de jogo do Benfica foi muito bom, muito bacana. Foi para mim uma temporada excelente e o Jorge tem muita, muita culpa nisso porque ele me potencializou e muito naquele ano.

ESPN - Acredita que ele vai permanecer no Brasil, até por ter jogadores como Filipe Luís, Rafinha, experientes que conseguem controlar o vestiário?

Guilherme Siqueira - Olha, eu converso com o Jorge de vez em quando, mas a gente conversa única e exclusivamente em relação ao futebol. Eu também sou um apaixonado por tática, enfim. Aprendo muito com ele. Sempre que tenho alguma dúvida, que eu vejo algum jogo, inclusive com essa pandemia estou tendo bastante tempo para ver jogos meus. Em Portugal estão reprisando muitos jogos da temporada que tive lá e até semana passada ele me mandou uma foto. 'Olha o jogo que está passando aqui'. Era um Tottenham x Benfica pela Liga Europa que nós ganhamos lá na Inglaterra de 3 a 1. Mas realmente essa questão de se fica ou não fica não me corresponde. A gente não conversa sobre isso. Mas a opinião que tenho em relação a isso, conhecendo o Jorge, sabendo que muitos atletas ali ficaram, renovaram com o Flamengo por causa dele pelo que viveram na última temporada. Não acho que o Jorge possa sair na metade de um trabalho, minha opinião pessoal logicamente. Acho que ele vai querer acabar. Sempre, lógico, exista uma sincronia com o clube, exista uma ideia só entre treinador e clube. Acho que havendo isso, espero, né, que o Jorge continue, como bom brasileiro, amante do futebol brasileiro. Espero realmente que ele continue porque realmente o que ele vem fazendo no Brasil em tão pouco tempo é muito marcante, muito positivo. Espero que ele não saia na metade do ano porque teríamos uma grande perda não só para o Flamengo, mas para o futebol.

ESPN - Você conversa com algumas pessoas no Ninho e dizem que o sucessor do Jorge Jesus pode estar ali, um tal de Filipe Luís. Ele demonstra muito interesse por tudo. Acredita que vai ser esse caminho que ele vai seguir?

Guilherme Siqueira - Filipe é um cara muito inteligente. Muito inteligente e ele tem muita vontade de ser treinador. Isso a gente conversa e ele sempre nos fala que adora analisar tática, é muito observador, enfim, ele sempre tenta tirar algo de cada treinador que ele trabalha. Ele está tirando muito do Jesus, está aprendendo muito com o Jorge nesses meses que eles estão trabalhando juntos. Claro que é muito prematuro a gente falar disso porque o Filipe ainda tem contrato até o fim de 2021 ,está muito bem fisicamente, num momento muito positivo. Eu conhecendo o Filipe eu ainda acho que ainda terá uma renovação de contrato ai como jogador. Acho eu porque se ele continuar nesse nível e nessa pegada o Flamengo tem lateral aí ainda por mais alguns anos ainda. Devido aos 34 anos do Filipe, mas ele não deixa isso transparecer porque é um cara que se cuida muito, muito profissional, Filipe tem um físico invejável nesse quesito. Mas é um cara que futuramente quer ser treinador, ele já externou isso. E acho que está capacitado porque trabalhou com treinadores espetaculares. E é um cara inteligente, um cara íntegro, um cara visionário. Então com certeza o Filipe optando por ser treinador, não sei de qual clube, o futebol ganha. Sou partidário de que nosso futebol tem de ter cada vez mais ideias, mais treinadores inteligentes que conheçam do futebol. Então toda a novidade e ideias adquiridas ao mundo do futebol é bem-vinda e o Filipe com certeza quando passar para essa área vai conseguir portar várias coisas aí como treinador.

ESPN - Você falou que acha que vai ter alguma renovação de contrato antes de seguir como treinador. Alguma conversa com o Flamengo na relação de estender essa parceria?

Guilherme Siqueira - Não, não foi nada conversado. O Filipe tem um conforto muito grande dentro do contrato dele. O Filipe é um cara que está muito feliz, muito satisfeito. Acho que não é o momento ainda. O Flamengo sabe o que tem na mão. Acho que os prazos estão dentro de uma normalidade. Mas é como falei, cada mercado tem a sua história. Todo atleta que ele se destaca co certeza aparecem coisas novas, situação novas e acho que o Flamengo tem de estar à grandeza dos atletas, das contratações que fez. Viu que deu certo, então o Flamengo tem de saber o ativo que tem na mão e hoje ele sabe. Então para segurar atletas como Rafinha, Filipe Luís realmente é uma briga grande. O Filipe hoje está muito satisfeito aqui, muito feliz. Então a gente tem sempre de respeitar a cabeça do atleta. Enquanto for Flamengo e for Brasil, a gente não toca nesse assunto. Mas espero, sim, o Filipe Luís terminar o contrato com o Flamengo aqui em 2021 e a gente negociar uma possível renovação. Como falei, confio muito no potencial Filipe Luís, confio muito nos cuidados que ele tem com ele mesmo. Acho que o Filipe aí vai jogar até quando ele quiser, mas no momento não temos conversa, não foi falado nada. Filipe está muito satisfeito, muito tranquilo. Acho que isso automaticamente vai acontecer quando tiver de acontecer, mas o Flamengo sabe que com as contratações que fez chegou num patamar que poucos clubes, né, vão chegar. O Filipe é muito feliz no Flamengo, é uma instituição enorme, não adianta a gente ficar falando aqui outra coisa porque o Flamengo está num nível estrutural, financeiro muito, muito grande e isso com certeza é mérito das pessoas que lá estão, das contratações que fizeram. Futebol às vezes é isso. Economicamente fica um pouco puxado, mas trouxeram atletas que deram muito rendimento dentro de campo e automaticamente títulos importantes para o clube.

ESPN - Acredita que a renegociação salarial de clubes com atletas será inevitável com essa paralisação da pandemia?

Guilherme Siqueira - Primeiro a gente tem de entender a nível global o que vai acontecer agora, né. Quais são as dificuldades dos clubes. Acho que é um momento de todos sermos flexíveis. Todos Acho que não tem só o clube de perder. Enfim, acho que tem de ser uma série de questões que faça com que o futebol não seja tão afetado. Claro que essa pandemia do ponto de vista financeiro vai ter reajuste, acho que vai ter uma descida grande em relação a números no futebol, transferências, os clubes vão passar por um processo realmente um pouco mais complicado. Só espero que isso ajude a igualar o futebol, que não fique tão desproporcional. Que os clubes talvez tentem se igualar o máximo possível financeiramente, acho que o atleta vai ter de ser flexível também em relação a isso. Porque é uma pandemia, é uma situação que ninguém esperava, os clubes estão sofrendo, não estão tendo ingressos agora. Então acho que quando existe bom senso de todas as partes as coisas ficam mais fáceis e tenho certeza que brevemente tudo será resolvido. Mas cada clube negociando sobre aquilo que precisa com seus jogadores, acho que os jogadores não vão ter problema em entender porque acho que aqui não tem ninguém querendo tirar vantagem. Acho que, sim, todos estão se cuidando, fazendo de tudo para que o futebol volte o mais rápido possível e que a sua equipe seja o menos afetada possível. Então nesse quesito eu espero que os atletas sejam inteligentes e sejam flexíveis de acordo com aquilo que o seu clube está sendo afetado.

ESPN - Você é muito novo, tem 33 anos. Poderia estar jogando ainda. Como foi a transição saindo do campo para ser agente, fazer intermediação. Por que a decisão?

Guilherme Siqueira - A decisão foi fácil de ser tomada. As pessoas até perguntam para mim 'poxa, que difícil de tomar decisão tão séria com 31 anos de idade'. E eu falei olha quando o problema é a lesão, ela é muito fácil de ser tomada porque não tinha o que fazer. Realmente meu tornozelo chegou num nível muito prejudicado devido a uma cirurgia que fiz, grave, em 2004. Joguei durante muito tempo, joguei durante 11 anos sem problema algum no meu tornozelo, mas em 2016 ali começou realmente a ter um problema sério de cartilagem onde eu não consegui jogar futebol. Então eu não tinha outra alternativa a não ser abandonar. Mas acho que aproveitei muito a minha carreira em vários quesitos, né. Eu me preparei muito para esse momento, sempre fui um cara muito controlado, muito precavido em diversos aspectos, então consegui parar com 31 anos com uma tranquilidade, em vários quesitos, muito boa. Então isso não me impactou, não me pressionou. Claro que a gente sempre falta de futebol porque somos apaixonados, somos loucos por essa modalidade. Mas para mim foi uma decisão muito tranquila a ser tomada, eu respeitei a minha saúde, respeitei o meu tornozelo. Enquanto ele pôde ele me deu muitas alegrias. Mas ele pediu um descanso e assim eu dei. Eu tinha já uma oportunidade de trabalho, de virar sócio da empresa que me representou durante oito anos na Espanha, que é a YouFirst, uma empresa espanhola. Então eu comecei esse projeto aqui no Brasil, há um ano atrás. Muito feliz, colocando em prática aquilo que a gente conseguiu durante a nossa carreira, os contatos, a credibilidade, a imagem. Acho que a gente tem de usar as coisas que a gente faz de bom na nossa carreira para um trabalho fora dos gramados. Acho que é isso que venho implantando dentro do meu trabalho hoje. Aproveito os contatos, as amizades que fiz na bola e aquele conhecimento que a gente tem durante toda a carreira. Estou muito feliz em trabalhar com futebol. Claro que às vezes sentimos falta do cheirinho ali do gramado, mas só o fato de estar ligado ao futebol isso me conforta. Estou muito feliz desde que decidi me retirar do futebol. Não tive problema algum, sempre tranquilo, muito sereno. Cada vez que vou a um campo de futebol para ver algum jogo aquilo já é suficiente para mim. Mas realmente quem olha para a minha idade se assusta um pouco porque inclusive sou mais novo do que o Filipe Luís (risos). Poderia ter mais alguns anos de carreira, mas o tornozelo pediu descanso mais do que merecido.

ESPN - Você falou tanto da sua experiência com Jorge Jesus, mas com Simeone? Alguma história também que o represente?

Guilherme Siqueira - Simeone também é outro exemplo de seriedade. Simeone é um cara, não só ele, acho que todo estafe dele. Um estafe muito, muito comprometido. Eles têm uma ideia de jogo, uma ideia de futebol muito sul-americana, de muito foco, um grupo muito aguerrido. Aquilo ele passa à perfeição aos atletas. Costumo falar que o Simeone é um treinador de chuteiras. Se puder ele entra em campo para jogar porque ele é um cara que enquanto está ali na beira do gramado ele sofre por não poder ajudar dentro de campo. É um cara que passa uma energia única para os atletas. Tem uma ideia de jogo muito inteligente. O que ele fez no Atlético de Madrid é algo único. Então é um cara que eu aprendi muito também, bastante mesmo. Um cara que passa uma paixão para os atletas, né. Realmente dá gosto de ver a maneira como ele conduz o trabalho dele. Um cara muito apaixonado, muito focado. Então alguma história com o Simeone? Cara, tem uma história engraçada. Tínhamos um jogo com o Valencia. Até o Diego Alves vai ser pauta nessa história. Nós tivemos um jogo contra o Valencia no Mestalla onde em 15 minutos nós tomamos três gols. Enfim, depois fizemos o 3 a 1. E houve um pênalti antes do intervalo. E nós tínhamos Griezmann, Manduzkic, Gabi, Koke para bater. Eu não era o batedor. Eu, sim, no Granada e no Benfica eu batia pênalti. Mas no Atlético não era eu. Naquele jogo eu senti que eu tinha de bater pênalti, cara. Eu estava confiante para bater por mais que na minha frente eu tinha um dos melhores goleiros e pegadores de pênalti (risos). Mas eu quis bater. Pedi permissão a ele. Fui correndo em direção ao banco de reservas, perguntei 'Posso?' e ele: 'Vai!'. Ele me deu essa confiança. E eu acabei batendo, cara, e perdendo. O Diego fez a defesa. Aí após o jogo ele foi perguntado. Por que o Siqueira? Ele falou 'olha, eu também não sabia. O Siqueira pediu. É um atleta que eu confio muito, um atleta que trabalho muito, atleta muito focado. Ele pediu para bater, estava confiante. Eu autorizei. Foi infeliz em não converteu e é muito difícil que volte a bater pênalti comigo!' (risos). Resumindo, ele me deu uma oportunidade, eu não aproveitei ele como bom xerife, um bom comandante já me deu o recado: 'olha, vai ser muito difícil que ele volte a bater porque tenho outros batedores e infelizmente ele não foi feliz'. Culpa do Diego Alves! (risos).

ESPN - Como o futebol europeu viu essa fase do Flamengo no ano passado? Tinha espanhol no time, Rafinha, Filipe Luís, Jorge Jesus. Acredita que isso é bom para o clube ter um novo Pablo Marí?

Guilherme Siqueira - Olha, os europeus são apaixonados pelo futebol brasileiro. Isso é inevitável. Em todos os países que eu morei a galera fica vendo jogo brasileiro, Campeonato Brasileiro. Isso é muito gratificante. É claro que infelizmente nosso talento aqui no Brasil ele é muito rapidamente exportado da nossa parte e importado pela parte deles. A gente nunca consegue fazer grandes planteis aqui no Brasil porque às vezes por uma necessidade econômica, enfim, o atleta acaba saindo precocemente do clube que o formou. E acho que o Flamengo fez um pouco o contrário disso, né. O Flamengo além de ter feito grandes vendas também com a molecada trouxe experiência para dentro do clube, trouxe profissionalismo, trouxe atletas e um treinador para uma realidade talvez que nós precisávamos no futebol brasileiro. O Flamengo hoje tem uma ideia de vencer. Não só de vender. Então acho que os clubes quando trabalham dessa forma o resultado ele chega. O europeu viu muito isso no Flamengo. Que legal, um clube que está investindo para ganhar. Não está só preocupado com a venda. Então é inevitável que jogadores como Filipe, Rafinha, o treinador Jorge Jesus façam com que os europeus queiram assistir cada vez mais o futebol brasileiro. E o Flamengo nesse ano deu uma lição de jogo, de ideia, de tática, de espetáculo. Porque querendo ou não o Maracanã em todos os jogos que o Flamengo jogava em casa colocava sempre mais de 60 mil pessoas por jogo. E isso é o espetáculo do futebol, gente. Futebol é isso. O atleta é um ser humano movido a emoções, a adrenalina. Então até os jogadores que iam jogar contra o Flamengo no Maracanã e viam aquele espetáculo se sentiam mais importantes. Então acho que a gente precisa disso aqui no Brasil. Um pouco mais de profissionalismo, gostar mais de nossos atletas, talvez segurar um pouco mais as nossas pérolas, digamos assim. E isso vai fazer com que cada vez mais os europeus, os estrangeiros vejam o nosso futebol. Então com certeza o Flamengo nesse quesito ajudou bastante porque muita gente me chamava e me perguntava para saber dessa loucura que era esse ambiente do Maracanã e esse Flamengo jogando de maneira tão agressiva, tão bonita e tão brilhante.