Quando ainda restavam dez horas de estrada para chegarmos na capital peruana, o Cachorrão não aguentou e esbravejou dentro do ônibus: "O que falta acontecer para que a gente não chegue nunca em Lima?"
Um desabafo justo e justamente no último dia de percurso do ônibus Rio-Lima, que deixou o Brasil sábado passado e deveria chegar ao destino na noite de quinta. Em vez disso, chegou na sexta, às 7h. E cada minuto perdido vinha acompanhado de lamentos, não só de Reginaldo Alves, o Cachorrão, mas de outros passageiros.
Afinal, não foram poucos os contratempos e obstáculos na reta final. Vou citar três, que curiosamente tem o Cachorrão como personagem importante e que acabaram virando motivos de piada depois.
Após o café da manhã ficamos mais de 30 minutos parados na Longitudinal de la Sierra Sur, parte da Interoceânica, estrada que, em território peruano, liga Cusco a Abancay, por exemplo. O carioca de 52 anos, boa praça, não aguentou: "Mas vamos parar para tudo? Eles sabem que tem jogo do Flamengo ?".
Depois, ao atravessar Abancay, outro desafio. Uma reforma numa das principais avenidas fez a cidade ficar um caos. Nosso ônibus acabou dando voltas, entrando em ruazinhas em busca de um caminho para retomar à estrada.
Impaciente, Cachorrão não aguentou e desceu do ônibus . Foi organizar o trânsito. E até bateu boca com alguns peruanos que não queriam dar preferência para nossa passagem.
"Todo mundo sabe que na subida a preferência é de quem está vindo. E eles não queriam esperar. Tenho mais de 30 anos de experiência no volante. Se não faço isso a gente ia chegar depois do jogo!", esbravejou, enquanto recebia aplausos de outros passageiros.
Depois do almoço no pequeno povoado de Chalhuanca, foram mais 30 minutos perdidos porque tão logo saímos de ônibus tivemos de parar para esperar um desfile escolar passar.
Cachorrão não aguentou: "Melhor alguém ligar para minha mulher e avisar que não vamos mais sair do Peru! É brincadeira, pô!"
Mas, Cachorrão não é um sujeito bravo. É o típico carioca boa praça. É carismático e divertido. Ele acabou descendo e interagindo com a garotada. Ensinou as meninas a cantarem: "Mengo, Mengo!!!".
Voltamos ao ônibus pela enésima vez para seguir viagem. Uma viagem que chegou a parecer interminável. Um colega da TV Globo citou que parecia que estávamos presos em um episódio de "A caverna do Dragão", pois todas as tentativas de chegar ao destino eram frustradas. Quantas horas mais de estrada???
Números, estrada morte e os finalmente
Como minha viagem começou em São Paulo, eu demorei cinco dias e 17 horas para chegar. No total, foram 237 horas e 5.864 km percorridos. Passei pela divisa de cinco estados e cruzei sete províncias peruanas.
As horas mais difíceis foram as últimas. Primeiro porque estávamos com fome e já era quase madrugada. Segundo porque descemos à noite a estrada Nazca-Cusco.
Para quem não conhece, é um trecho de serra com curvas muito fechadas e pista dupla, embora em um pedaço seja uma única pista (os carros vão intercalando). Tanto que foi batizada como estrada da morte. Impossível não temê-la.
Tanto que todos que estavam dormindo acordaram. Alguns até rezaram.
Mas o momento esperado da viagem aconteceu às 7h11 locais, quando chegamos ao terminal rodoviário e descemos.
Pensa que todos saíram correndo, embora? Que nada. Houve abraços, despedidas calorosas e promessas de jamais perder contato. Rolou até uma foto em conjunto, com todos, e a selfie deste repórter com o grupo #missãoLima cumprida.