"Somente no gol eu não joguei. Todas as outras camisas, todos os outros números, eu vesti".
Wilson Mano foi fundamental na conquista do primeiro título brasileiro do Corinthians , que completará 30 anos na quarta-feira (16). Considerado o maior curinga da história do clube, ele fez o gol da vitória sobre o São Paulo por 1 a 0 no primeiro jogo da final, no Morumbi.
Revelado no XV de Jaú-SP, ele foi para o clube do Parque São Jorge em 1986 e rapidamente caiu nas graças da Fiel pela raça e pela gana com que se colocava a disposição para jogar em qualquer posição que fosse necessária.
Mano se tornou um representante da torcida dentro de campo. De 1986 até 1990, viveu frustrações, como a péssima campanha na Copa União de 1987 (na qual foi até confrontado por torcedores), e glórias, como o título paulista de 1988. Mas voos maiores pareciam difíceis.
A virada de 1989 para 1990 indicava algo até pior. O volante havia sofrido uma lesão, mal podia jogar e viu o time terminar o com apenas uma derrota, mas fora das finais. A equipe chegou ao Brasileiro com um elenco de poucas estrelas e muitos problemas.
"Nossa expectativa era fazer no máximo um bom campeonato, mas chegar ao título, inclusive um título inédito, pouca gente acreditava. Nós mesmos do grupo não acreditávamos", afirmou Wilson Mano para a reportagem.
Desiludido, poucos sabem é que por muito pouco o volante não foi para o Flamengo antes da estreia no Nacional. Mano tinha perdido quase o primeiro semestre todo de 1990 devido a uma lesão no joelho, que o obrigou a ser operado duas vezes.
"O [ex-pugilista] Zé Maria era o treinador e eu não gostava do sistema de trabalho dele. Ele não tinha comando sobre o grupo. Ele fazia média com alguns jogadores. E eles mandavam no time. Zé Maria criou uma panelinha dentro do próprio grupo, favorecendo alguns jogadores e deixando outros jogadores, os mais jovens, digamos assim 'Vocês tem de fazer e acabou'", disse o ex-jogador.
"Na época, o Jair Pereira estava no Flamengo e ele me ligou dizendo que queria me levar para lá. Como eu não estava legal, não estava contente, falei com o [presidente Vicente] Matheus que tinha uma proposta. Ele disse que cobria essa oferta, que estava mandando o Zé Maria embora e trazendo o Nelsinho Baptista. ‘Antes de eu negociar você eu quero esperar o treinador’", recordou.
Dois jogos do Campeonato Brasileiro já tinham se passado, com duas derrotas (Grêmio e Cruzeiro), quando o novo treinador, que tinha sido vice-campeão paulista pelo Novorizontino, chegou e chamou Mano para uma conversa franca.
"Ele me disse que gostaria que eu continuass. Eu expus para ele que estava incomodado com uma série de situações. O Nelsinho foi bastante transparente: ‘Eu quero que você fiquei, já conversei com o Matheus e acho difícil ele te liberar’.Foi o que aconteceu. Cheguei na sala do presidente e ele disse que não me liberaria, que pagaria o que o Flamengo me prometeu. Eu renovei e a gente começou a trabalhar".
"Até a vinda do Nelsinho, havia grupos dentro do Corinthians em que um treinava e outro não. Um se dedicava mais, enquanto outros não ligavam muito. Era um grupo heterogêneo, mas com o Nelsinho tornou-se homogêneo. Foi feita uma cobrança em cima do trabalho. O Corinthians não tinha um elenco grande, mas naquele momento os jogadores abraçaram o sistema do Nelsinho", disse.
Aos trancos e barrancos
Mesmo com a melhora no ambiente, os resultados na primeira fase foram muito irregulares (oito vitórias, seis empates e cinco derrotas em 19 jogos) e o Corinthians, que perdeu na rodada final, só se classificou para as quartas pelo índice técnico.
"Todo mundo chegou no vestiário cabisbaixo, triste e de repente veio a notícia que nós estávamos classificados por um resultado no qual a Portuguesa nos ajudou. Ali ganhamos outro ânimo porque iríamos para a fase final. Na segunda-feira, na reapresentação, houve aquela conversa. Todo mundo chegou animado, e eu lembro que eu falei: ‘Nós ganhamos um presente. A gente estava saindo do campo desclassificado. Agora é a hora de tentar responder esse presente que ganhamos’", recordou.
A jornada não seria fácil. Por terem melhor campanha, os adversários decidiriam todos os duelos em casa, com a vantagem do empate.
"Muitos acreditaram, outros ficaram em dúvida, mas aconteceu uma coisa bastante interessante. No primeiro treinamento após a classificação apareceu cinco mil torcedores. Quando entramos na Fazendinha, a gente se assustou. Parece que tivemos uma injeção de ânimo".
No primeiro mata-mata o Corinthians eliminou o Atlético-MG , um dos times de melhor campanha, depois de vencer em casa por 2 a 1, de virada, naquela que todos consideram a melhor partida de Neto, autor dos gols, e segurar o empate sem gols no Mineirão.
Na semifinal, os comandados de Nelsinho Baptista enfrentaram o Bahia, clube campeão da edição de 1988. Novamente venceram por 2 a 1 no Pacaembu, com outra grande atuação de Neto, e empataram sem gols fora, na Fonte Nova.
"Nessa fase decisiva tivemos quatro jogos que antecederam a final muito legais. Campo lotado, toda uma dinâmica que mexeu com o grupo. A torcida se inflamou e a gente acabou ganhando energia positiva para esses jogos, que nos levaram para a final", afirmou Mano.
O gol salvador
Na decisão, o adversário era o favorito São Paulo, do técnico Telê Santana, que tinha sido vice do Brasileiro de 1989 e que conquistaria o bicampeonato mundial nos anos seguintes. Para piorar, os dois duelos seriam no Morumbi, casa do rival.
Antes da primeira partida, no dia 13 de dezembro, o meio-campista teve uma conversa com o técnico.
"Nelsinho me chamou na preleção e falou: ‘Mano, você e o Marcio não saiam, não passem do meio de campo. Quero vocês dois na marcação’. Eu ainda brinquei porque ele sabia que eu gostava de sair para o jogo como segundo volante, de chegar à frente, chutar ao gol. ‘Mas nem se for para fazer o gol?’ Aí, ele deu risada e falou: ‘Se for para fazer o gol você pode ir, senão não’", recordou.
A "profecia" do jogador acabou se concretizando. Após cobrança de falta de Neto pelo lado esquerdo, Mano avançou em direção a bola, que acabou não subindo tanto, e marcou o gol usando o joelho direito.
"Depois disso, eu passei o jogo todo marcando. Logo na sequência, o Marcio teve um problema na perna e saiu. Eu recuei como terceiro zagueiro, mas ainda como volante fixo. Aquele gol foi o último momento que fui para a área. E nós podíamos ter decidido aquele campeonato no segundo tempo do primeiro jogo. O Neto errou dois gols cara a cara com o Zetti", disse.
Após a vitória por 1 a 0, a equipe alvinegra voltou ao hotel para continuar concentrada até o segundo jogo, que seria realizado apenas três dias depois, no domingo (16). Wilson Mano só foi entender o tamanho do feito durante o treino antes da grande decisão.
"Quando descemos do ônibus vieram 90% de todos os repórteres querer conversar comigo. No outro dia só dava eu no jornal. Como aquele poderia ter sido gol do título, de um título inédito, aí caiu a ficha da importância do gol que eu fiz".
No dia 16 de dezembro de 1990, o Corinthians precisava de um empate para ser campeão. As instruções de Nelsinho foram claras: não deixar o adversário jogar. O primeiro tempo terminou sem gols, mas logo aos nove minutos da etapa final, Tupãzinho marcou.
Minutos depois, Wislon Mano e Bernardo, volante do São Paulo, foram expulsos pelo árbitro Edmundo Lima Filho.
"Eu fui para o vestiário, tirei a camisa do jogo e falei: ‘Essa vou guardar’. Coloquei uma camisa de treino e fiquei trocado [esperando a festa]. E falei: ‘Vou esperar para subir para o campo e comemorar o título’. Fiquei com o Miranda, tomando água, ouvindo o jogo pelo rádio. Quando o [narrador esportivo da Rádio Bandeirantes] Fiori Gigliotti disse que estava com 42 minutos, eu pensei: ‘Quer saber, eu vou entrar’. Eu subi o túnel, mas um segurança falou: ‘Mano, não pode entrar’. Eu falei: ‘Não pode o caralho, falta três minutos’", disse.
O corintiano entrou no campo, correu para perto da arquibancada e um torcedor jogou uma faixa de campeão brasileiro. Ele vestiu.
"Nisso, jogaram uma bandeira também. Aí, sai comemorando, dei a volta em toda pela lateral do campo, comemorando com o torcedor do Corinthians e o jogo ainda em andamento. Faltava três ou quatro minutos".
Assim que o juiz apitou o fim da partida, a festa corintiana tomou conta do Morumbi.
"Quando a gente estava comemorando o jogo, logo após a conquista, a gente teve de correr para o vestiário porque houve uma invasão no campo. Naquela época podia ter fogos, bandeira. Não tinha problema de iluminação de lugares. É a coisa mais linda você olhar aquele anel do Morumbi em preto e branco, bandeiras e fechado. Aquilo ali te passa uma energia que é inexplicável".
"Foi um título que veio como prêmio pela dedicação do grupo. Esse grupo no começo do campeonato era heterogêneo. Depois ficou homogêneo. Nelsinho conseguiu fazer todo mundo treinar igual, com exceção do Neto, que não tinha condicionamento físico para treinar com a gente. Mas o Flavinho pegava ele, ficava junto com ele, levando ele para dentro de campo. Ele treinava bola parada demais. Ele não consegui pela parte física, mas ele compensava porque se dedicava muito a essa bola parada, nos ajudando dentro do que era o forte dele".
Gratidão da torcida até hoje
Foi só a partir do segundo dia após o jogo que Wilson Mano passou a entender que sua vida nunca mais seria a mesma.
"Logo que fomos campeões, tivemos a representação para a gente se despedir e entrar de férias. E aquele segundo dia em São Paulo não foi tanto. Apesar que a imprensa, os jornais, a televisão, a comemoração dos torcedores na Paulista e em vários locais de São Paulo, a gente começou a ficar contagiado. Mas depois, quando caiu a ficha mesmo, foi quando começou a ir para o interior e sentir o quanto tinha sido importante. As pessoas se aproximavam e o assédio foi diferente dos anos anteriores".
Mano participou de 20 jogos na campanha de 1990, sendo que foi titular nos últimos seis jogos, e fez dois gols. O ídolo da Fiel acredita que o título de 1990 mudou o patamar do clube nas décadas seguintes.
"Foi ali que começou a projeção nacional. Tirou aquele peso de nunca ter vencido um brasileiro. Entrou naquele velho ditado do interior: 'Porteira que passa um boi, passa uma boiada", disse.
Antes de pendurar as chuteiras, ele ainda passou por Jubilo Iwata, Shonan Bellmare, Sãocarlense, Bahia, XV de Jaú e Fortaleza. Depois, teve uma breve carreira como treinador antes de voltar a morar em Jáu.
Fora do esporte há pelo menos cinco anos, ele administra a renda que consegue com alguns postos de combustível e gosta de dizer que passa o tempo "degustando algumas geladas" e revendo os amigos dos tempos de futebol.
"A gente tem um pequeno contato com a torcida pelo Facebook, pelo Instagram. Eu gosto de postar fotos. Eu publico e o pessoal sempre agradece: ‘Obrigado, obrigado, eu tinha sete anos, eu tinha dez anos...’ É gostoso ouvir, é gratificante. É maior até do que 30 anos atrás".