"A batalha final". É dessa maneira que Adriano tem chamado sua partida de despedida do futebol, neste domingo, às 17h (de Brasília), no Maracanã.
O amistoso entre Flamengo e Amigos da Itália, com a presença de ex-companheiros, é uma espécie de carimbo final para uma das trajetórias mais impressionantes e contraditórias do futebol brasileiro. "A batalha final" nos gramados é o ponto final de uma história onde o Imperador teve que vencer batalhas que foram além das bolas nos pés - muitas vezes contra si mesmo. ( clique aqui e veja preços e outras informações sobre venda de ingressos ) .
Ídolo de Flamengo, Inter de Milão e Seleção Brasileira, o ex-atacante dividiu holofotes entre os feitos protagonizados pela potente perna esquerda e as decisões de recuar por conta de problemas que o afligiam mentalmente. Entre idas e vindas, Adriano consolida a aposentadoria com a convicção de que foi até um limite que teve o capítulo final com a camisa do Miami United, em 2016, mas que já dava sinais de fim nos tempos de Corinthians, em 2011.
"Eu fiz o que tinha que fazer. Não sinto falta. Acho que fiz até onde eu puder fazer... Se as coisas não estão dando certo, tem que ser homem para recuar, para se afastar do que não te faz mais bem"
- Não é uma coisa que era mais igual a quando eu era pequeno, quando comecei, com a autoestima lá em cima, querendo conquistar as coisas... Não era mais a mesma coisa.
Depois que deixou o Corinthians, no início de 2012, foram poucas aparições como jogador profissional. Adriano disputou quatro partidas pelo Athletico-PR e marcou um gol em 2014 e depois fez um jogo amistoso solitário pelo time dos Estados Unidos em maio de 2016. Ao todo, foram 427 partidas, 201 gols marcados e 15 títulos conquistados na carreira.
História que garantiu a Adriano o posto de Imperador do futebol mundial, mas também mexeu com a cabeça de quem viu o mundo girar a medida que marcava gols. Aos 42 anos, o ex-atacante olha para trás e reflete:
"A responsabilidade veio muito cedo e isso para um garoto que não tinha nada e do nada tem um monte de coisa, é chamado de Imperador, a cabeça fica pirada. A gente deixa subir para cabeça, o que é normal. Às vezes, tinha cinco carros na garagem, eu olhava e pensava: "Por que que eu estou fazendo isso?""
- Mas é tanta coisa na cabeça que você vai vivendo, vai vivendo e mais para frente que minha mãe falou "não faça isso, toma cuidado". Quando eu voltei para Inter, nos dois, três últimos anos, que eu comecei a ver que não precisava daquilo.
Adriano Imperador por muitas vezes se confundiu ao longo dos anos com o Didico. E esse ele não abre mão de ser seja em Milão ou no próximo domingo, no Maracanã.
- Eu sempre falei que gosto de ir para a minha comunidade, fazer meu churrasquinho, e o pessoal também se identifica com isso. Eu jamais fiz isso para mostrar as pessoas algo que eu não sou. Não fiz para mostrar que sou humilde... Não, não, não. Isso é meu desde pequeno, criação de pai e de mãe. As pessoas vêm também que é puro, não é forçado. O carinho que eles têm por mim deve ser mais por isso.
Adriano recebeu o ge em sua casa no Rio de Janeiro para falar da expectativa para a festa de despedida que contará com nomes como Ronaldo, Romário e Zico. Confira abaixo a íntegra do bate-papo de quase uma hora com o Imperador:
Quando foi que você decidiu que realmente não iria mais jogar futebol? Foi depois da sua experiência nos Estados Unidos?
Ali, dinheiro para mim não importava. Era só para jogar e ter uma experiência, mas logo depois vi que não era mais para mim. Eu não estava mais preparado para aturar tudo de novo. Então, resolvi voltar para o Brasil e rescindir contrato.
Você chega a conversar com alguém, se abre com alguém para expor sua decisão?
Não. Não falei, não. Até porque, minha mãe, minha família já estava sentindo isso. Ali (nos EUA), era mais um divertimento do que jogar sério. Era quarta divisão, as pessoas trabalhavam para depois de treinar na quarta-feira para jogar na sexta. Não tinha aquela responsabilidade realmente de um campeonato sério, respeitando o clube, mas não era a mesma coisa. Fui para sair um pouco do Brasil e aproveitar os Estados Unidos, conhecer Miami, Los Angeles, Las Vegas... Aproveitei também a viagem e depois de um jogo em Las Vegas, que o Ronaldinho também jogou, retornei ao Brasil e não voltei mais. Liguei para o presidente e falei que não dava mais para mim.
Quando que deu o momento que "já deu", que não tinha prazer mais?
Foi quando eu operei o tendão (no Corinthians) e já comecei a desanimar muito. Eu saí do Corinthians, tentei voltar ao Flamengo na época que o Zinho era dirigente e o Doutor Runco me disse: "Adriano, você vai ter que operar de novo". Ali, foi a gota d´água. Mais sete meses parado e alguma coisa me dizia que eu tinha que me afastar e viver minha vida do lado de fora.
O fim foi muito também pelo corpo chegar ao limite?
Eu sou alto, sou muito grande. De repente, se eu fosse um pouco menor, não seria tão difícil até questão de peso, de tudo. Isso me atrapalhou muito. Você tem que se adaptar a jogar de uma maneira diferente da que está na cabeça. Você está mancando e não tem mais a agilidade de pegar e girar dentro de campo.
Aquele gol contra o Corinthians foi seu último grande momento. Como superou as limitações físicas para acabar sendo importante naquele título?
Foi importante, né? Apesar de ter sido só aquele gol, foi importante para mim. No primeiro treino no Corinthians, eu machuquei e fiquei fora dos jogos. Depois, foi muita luta. Me colocaram na concentração para treinar a parte, para recuperar mais rápido e comecei a melhorar, mas não era a mesma coisa. Um pouco de espaço que eu tinha perto do gol era aquilo. Pegar a bola e arrancar como era antes, não tinha como. Eu manco até hoje e não tinha força no pé. O arranca era curto, cinco, seis metros na rapidez. Depois, eu perdia porque o tendão não acompanhava. Você pode ver que o gol foi um arranque curto. Foi um gol importante, sim. Ganhar um título pelo Corinthians, um clube que todo mundo é apaixonado.
Tanto tempo depois, você olha para trás e sente alguma falta da rotina como atleta profissional?
Não. Graças a Deus, eu fiz o que tinha que fazer. Não sinto falta. Acho que fiz até onde eu puder fazer... Se as coisas não estão dando certo, tem que ser homem para recuar, para se afastar do que não te faz mais bem. Não é uma coisa que era mais igual a quando eu era pequeno, quando comecei, com a autoestima lá em cima, querendo conquistar as coisas... Não era mais a mesma coisa.
Conversando com ex-companheiros, é impressionante o carinho com que todos se referem a você...
Sempre respeitei a todos os meus companheiros. Independentemente do que eu fiz fora de campo, eu sempre respeitei e amei a todos. Sempre fui o Didico, vamos falar assim. Brincalhão, que sacaneia, gosta de brincar, e isso fica gravado por eles. Eu sinto muita falta, falo com alguns até hoje para lembrar como era, e isso dá uma satisfação por realmente sentir o carinho desses jogadores que fizeram parte da minha vida. É um dever cumprido. Eu se não gostar da pessoa, já saio de perto na mesma hoje, mas se gostar vou brincar, abraçar. E é muito difícil eu não gostar de alguém. Tanto que quase não tive problema na minha carreira, só discussão normal de campo. O carinho que eu tenho por eles é o que ele tem por mim.
Todos falam também que você foi um dos talentos mais impressionantes que já viram como atacante pela força física, capacidade de decisão, habilidade... Você acredita que fez temporadas de melhor do mundo?
Cheguei perto. Não é querer falar, não. Não é me gabar, mas cheguei perto porque mereci. Perdi para o Shevchenko na época e fiquei chateado. Não por ele, que é um craque também, mas eu ganhei mais títulos do que ele. Não sei se é porque eu ainda era muito novo, mas Deus sabe o que faz e não guardo mágoa. Pude fazer muita coisa boa em campo. Já sou grandão, desajeitado e tinha muita força. Aprendi muito com o Prandelli no Parma a fazer gol. Tive uma experiência muito rápida como atacante no Flamengo, subi muito cedo e cheguei na Inter sem estar preparado realmente. O Prandelli viu essa deficiência em mim e sempre treinava comigo de frente para o goleiro, explicando e conseguiu me aperfeiçoar. Eu chegava na frente e chutava forte, não sabia colocar a bola no canto, tirar do goleiro, e ele foi muito importante para mim.
E você tinha consciência da sua relevância no futebol europeu?
Quando você chega a um momento bem mentalmente, feliz, eu só tinha 7% de gordura no corpo... Era muito forte, era só músculo, não era igual agora que estou com a barriguinha (risos). Então, quando você acredita mais em você mesmo, o futebol melhora muito mais.
Dá para perceber pelas redes sociais o quanto o torcedor brasileiro te ama e dá carinho. Depois que você parou, essa relação ficou ainda mais afetuosa? Você acha que nos tempos de jogador ainda tinha muito julgamento pelo seu comportamento?
Eu acho que sim. Na boa, quando eu jogava, meu Deus do céu. Mas até hoje eu não acredito no tanto de carinho que as pessoas têm por mim. Eles percebem que eu sou eu mesmo, falo das minhas polêmicas, da minha felicidade. Não sou de passar para as pessoas algo que não sou. Isso conta muito. Hoje em dia, tem criancinha que nunca me viu jogar e quando me vê começa a chorar e eu não entendo. São os pais falando que eu fiz muita coisa pela Seleção, pelos times...
Acha que a sua espontaneidade, o lado humano, é o que fez com que você se aproximasse tanto dos torcedores?
Com certeza! Eu sempre falei que gosto de ir para a minha comunidade, fazer meu churrasquinho, e o pessoal também se identifica com isso. Eu jamais fiz isso para mostrar as pessoas algo que eu não sou. Não fiz para mostrar que sou humilde... Não, não, não. Isso é meu desde pequeno, criação de pai e de mãe. As pessoas vêm também que é puro, não é forçado. O carinho que eles têm por mim deve ser mais por isso.
Depois que você parou de jogar, a vida ficou mais leve?
Mais ou menos, cara (risos). No começo, as pessoas ficam no seu pé. Mas com o passar do tempo você fica mais tranquilo, mais leve, sim, para poder viver. Eu parei de jogar, mas ainda faço as minhas coisas que eu tenho que me acostumar.
Como foi conviver tanto tempo com a pressão de jogar futebol? Era algo que te afligia?
No começo, eu não sabia muito entender, não. Com o passar do tempo, com a experiência, passei a lidar melhor com isso. Eu fui muito novo para Itália. A responsabilidade veio muito cedo e isso para um garoto que não tinha nada e do nada tem um monte de coisa, é chamado de Imperador, a cabeça fica pirada. A gente deixa subir para cabeça, o que é normal. Às vezes, tinha cinco carros na garagem, eu olhava e pensava: "Por que que eu estou fazendo isso?". Mas é tanta coisa na cabeça que você vai vivendo, vai vivendo e mais para frente que minha mãe falou "não faça isso, toma cuidado". Quando eu voltei para Inter, nos dois, três últimos anos, que eu comecei a ver que não precisava daquilo. Eu sempre gostei de carro, mas foi uma coisa de momento mesmo que toda pessoa passa e nos anos finais eu consegui me adaptar.
O que é o Flamengo na sua vida?
É tudo, cara. É criação, infância... Comecei muito cedo no Flamengo, com sete anos no futebol de salão, e foi a base para minha vida. Eu subi com 17 anos e com 18 já era convocado para a Seleção com a camisa do Flamengo. Foi a base de tudo, onde eu consegui conquistar uma condição profissional e com 19 para 20 anos já estava na Itália. As coisas aconteceram muito rápido.
Como você saiu muito cedo, 2009 era uma coisa necessária para que sua carreira ficasse completa?
Claro! Quando eu saí da Inter, estava com depressão, voltei e tinha aquela coisa de voltar para a Itália. Mas o Mourinho mesmo falava: "O dia que você for convocado para um jogo da Seleção no Brasil, já sei que não vai voltar (risos)". E eu não voltei mais porque realmente não estava com cabeça e não ia ficar roubando o Moratti. Eu ganhava muito bem, tinha mais quatro anos e com o salário aumentando a cada ano. Meu pai e minha mãe não me criaram assim, eu não estava com cabeça. Ele me ligou e eu disse que não estava mais com cabeça e coração para continuar. Na mesma hora, eu fui discutir para pagar a multa, que era muito cara, mas ele mandou eu liberar e não paguei nada. Não sei se é porque ele tinha gratidão por não ter ido para o Chelsea. Era um carinho e respeito. Aí, fiquei um tempo no Rio, quase dois meses sem jogar, já tinha falado que ia dar tempo. O Jorginho foi falar comigo da Seleção e eu disse que não queria saber de futebol, que precisava curtir minha vida e voltar a ser o Adriano de antes. Aí, teve a oportunidade de voltar ao Flamengo e eu aceitei. Quando fui ver, já estava assinando com o Flamengo e foi aquela festa toda. Não tem como esquecer e no final ainda fomos campeões do Brasileiro depois de 17 anos. Deus tira uma coisa aqui e te dá outra lá na frente. Arrepia!
Foi o título mais importante da sua vida?
Ah, sim. Esse, a Copa América e a Copa das Confederações... Já ganhei muitos títulos pela Inter, mas esses são especiais.
Como você define sua relação com a torcida do Flamengo?
Não tem explicação. É um carinho muito grande. Até hoje, quando eu vou na rua, eles me idolatram. Quando o Flamengo perde também, eles falam: "Poxa, Adriano, brincadeira". Mas eu não estou nem jogando mais (risos). Para você ver como eles se identificam e esse sentimento é eterno.
E a Seleção, qual o tamanho daquelas conquistas da Copa América de 2004 e da Copa das Confederações de 2005 para você?
Eu não tinha jogado muito no Brasil, se você for parar e pensar. Eu joguei pouco tempo no Brasil e fui para a Itália. A Copa América de 2004 abriu as portas para o torcedor brasileiro saber quem eu sou. Foi uma grande oportunidade da vida.
Por fim, a Inter de Milão. É o clube onde você jogou mais, que acreditou em você e que te batizou como Imperador. Como você definiria sua relação com o torcedor italiano?
Até hoje, realmente não acredito. Só Deus mesmo, não tem jeito. Quando eles começaram a cantar a música do Imperador, eu não entendia. Tinha feito um gol e eles começaram a cantar, até que depois do jogo o chefe da torcida falou que eu seria o Imperador deles dali em diante. Quando vou à Itália, o pessoal me ama. Não só o torcedor da Inter.