O período de quarentena obrigatório devido à pandemia do coronavírus promete ter repercussões na economia global e atingir, em cheio, o mundo do futebol. Na prática, a crise chegou ao Flamengo no caso de Jorge Jesus.
Primeiro, na apreensão sobre a possibilidade real de o técnico ter sido infectado pelo COVID-19. Agora, já com o resultado negativo confirmado na noite desta quarta-feira, os futuros do técnico e da programação para a temporada vão depender do tamanho do baque que surge no horizonte. Principalmente em relação ao câmbio, com a disparada do euro em diante do real.
Embora tenha confiança no planejamento traçado e na saúde financeira restabelecida com o início do processo em 2013, o Flamengo observa o futuro de 2020 com cuidado.
O clube não conta com um seguro para bancar os salários dos atletas em casos atípicos como o da pandemia do coronavírus. Não há dúvida internamente de que os contratos serão integralmente cumpridos, ainda que existam brechas jurídicas para o momento. Mas, claro, há uma preocupação com o tempo de paralisação.
O orçamento de 2020 projeta R$ 672 milhões de receita. Neste montante, por exemplo, constam R$ 108 milhões brutos em bilheteria na temporada, com um resultado R$ 67 milhões líquidos. Em termos de comparação, o Flamengo faturou R$ 114 milhões brutos - com R$ 48 milhões líquidos - na temporada 2019.
Apenas a primeira partida em casa pela Libertadores, contra o Barcelona de Guayaquil, no início do mês, rendeu R$ 4,4 milhões brutos. A competição sul-americana, no entanto, está suspensa ao menos até 5 de maio pela Conmebol. Numeralha que ajuda a explicar o patamar do Flamengo atualmente, com elenco vasto, caro e contas a pagar.
Em relatório enviado aos sócios do clube no início de março, o Flamengo apontou que tem ainda R$ 202,4 milhões a pagar por reforços referentes às três últimas temporadas: 2018 (61,9 mi), 2019 (78,4 mi) e 2020 (62,1 mi). São pagamentos devidamente escalonados, como Michael - ao custo de 7,5 milhões de euros em três parcelas, a última em janeiro de 2021 - e Gerson, adquirido em 2019 junto à Roma por 11,8 milhões de euros - R$ 50,4 milhões no câmbio da época e com R$ 41 milhões a pagar até 2023.
No relatório não constava, ainda, a transação de Gabigol, comprado junto à Inter de Milão por 16,5 milhões de euros em janeiro. Mas se há contas a pagar, também há a receber. Em 2019 e 2020 o Flamengo arrecadou R$ 279,4 milhões com vendas de atletas. Apenas nesta temporada, com as transferências de Reinier para o Real Madrid (R$ 125 mi), Matheus Sávio ao Kashiwa Reysol (R$ 2,2 mi) e Pablo Marí ao Arsenal (R$ 40 mi) foram R$ 167,2 milhões.
Se compra em euro, o Flamengo também recebe na moeda da União Europeia. Justamente por isso não há temor nesta balança. O câmbio instável é visto com reservas em outra questão: o acordo com Jorge Jesus.
O técnico tem valores a receber na moeda europeia e uma renovação ocorreria com um grande reajuste entre salários e bonificações por conquistas diante dos resultados em 2019. Exatamente por isso a diretoria sabe que as conversas serão longas para ajustar os novos termos com o treinador, com contrato válido até 15 de junho.
Após o papo ter praticamente freado diante da possibilidade de o técnico ter sido infectado pelo coronavírus, a tendência é que agora elas sejam uma vez mais retomadas com força, ainda que com contatos à distância devido à pandemia. O clube também imaginava cobrar da CBF, baseado na Lei Pelé, o período em que seus jogadores estivessem a serviço da seleção brasileira durante a Copa América.
Caso o trio Everton Ribeiro, Bruno Henrique e Gabigol fosse convocado para a competição sul-americana o cálculo seria de uma economia de cerca de R$ 4,5 milhões. Seria uma estratégia a seguir apenas para um longo período de ausência dos atletas e não ocorreria em jogos das Eliminatórias, por exemplo.
A Copa América, no entanto, acabou adiada para 2021, ano em que o clube teria vaga no novo Mundial de Clubes da Fifa, também postergado devido à pandemia.
A diretoria observa com cautela os ajustes necessários com o passar da paralisação. O mercado está totalmente frio, uma vez que a incerteza sobre o prazo para o fim da temporada europeia é um enorme obstáculo. Na última janela do meio do ano o clube contratou Gerson, Filipe Luís e Rafinha. Além, claro, de Jorge Jesus.
A investida em um nome para ser o reserva na lateral direita poderia vir mais uma vez neste período. O clube recebe várias ofertas para a posição, como de Bustos, do Independiente. Mas entende que o xadrez está apenas no início com a pandemia do coronavírus. É necessário mexer qualquer peça com muito mais cuidado do que em desafios anteriores.