Viúva, mãe de Arthur enterrou filho único no dia de sua festa de 15 anos

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Marilia Silva (e), mãe do zagueiro Arthur Vinicius, durante enterro de seu filho único

No dia em que o único filho completaria 15 anos de idade, a funcionária pública Marília Silva se viu sobre o gramado de uma das alamedas do cemitério Portal da Saudade, cercada de adolescentes que choravam a partida prematura do amigo.

Os garotos, vestidos com camisetas do Flamengo ou do Volta Redonda, e as meninas, de óculos escuros contra o sol de 31 graus da tarde de sábado, derramavam suas lágrimas nos ombros da mãe de Arthur, que os beijava na testa ou no rosto e dizia coisas como: "Não fica triste, ele está muito orgulhoso do amigo que você era para ele" ou "De onde ele estiver ele vai olhar por você".

A cinco metros dali, o corpo de Arthur Vinicius de Barros Silva Freitas, zagueiro do Flamengo morto no incêndio no alojamento do Ninho do Urubu, jazia sob camadas de terra, concreto e coroas de flores. Seu velório havia tido a presença do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e do prefeito de Volta Redonda, cidade onde a família mora.

No meio da cerimônia, amigos e familiares entoaram o hino do Flamengo. Batizado em homenagem ao ídolo de Marília, Zico, Arthur Vinicius foi velado junto com uma bandeira rubro-negra.

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A "fortaleza" Marília

Mantendo-se forte para consolar todos que a procuravam, Marília abraçou dezenas, talvez centenas de pessoas minutos depois do enterro e permaneceu no cemitério para atender jornalistas que queriam saber mais sobre seu estado de espírito e sobre a vida de Arthur.

"Desculpa ter incomodado a senhora", pediu uma jornalista depois que os repórteres perguntaram coisas como "Qual seu sentimento neste momento?" ou "Qual imagem mais marcante do Arthur?"

"Não precisa se desculpar, vocês estão apenas fazendo o trabalho de vocês", respondeu a mãe do jogador. Pensando retrospectivamente ao ser questionada sobre sua relação com Arthur, ela concluiu que também tinha feito o trabalho dela de mãe, que consistia em dar todas as condições para que o filho realizasse seus sonhos.

"Estou muito feliz por ele, apesar de ele ter ido tão cedo", disse aos repórteres. "Eu sei que fiz meu papel. Eu fazia tudo por ele e faria tudo de novo. Isso é o que conforta meu coração."

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O pai de Arthur morreu quando o garoto tinha cinco anos, e como ele era filho único, sua relação com a mãe se estreitou ainda mais. Os amigos da família dizem que mãe e filho costumavam se comunicar pelo olhar e por gestos que apenas os dois entendiam.

Guaraná e biscoito como presentes

Os R$ 500 que o zagueiro ganhava do Flamengo mensalmente como bolsa-auxílio, ele dava para a mãe visitá-lo nos fins de semana no Rio. A viagem de ônibus de Volta Redonda à capital fluminense costuma durar duas horas, e Marília gostava de ver o filho sempre que podia, tanto pela saudade que ambos sentiam quanto para oferecer a Arthur um prazer infantil.

"Ele tinha uma alimentação regrada durante a semana, então eu fazia questão de carregar para lá guaraná, Activia, Fandangos... tudo que ele adorava mas não podia comer sempre", conta ela. Como as coisas no Rio eram mais caras que em Volta Redonda, Arthur esperava a mãe trazer do interior os produtos de que ele gostava. Controlado financeiramente, pedia autorização para gastar o próprio dinheiro em roupas ou em crédito para celular.

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Marilia observa a foto do filho sobre o caixão durante o velório em Volta Redonda (RJ)

Em uma conversa reservada depois do enterro, Marília se permitiu esquecer por um momento as circunstâncias da morte precoce e brutal do filho e relembrar algumas passagens que lhe davam vontade de rir.

Como, por exemplo, o dia em que Arthur pegou um gancho por se recusar a comer banana antes de um jogo, conforme o técnico do time ordenava. "Ele tinha horror a banana. Comia quiabo, cenoura, repolho, tudo que criança não come, mas banana não podia ver nem pintada", ela lembra e ri muito, explicando o motivo do asco: "É por causa daqueles bichinhos que ficam em cima quando a banana está muito madura."

Ou lembrar-se do dia em que Arthur disse que se não fosse jogador de futebol, seria DJ, mas que era preciso ter cuidado para não chocar sua avó com os funks "proibidões". Ou de todas as vezes que ela levou ao futsal, à igreja e à escola e de todos os castigos que ela deu quando ele saiu da linha. Ou de quando os dois choraram juntos com um telefone na mão, no ano passado, ela em Volta Redonda e ele no Rio, quando souberam que Arthur tinha sido convocado pela seleção brasileira sub-15.

E eles chorariam juntos de novo ao descobrir que o zagueiro havia sido preterido na lista seguinte: "Eu tentava dizer que o foco dele era o Flamengo, mas ficar fora da seleção foi uma decepção muito grande."

Preparativos para festa

Com um olhar de alguém que custa a entender as ironias da vida, Marília lembrou que acordou na sexta-feira (8) pensando nos preparativos para a festa de aniversário que estaria começando na tarde do dia seguinte, na lista de convidados que Arthur tinha deixado praticamente pronta e na configuração das mesas a que cada grupinho sentaria.

Lembrou também da última vez que deixou Arthur na porta do Ninho do Urubu, o centro de treinamento do Flamengo, e dele pegando sua mão e pedindo sua bênção. Ela disse que Deus o abençoasse e os dois disseram que se amavam pela última vez.

"Não sei como vai ser minha vida daqui para frente sem ele", disse Marília. "Mas eu tenho fé, tenho Deus, minha mãe, avó e tios. Sei que vou ficar bem."

Fonte: Uol