Violência atinge times de maior torcida do Brasil. Até quando?

Andrei Kampff

Dessa vez aconteceu com os dois clubes de maior torcida do Brasil. Criminosos fantasiados de torcedores ameaçaram de morte o goleiro Cássio do Corinthians e outros invadiram o Centro de Treinamento do Flamengo agredindo jogadores com violência e intimidação. Mais uma vez personagens que se dizem do futebol futebol repete práticas condenáveis e criminosas. E a culpa não é apenas de quem praticou os atos, mas também do poder público e dos clubes, que ajudam a alimentar a cultura da impunidade. Até quando?

O absurdo que tem se repetido no Brasil não escolhe cor de camisa. Centros de treinamentos invadidos por torcedores uniformizados, patrimônio depredado, agressão em aeroportos, atletas constrangidos, ameaças, mensagens criminosas pelas redes sociais. Clima de medo e insegurança. E o mais grave: nada acontece. De novo, até quando?

De novo: passar a mão, relevar, tentar encontrar justificativa, conversar com os bandidos são comportamentos que não contribuem em nada para tornar o futebol um ambiente mais saudável. Pelo contrário, cada vez que isso acontece se presta um desserviço para o futebol.

O que fazer? Quem sabe, aplicar a lei. Como ensina Cesare Beccaria, é a certeza da pena que tem o condão de frear o cometimento de delitos. A lei está aí.

- A Lei do esporte, a Lei Pelé, estabelece logo no art 2º, XI o desporto como um direito individual, que tem como base o princípio da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial.

- O Estatuto do Torcedor também foi alterado em 2019 e se tornou ainda mais firme no combate à violência. Ele ampliou o prazo de afastamento do criminoso de 3 para 5 anos, conforme o art. 39-A, além de estender sua incidência a atos praticados em datas e locais distintos dos eventos esportivos e instituir novas hipóteses de responsabilidade civil objetiva de torcidas.

- Além disso, claro que sim, também aplicam-se ao torcedor-agressor toda a lista de crimes prevista no nosso ordenamento jurídico, como o Código Penal, que tipifica crimes como o de ameaça, e o de agressão.

O risco sofrido pelos jogadores do Flamengo e o dano causado a Cássio e sua família poderia até dar causa a uma ação de rescisão indireta do contrato já que o clube é responsável pela segurança do atleta, mas a própria cultura do futebol dificulta esse caminho.

Sempre importante lembrar que nenhum trabalhador pode ser ameaçado ou agredido em razão do seu ofício profissional. E - como qualquer empregador -, o clube deve prezar pela segurança de seus empregados. Mas a rescisão é sempre uma medida extrema, e os prejudicados seriam as vítimas.

O que fica, ainda, é a sensação de impunidade. Ela faz com que os bandidos uniformizados se sintam estimulados a perpetuar suas condutas tendo certeza de não sofrer punição.

É verdade que além da impunidade, a violência também está ligada a problemas mais profundos. Em 2017, fiz uma série sobre violência no futebol para a a TV Globo e conversei com o sociólogo Mauricio Murad, autor de vários estudos sobre o tema. Ele lembra que o desemprego, o subemprego, a falta de uma educação de qualidade e o abismo social entre classes também alimentam essas condutas. mas destaca também a relação que os clubes têm com as torcidas uniformizadas.

A relação clube-torcida uniformizada é historicamente promíscua em muitos lugares. Ingresso em troca de favor, dinheiro por apoio em eleição. Sem falar que muitos dirigentes sentem medo de líderes dessas torcidas. A relação pode - e deve - existir. Mas ela precisa mudar.

O clube tem que pensar na via preventiva e estimular uma ação saudável com o torcedor, estabelecendo pontes para diálogos. É preciso criar mecanismos de governança que possam passar para a torcida mais transparência, aproximar torcedor e sócio, e criar mais aspectos de controle para dar eficiência à gestão

Clube e poder público também são responsáveis por esse absurdo histórico de agressões e ameaças no futebol. E a receita urgente para acabar com isso é por um ponto final na sensação de impunidade que reina no imaginário coletivo.

O caminho para começar a acabar com esse clima de insegurança é quase uma receita de bolo: identificar os culpados, para que eles sejam julgados e condenados de acordo com o rigor da lei. Assim, se reforça o compromisso pelo fim desses atos de violência, como também de devolver uma segurança perdida por essa cultura da impunidade.

O futebol não é mundo paralelo. Nem pode parecer ser.

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Fonte: Uol